30 dezembro 2009

Passagem de Ano

Mais uma passagem de ano a guardar sonhos para a próxima. Mais um ano que chega, recheado de nova esperança, verde clara como as folhinhas da roseira que está no canteiro do jardim a preparar-se para florir na próxima primavera.
Todos os anos se repete o ritual : Boas Festas ! ( alguns acrescentam ironicamente – pelo corpo todo). Eu não reclamo festas dessas e, porque as festas dessa natureza não precisam do mês de Dezembro para se desejarem ao próximo, vamos acalentando a ilusão de umas Boas Festas “adjuntas” ao Ano Novo.
Estou mesmo a ver que este ano não vou ter a passagem de ano sonhada!
Talvez para o ano aqui esteja a repetir este mesmo texto, este mesmo pensamento. Ocorreu-me agora, que os seres humanos se parecem com relógios, sempre a dar horas ( algumas perdidas, outras vazias) sempre a dar meia – horas ( apressadas, fugidias, egoístas), isto para não falar nos quartos ( de hora) - silenciosos, mudos, isolados.
À meia-noite de 31 transporto o meu pensamento, uma vez mais, para o alto da minha serra, verde e selvagem, aquela de onde te avisto a ti e ao mar, mar imenso onde um dia finalmente pedaços de mim voarão leves e soltos por sobre a espuma das ondas.
Nem sei quem partirá primeiro, se eu ou se a outra parte de mim, mas sei que por cada passagem de ano, os meus sonhos se desfazem um a um.
Tanto espero por este dia, e quando cá chego, quando aterro nas horas, nas meias – horas e nos quartos (de hora), percebo que o tempo me vai tirando o pouco ( quase nada) que de ti tenho.
Sonho-te assim a chegares, a sorrires-me, sonho com um abraço feito de pedaços de infinito, quente e com estrelas de afecto a polvilhar.
Sonho que me levas para o ponto mais alto do mundo e na imensidão do céu azul até onde a nossa vista abarca, vemos miríades de estrelas, brilhos de fogos a luzir , cometas em rota e luas a brilhar.
Amanhã o meu pensamento voará perdido pelo espaço deste Universo à procura da luz dos olhos teus, e mesmo no meio da multidão, serei um farol direccionado num único sentido.
Nunca ninguém verá em ti o brilho que eu vislumbro. Estarão às escuras, tal como tu, que procuras deliberadamente a noite profunda, esquecendo que a estrela de alva brilha no meu céu.
E a Terra segue o seu movimento de rotação, e eu sigo com ela, voltas e mais voltas, até ficar tonta e cair estatelada no chão.
Algures, em latitude que desconheço, estás tu a rodar em sentido desconhecido.

Fantasias

As saudades do que fui
Do que fomos
Do que agora somos
Sem nada ser
Continuam presentes
Para me fazer sofrer

E de mim já nada sei
Neste deambular
Pelos pedaços de sonhos
Que ainda me fazem sonhar

Sonho sim!
De mãos quietas, pousadas
Nuas geladas
Cruzadas no meu regaço
Onde outrora adormecias
Inventando fantasias
esquecendo o teu cansaço.

Guardo-te comigo, aqui
Bem dentro desta memória
No teu rosto o areal
Nos teus olhos azul- mar
Fantasio que sou rocha, rochedo
Que sempre vens abraçar.

28 dezembro 2009

Um 2010 cheio de Luz para quem por aqui passar!


Foto retirada da net

O número 12 é visto como figuração de um ciclo completo, como símbolo da ordem cósmica, ou seja, como perfeita representação do mundo manifestado ordenadamente. Ora, a expressão mais completa do simbolismo do doze é o zodíaco composto por doze signos que são as estações percorridas pelo sol no seu circuito anual. Um ciclo completo do sol compreende, portanto, doze fases demarcadas pelos signos zodiacais que, segundo a sã astrologia, correspondem ontologicamente aos doze modos do Ser e, desde outro ponto de vista, descrevem as várias fases de desenvolvimento do ciclo. Além disso, como existe uma correspondência analógica entre ciclos maiores e menores, o ciclo solar anual pode simbolizar o desenvolvimento de um outro ciclo qualquer.
O mais antigo código dos Árias, conhecido como "as leis de Manu", divide-se em 12 partes; os grandes deuses gregos são doze; doze também eram os Ases, heróis divinos da tradição nórdica; em Roma, eram doze os leitores do colégio sacerdotal dos Sálios, incumbidos de acompanhar o Pontífice Máximo; tanto Mitra quanto Lao-Tse, segundo a história, tinham doze discípulos; na tradição muçulmana, existem doze descendentes; o número doze encontra-se no mito de Héracles, herói solar por excelência, que percorre as diversas etapas do desenvolvimento espiritual, representadas nos doze trabalhos; e, finalmente, comprovado pelos Evangelhos e pela história: Jesus, o Cristo, e seus doze apóstolos.

O relógio é divido em doze horas e existe o mistério das 12 horas (meia noite ). É um mistério elevado que mostra o infinito dentro do finito, o eterno-agora. Quando é meia noite, por menor que seja a fração de tempo sempre é possível dividi-la sucessivamente "ad infinitum". O momento exacto da meia noite somente existe a nível de infinito e Jesus nasceu à meia noite mostrando que Ele nunca nasceu no plano material pois a Sua existência é no plano infinito. Romances e lendas dizem ser fatídica a " batida das doze horas " da noite. As batidas do relógio à meia noite tem um significado esotérico e mágico muito importante. É a hora em que os galos começam a cantar. Hora dos grandes mistérios, na realidade há segredos sobre a 12.ª hora que o iniciado evita revelar aos profanos. Existe uma Ordem Sublime em que uma das iniciações se liga ao grande mistério da 12.ª hora. Inicia-se exactamente à meia noite com as batidas compassadas de um relógio e as palavras de Apolónio: "AQUI SÃO EXECUTADAS, MEDIANTE O FOGO, AS OBRAS DA LUZ ETERNA". Poucos sabem o que significa esse fogo referido no mistério da 12.ª hora.
Que fogo é esse, então?! - Citando Rijckenborg, mestre rosacruz e gnóstico: "Esse Fogo pode, com razão ser chamado Força Divina por isso o mago deve recordar diariamente a conhecida advertência: Aquele que está de pé, que cuide de não cair!"

Assim, neste momento fechamos mais um ciclo e cada um vai avaliá-lo à sua maneira aproveitemos essa oportunidade para sermos o que ainda não conseguimos ser, para ter o que ainda não conquistamos, para chegar aonde queríamos chegar, mas principalmente, que melhoremos tudo que ainda falta melhorar.
A vida é uma dádiva maravilhosa, vivida segundo a segundo, durante doze meses de cada ano. Não devemos nós desperdiçar a única riqueza capaz de gerar o encantamento e a esperança de um planeta melhor. Depende de cada um espalhar em redor a compreensão, o perdão, o permanente exercício de trabalhar a humildade, como algo positivo, em prol de nós mesmos e dos que nos rodeiam.
Só assim fará sentido os doze meses que passaram e todos os outros que no futuro puderem vir a acontecer.
Vamos vivendo, caminhando, desejando dias melhores. Se não vierem, continuaremos desejando porque confiamos nos sonhos, aprendemos a acreditar com a esperança, a creditar no amanhã a realização do impossível hoje.
Citando António Machado, poeta sevilhano
«Caminhante, são teus rastoso caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás vê-se a senda que jamais se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,somente sulcos no mar.»

Assim sendo, a todos desejo que os próximos 12 meses do ano de 2010, sejam de crescimento espiritual e que, “Aquele que está de pé, que cuide de não cair!"; nestes tempos tão conturbados, eivados de corrupção e ganância, sede de poder e desmedida ambição dos nossos políticos e líderes que, deveriam ser os primeiros a ter uma atitude digna de exemplo, sendo a luz dos povos e das nações. - Mas, não o são!
Aos que carinhosamente me apoiaram, me incentivaram e, que de alguma forma ajudaram a manter este espaço, deixo escrito ( citando as palavras de Apolónio):” "AQUI SÃO EXECUTADAS, MEDIANTE O FOGO, AS OBRAS DA LUZ ETERNA".
Que a LUZ seja uma constante nas Vossas Vidas!
Bom Ano Novo!

27 dezembro 2009

Xaile Negro

A minha alma é um xaile negro
Amarrado ao coração
Que me aconchega e protege
Do frio da solidão.

Se algum dia eu desistir
De tentar fazer poesia
É porque deixei cair o xaile
Que a minha alma vestia
Esperando a volta dos barcos
Perfumados de maresia
Quando partiste um dia
Sem contudo eu saber
Que nunca mais voltarias
Não te tornaria a ver.

21 dezembro 2009

Brilho de luzes e cânticos de Natal não fazem o Natal


www.midiaindependente.org/.../04/23374.shtml

"E ela deu à luz o seu filho primogénito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria" (Lucas 2.7).

"Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores, que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso" (Isaías 53.3).

"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo o que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16).

Somente um coração humilde consegue compreender essa dimensão do amor de Deus.

Que essa seja a nossa alegria de Natal, levando-nos celebrar essa festa com um coração agradecido! "Grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória" (1 Tm 3.16). Com essas afirmações, o apóstolo Paulo descreve o mistério da fé.
O que devemos crer e aceitar em adoração é esse amor de Deus no Seu Filho Jesus Cristo, que salva toda e qualquer pessoa que Nele acreditar! O Natal festejado apenas em função de coisas exteriores é uma farsa. Jesus precisa de entrar nos nossos corações!
"Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele" (Ap 3.20).

18 dezembro 2009

Vendaval

António Botto sentia
“Tenho pena desse corpo/Enrugado/E chamuscado/Na labareda sombria
Do seu sexo traiçoeiro...”


(E eu sinto assim.....porque o li)

Hoje quase que as estrelas todas
Caíram ao chão.
Era tal o vendaval
Era tal a ventania
Que as pedras da calçada
De folhagem se cobriam

Pisei-as assim, a medo
Sem me conseguir suster
Uma espécie de frémito
Um incerto caminhar

Senti, apesar de tudo
Um frágil palpitar
Não sei se era o meu coração
Ou o teu a soluçar.
Eram seguramente
Pedaços de beijos mortos
Que rolavam no caminho
A chuva caía neles
Fazendo-os chorar baixinho
E rolavam estrada abaixo
Pelas pedras do caminho.
E já não sei porquê
Porque existo
E levo o tempo todo
A pensar nisto
Andei a percorrer
Todo este tempo
Esta estrada da vida
Feita de negro xisto
Negras pedras, luzidias
Cobertas de folhas castanhas
Amarelas, doentias
Saudosas dos bosques
Onde outrora me sorrias.

Arroba

16 dezembro 2009

Seres estranhos - I

Metropolitano de Lisboa, Linha Verde– 13:30, carruagem cheia (aliás quase sempre).
Sentado à minha frente, um ser estranhamente andrógino chama-me a atenção, e miro-o descarada, enquanto deito um olho meio torto, para o parceiro do lado que desenha rostos em folha A4, este no entanto não me consegue surpreender; é comum ver gente nos transportes públicos a esboçar caricaturas ou simples rabiscos; a única diferença entre nós , é que eu guardo os meus esboços na memória, enquanto o viajante que comigo partilhava o banco passava-os para o papel.
Voltando ao ser andrógino em pose correctíssima, recordo-me de, como era apanágio de boa educação e bom tom, durante o Estado Novo, as senhoras sentarem-se com as pernas levemente inclinadas para o lado, joelhos e pés unidos e costas bem direitas;nada como as liberdades actuais que permitem pés nos bancos e pernas abertas como se de uma aula de ginástica se tratasse. Adiante! Para o caso não interessa porque nessa altura eu era uma criança de colo e ainda gatinhava.
Ora o cavalheiro em questão, que de cavalheiro nada tinha, possuía um belo cabelo negro, com algumas (poucas) madeixas douradas, e tinha assim um corte tipo “tijela” mas caindo sobre os ombros ( largos) que rapidamente culminavam num corpo de adolescente. Não aparentava mais de 17 anos e via como o Camões, ou seja, só de um olho, porque o outro estava tapado pela bela franja que lhe descia até ao nariz e em jeito godés, enquadrava-lhe ou, desenquadrava o rosto. E a pobre criatura espreitava assim, quase tímida , ocasionalmente ajeitando a franja com uma mão branca, de unhas imaculadas e que terminavam como se escamas de peixe tivessem ali sido coladas, escamas de peixe mas dos grandes, garoupa ou cherne! Peixes de alto mar.
O pulso adornado por uma pulseira com pequenos dados de jogar, em tons de branco e vermelho, - também aí ele tocava pontualmente e fazia rodar os dados dois a dois – uma espécie de tique, enquanto eu observava no dedo anelar o brilho de um caxucho em forma de coração, todo ele multi-facetado de cor vermelha. Lindo!
Olhei-o como já referi, sem qualquer tipo de pudor, intrigada , pensando que coisa era aquela, que até tinha um rosto bonito, uns lábios bem delineados, perfeitos , lábios esses que qualquer mulher gostaria de possuir ou – neste caso – de ter.
E o petiz-rapaz-meia-coisa estranha, espreitava com ar assustado , como se tivesse aterrado numa carruagem de Et’s. Entrei em processo de dúvida, autêntica revolução na minha massa cinzenta – afinal quem estava ali deslocado? Eu ou ele?
Felizmente não tive muito tempo para estas cogitações, porque fui chamada à realidade pelo apito estridente de abertura de portas na estação do Rossio.
Saí para a gare , e a nave prosseguiu o seu caminho, - perdão o Metropolitano – Lá foi o ser andrógino pelo buraco adentro.

Oração


Psiquê

Neste Natal eu quero pedir ao Menino que te traga envolto em luz, com asas longas e manto branco de arminho.
Quero poder chegar à Consoada e saber que estás ao meu lado sorrindo nesse jeito que só tu tens de sorrir para mim.
Se assim não for, será este o último dos Natais em que serei criança grande.
Depois, se o Menino não me realizar este sonho pueril - o meu anjo de asas longas - partirei assim que a meia-noite bater no relógio de parede, que há tantas luas me recorda o tempo a passar por mim e onde só já vejo sombras.
À meia-noite desse dia frio e escuro, perderei os resquícios de alma que ainda guardo cá dentro.
E porque o tempo nada perdoa, sempre em contagem decrescente contra tudo e contra todos, contra o querer da gente.
Terei por berço uma cama de madeira perfumada, aquele meu vestido branco com que serei enfaixada .
Trazei-me depois, aquele ramo de camélias de que eu tanto gostava.
Partirei ao som festivo de mil fogos de artificio, vistos tão lá de cima, no alto daquele edifício – aquele que todos os dias espreito da minha janela, com o meu olhar perdido, entre vidraças molhadas de lágrimas já tão gastas de não te ver através dela..
Menino Jesus, que tudo podes dá-me o meu anjo caído!
Prometo-te uma novena no altar da capelinha onde costumo ir orar, e oferecer-te aquela roca para Tu poderes brincar.
Prometo-te ainda Deus meu , tua imagem alumiar, com velas de palmo e meio, para depor no altar.
Assim Jesus não mais tens medo do escuro, não adormeces a chorar.
E por fim Senhor Jesus, se tamanha Graça concederes, prometo levar-te aquele botãozinho de rosa nascido ao alvorecer , para entregar nos Teus braços e orientares a crescer.
E se nada acontecer, serei outro anjo caído, por me custar a acreditar na promessa do milagre pelo qual Tu te entregaste para a minha Alma salvar.

15 dezembro 2009

Extase

Tem dias que te invento
Sonho-te assim
Romã, bago rúbi.
Tem dias que te sonho
Áspide aprisionada
Lascivamente ondulando
Na pele branca acetinada
Morrendo dentro de mim.

De noite
No silêncio dos espelhos
embaciados
Pelo calor dos nossos corpos
transpirados

Em êxtase sonhado
Pulsa forte o coração
Trazes-me assim a morte
Docemente pela mão.

14 dezembro 2009

Ágora

Defende o teu direito de pensar, porque mesmo pensar de modo erróneo é melhor que não pensar . . .
Hipatia de Alexandria
Trecho de uma carta de Senésio de Cirene , aluno de Hipátia:
"Meu coração deseja a presença de vosso divino espírito que mais do que tudo poderia adoçar minha amarga sorte. Oh minha mãe, minha irmã, mestre e benfeitora minha! Minha alma está triste. Mata-me a lembrança de meus filhos perdidos… Quando receber notícias tuas e souber, como espero, que estás mais feliz do que eu, aliviar-se-ão pelo menos a metade de minhas dores".


Hesíquio, o hebreu, aluno de Hipátia:
"Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer filósofo a todos os que quisessem ouvi-la… Os magistrados costumavam consultá-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade".

Nunca ninguém suspeitava
Do que nesse cristalino Olhar
se abrigava
Um imenso mar,
Lago, Água, Ágora
onde tu ousaste sonhar
Com o brilho do sol, dos planetas
A trajectória dos cometas

Pagaste com a vida o sonho da Verdade
Maria Madalena não morreu assim
Com tamanha crueldade.

Adormeceste com o brilho das estrelas
Encerrada Em Alexandria.
Sacrificada Pela urbe infame
Hypátia Ensanguentada em morte agonizante
Que a sofreste nesse dia.

Ao propagares o Saber
Invejada pelos papistas e amaldiçoada
uma vez mais,
venceu o reino da mediocridade
bestas e não animais.
Uma estrela a menos que brilha
No céu da Humanidade.
Como é fácil destruir as finas teias do saber
Como é difícil conhecer que existe um outro Mundo
Que levou milénios a tecer.
Pobres de nós mortais!
Sem alma , o corpo é uma quimera
Que nos arrasta pela vida fora
tal como auto de fé que acabou em Ágora.
Arroba

ALEXANDRIA, A BIBLIOTECA.
Não gosto de transcrever textos alheios, assim na integra. Mesmo que citações. Mas, acho que este vale a pena pela sua modernidade e qualidade intelectual do autor, um ser humano único. Um cidadão Cosmopolita (do Cosmos), como sonhava ser. Os trechos foram extraídos da obra clássica do astrônomo e pesquisador Carl Sagan, Cosmos. Cosmos foi produzido em 1975 para uma série da TV americana e posteriormente lançado em DVD em 2000. O trabalho mostra com maestria, um épico do nosso Universo. Através da filosofia, física, astronomia, história e de outras fontes do conhecimento, Carl Sagan faz um resumo impecável do passado, presente e possíveis futuros do Cosmos, com várias previsões feitas por ele, hoje confirmadas. Trata-se de uma obra-prima imperdível para quem é curioso a respeito da história da humanidade. O assunto abordado por nós está no quinto DVD da série, com o título principal de “O Futuro da Terra” e sub-título, A Biblioteca de Alexandria.Biblioteca de Alexandria, O Centro da Ciência e do Saber da AntiguidadeA Biblioteca de Alexandria era praticamente uma extensão do Museu de Alexandria construído por Ptolomeu I Sóter (os Ptolomeus. Assim eram chamados os reis gregos do Egito, sucessores de Alexandre) e que teve o filósofo Demétrio de Falério, como seu primeiro incentivador. Mas foi Ptolomeu Filadelfo, o sucessor de Ptolomeu I, quem mais insistiu na importância do Museu e da Biblioteca, como símbolo da política e da cultura Grega. A data é incerta mas considera-se que tinha sido fundada em 280 a.C. e foi finalmente destruída em 416 d.C. Alexandria sob o domínio de Roma, em 48 a.C. tinha como freqüentadora, a princesa Cleópatra, amante de César. O próprio César acompanhava a princesa em visitas a biblioteca, e consta que realmente admirava aquela obra monumental, que continha um arquivo cultural imenso, construída a oeste do delta do rio Nilo e às margens do Mediterrâneo. Durante toda sua existência, a biblioteca sofreu vários ataques e destruições e sempre foi reconstruída. A mais famosa história foi protagonizada por Júlio César, que tentando matar seu inimigo, Pompeu, acabou por acidente, incendiando parte da cidade de Alexandria e a própria biblioteca. Esta passagem não é totalmente aceita pelos historiadores. Durantes seus anos de glória a biblioteca chegou a ter arquivados perto de 400.000 rolos de papiro. Alguns falam em pelo menos o dobro disso. Os papiros tinham em media, 25cm. de altura por 11m de comprimento. Nos seus acervos podia-se encontrar textos sobre matemática, astronomia, mecânica, medicina e outras fontes do saber. Escritos de Platão, Aristóteles, Zenão, Euclides e Homero. Arquimedes, Galeno, Ptolomeu (o astrônomo) e Hipátia, também faziam parte dos pensadores da antiga biblioteca. O velho testamento, o Pentateuco dos Judeus, estava por lá, em 70 manuscritos traduzidos do hebreu para o grego. Temos ai, alguns exemplos. Foi o primeiro centro de investigação da história do mundo. Hoje já não é pouco considerada a versão de que, sua destruição final foi ocasionada pelos árabes no ano de 642. O mais correto é que, Teófilo, um bispo radical de Alexandria fez uma última investida contra a biblioteca no ano de 416. Considerava-a como uma afronta ao cristianismo, onde via o paganismo e o ateísmo como representantes máximos do conteúdo da maior (mais importante) biblioteca jamais existente até os dias atuais. Abaixo em itálico, textos de Carl Sagan. “No séc.III a.C., o planeta foi mapeado e medido com precisão por Eratóstenes, um cientista grego que trabalhava no Egito. Eratóstenes era o diretor da grande Biblioteca de Alexandria, o Centro da Ciência e do Saber na Antiguidade. Para um outro filósofo grego, Aristóteles, a humanidade dividia-se entre gregos e todo o resto, que ele chamava de “bárbaros”. Para ele, os gregos deviam manterem-se racialmente puros e que cabiam aos gregos a escravização de outros povos. Eratóstones criticava o chauvinismo cego de Aristóteles...Alexandre foi retratado como um faraó, num tributo aos egípcios, mas na prática, os gregos achavam-se superiores. Mas os Ptolomeus tinham ao menos uma virtude: apoiavam o avanço do conhecimento.A grande biblioteca ficava no Porto de Alexandria perto da sétima maravilha do mundo antigo, o Farol de Alexandria. Por isso era um local freqüentado por pessoas do mundo todo. Turistas, navegantes, negociadores e estudiosos. Todo tipo de conhecimento mais moderno da época acontecia ali, no porto de Alexandria. Todo conhecimento acumulado durantes séculos foi registrado e acumulado ali ao lado, na biblioteca de Alexandria. Nas palavras de Sagan: “ Aqui o termo “Cosmopolita” aplicava-se em seu sentido literal, de um cidadão não apenas de uma nação, mas do cosmos.Sementes do Mundo Moderno“Mas isso não aconteceu. Imaginem se a perspectiva humanitária de Eratóstenes tivesse sido adotada e aplicada para o bem comum. Aqui estavam as sementes do mundo moderno. Mas por que não floresceram? Por que o Ocidente permaneceu durante mil anos nas trevas, até Colombo, Copérnico e seus contemporâneos redescobrirem o trabalho feito aqui? Não posso lhes dar uma resposta simples, mas sei que não há durante toda a história da biblioteca de que algum dos ilustres estudiosos e cientistas daqui tenham em algum momento desafiado seriamente um único dogma político, religioso ou econômico da sociedade em que viviam. A perenidade das estrelas era questionada. A legitimidade da escravidão, não era”. Il Gran FinaleUma das grandes cabeças pensantes da biblioteca de Alexandria era a de uma mulher. Uma matemática. Hipátia. Talvez a primeira mulher a contribuir decisivamente no desenvolvimento da matemática. Hipátia era filha do filósofo Théon. Ela era uma representante da escola Neoplatônica, cujo fundador foi Plotinus. Hipátia representava e ensinava as diversas ciências nos salões da biblioteca. Em 412 Cirilo torno-se patriarca de Alexandria, quando Orestes era seu prefeito. Cirilo representando a Igreja era contrario as idéias modernas de Orestes. O prefeito Orestes e Hipátia eram simpatizantes e amigos. Por estas e outras razões, os cristãos viam na matemática um símbolo do paganismo. Seu trágico fim, como relata Carl Sagan abaixo representou ao mesmo tempo a intolerância da Igreja e a resistência de alguém que acreditava na importância do conhecimento como meio para uma evolução do próprio homem. “Deixe-me falar sobre o fim. É a história da última cientista, astrônoma e física que liderava a escola da filosofia neoplatônica de Alexandria. Um conjunto de feitos incríveis para qualquer cidadão em qualquer época. O nome dela era Hipátia. Nasceu em Alexandria no ano de 370 d.C.Naquela época, as mulheres não tinham muitas alternativas. Eram consideradas propriedades. Apesar disso, Hipátia movia-se livre e desembaraçadamente em domínios tradicionalmente masculinos. Embora não faltassem pretendentes, não tinha interesse nenhum em se casar. Alexandria era uma cidade em conflito. A escravidão já havia minado a civilização clássica. A Igreja Cristã em expansão estava consolidando seu poder e tentando erradicar a influência e a cultura pagãs. Hipátia estava no meio, no epicentro destas forças sociais. Cirilo, o bispo de Alexandria desprezava-a, em parte por ela ser muito amiga do governador Romano, mas também por que ela simbolizava o estudo e a ciência que a Igreja associava com o paganismo. Correndo grande risco, Hipácia continuou a ensinar e a publicar até que no ano de 415 a caminho do trabalho foi abordada por uma horda de seguidores fanáticos de Cirilo que a arrancaram de sua carruagem rasgaram-lhe as roupas e a esfolaram até os ossos usando conchas afiadas. Seus restos mortais foram queimados e suas obras caíram no esquecimento. Cirilo foi canonizado.A Biblioteca de Alexandria e toda sua glória não existem mais. Foi destruída 1 ano depois da morte de Hipátia. Era como se uma civilização inteira tivesse se submetido a uma cirurgia cerebral. Suas memórias, descobertas e idéias foram extirpadas. Por exemplo, das 123 peças de Sófocles, só sobraram 7 delas. Uma deles é Édipo Rei. É como se as únicas obras de Willian Sheakspear fossem, Coriolano e Um Conto de Inverno. Embora soubéssemos que ele escrevera também Hamlet, Macbeth, Rei Lear e Romeu e Julieta. A história está cheia de pessoas que, por medo, ignorância ou sede de poder destroem tesouros de incomensurável valor, que na realidade pertencem a todos nós. Não podemos permitir que isso aconteça de novo”.Bagdá, HojeEm 2003, a Bagdá tomada pelos americanos foi palco das preocupações de Carl Sagan. Embora não saibamos com certeza quem foram os responsáveis, sabemos que as tropas americanas não deram a devida proteção aos centros culturais, como museus e bibliotecas da capital iraquiana tomada. Resultados: como é comum em conflitos ou guerras, os vencedores se apropriam e mesmo destroem, símbolos do antigo governo deposto. Em abril de 2003 a imprensa mundial noticiou o saque ao Museu Arqueológico de Bagdá. No dia 14 do mesmo mês, perto de 1 milhão de livros foram queimados na Biblioteca Nacional. Parece que os exemplos dos incêndios de Alexandria, ou a queima de livros pelos nazistas, não ensinou nada aos homens. Os livros lamentam e Carl Sagan nos observa atônito, do Cosmos...
“Onde queimam livros, acabam queimando homens”.Heinreich Heine.
http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=9630
texto de Alex Soletto

11 dezembro 2009

Carapaus

Vaidoso, olhava do alto da sua janela, as peixeiras que passavam e faziam dançar no alto das suas cabeças, enormes canastras cheias de peixe fresco de reflexos cor de mar.
Apregoavam em voz sonora “haaaaá carapau lindouuuu”, e seguiam rua acima, ao encontro das freguesas, apressadas para os preparativos do almoço.
Lambia-se o malandro, ciente da bela pelagem negra; no seu íntimo ecoavam memórias da selva e dos seus parentes felinos, panteras de sombras furtivas que, estranhamente, só gostavam de carne.
Pensava o gato : - Como é possível não gostar de carapau fresquinho?
Nada de hipermercados, grandes superfícies, onde os gatos não podiam entrar, entravam outras espécies - cogitava o bicho de olhos verdes a fingirem-se adormecidos.
Todas as manhãs a senhora Maria, como que arreava a sua bandeira de linóleo amarelo, toda coberta de belos espécimes frescos , sardinhas, pescadinhas, jaquinzinhos, mas o diacho do bichano gostava mesmo era de carapaus, lambia-se guloso e fazia soar pela rua estreita a sua voz metálica, quase irritada que clamava : - Carapaus!!!!! Adoráveis seres pelágicos, criados em mar aberto, coisa fina e escamosa, iguaria das melhores; - então quando a sua dona , a senhora Adelaide fazia carapaus com molho à espanhola, acompanhados de umas batatas cozidas com casca e salada de alface e tomate, entremeada com lascas de cebola - salivava com quantas papilas gustativas tinha na sua língua de gato e jurava a patas juntas, que todas elas funcionavam em uníssono: fungiformes, foliáceas, circunvaladas e filiformes.
Mas deixemo-nos de referências desnecessárias e tratemos do assunto que aqui nos traz: - O Carapau!!
E, não é que na sua frente estavam não um mas cerca de uma dezena deles, corpos fusiformes a sorrirem descaradamente. Pudera!! Quem não sorriria ao ver um gato preto na janela, de belos olhos verdes a piscar ??
E foi assim, que numa manhã soalheira, o gato negro, num salto rápido e ágil, gizou o plano e roubou um carapau à senhora Maria!!
O pregão silenciou-se e passou rápido ao impropério, gato manhoso, filho deste e daquele, ladrão!! Se te apanho um dia, levas uma biqueirada, mato-te bicho do demo!!
Algures, lá mais para cima, perto do céu, numa janela de águas furtadas sem uso, lambia-se o malandro abocanhando o carapau!
Teve mais sorte do que eu – pensei para os meus botões - não como carapau há mais de um ano, esta coisa de viver confinada em apartamentos e não poder assar uns quantos na brasa, por causa do transtorno dos cheiros , chateia-me a molécula!!
Quando vier o verão, ver se encontro uma esplanada, junto ao mar, que faça carapaus assados com molho à espanhola !

09 dezembro 2009

Criada de servir

Porque trago em mim
esta alma vestida de
negro cetim
que me faz criada de servir
perante a vida?
Que penitência
possuir-me assim
este espiríto de paciência
feito de uma causa perdida?

Às vezes penso,
quando penso
já não como quem pensa
mas sente, algum rasgo
de perdida crença ainda inocente
Consigo sonhar
como criança
ainda que alheia vontade
me impeça
e me tolha a esperança.
tentar cegamente
mandar no que faço
automatizar-me o acto.
Já me cansa, tal servilismo!
Já cismo em rasgar o fato
de criada de servir!

Em vez da branca crista
a coroar-me as ideias
um diadema de estrelas
numa aura de finas teias

uma veste acetinada
onde a tua branca mão
possa tocar encantada
descendo num toque doce
pelas meias de cristal
de fina malha rendada
rasgando-me o preconceito
que me faz viver assim
deste modo,
enclausurada!
Já cismo em rasgar o fato
de criada de servir
consciencializar o acto
que me fará implodir.

07 dezembro 2009

Mil e uma Noites

De rompante abriram-se
as gelosias marchetadas
e no horizonte, mil e uma
noites
de contos,
encantadas.

E era eu , angustiada Scheherazade
perante uma corte calada de ciprestes
renascida em jaula feérica
de luxúria árabe
grades douradas
de ouro arabescadas
sonhando-te
a contar
histórias inventadas .

Impossível descrever
esse teu rosto
adormecido, por entre
chorões de prata fluída
fachadas mármoreas
de cor ígnea
Contra o sol
irisado
poente já quase ido
em cor de jóia rara.
e em mim apenas
a ânsia contida
sofrida
de ser núvem
adormecer no sonho
como clepsidra, a viver
fora do tempo.
Poder ter-te
a ti
por um momento.

04 dezembro 2009

Madrugadas

Sobre as águas claras
passava leda a triste madrugada
envolta em brumas
assim meia encantada
Flutuava leve
turvando-se -lhe o pé
a vista se velava
sumindo-se ao longe
em imensa voragem.
Na fria transparência
naufrágio e perdição
endoidecida alma
estranha obcessão.
Murmúrios de queixume
e a brisa ao passar
trás-me o teu perfume
vindo do espaço
Resquicio de gozo
exangue no cansaço

02 dezembro 2009

Auroras boreais

Para onde foram as minhas estrelas
que norteavam o azul profundo
como pequenas caravelas
a descobrirem o mundo

Sonhei um dia,
percorrer o teu corpo
feito de finos rios azuis
poder nele navegar
descobrir bosques tropicais
Um tropel infinito de desejos
um oceano de auroras boreais