31 março 2011

A poesia existe mesmo sem existir o poema,
Roubo da vida a poesia, a que posso,
a que me deixam , e tento dia após dia
Fazer da vida o meu lema.
Busco assim incessante
Neste caminhar errante
Passo a passo, como ladrão
Roubando a vida à morte,
que até mesmo ela é incerta
não sabemos dela a sorte
A morte não tem coração
Mas a vida, essa sim
Pulsa em poesia
Na graça e no sentir
Viver é fazer magia
E porque existe a poesia
Quando escrevo este poema
Mato com a vida a morte
Faço da vida o meu lema.

30 março 2011

Génio


Ó Génio porque me abandonaste?
Agora  não posso cumprir o meu destino
Deixas-me aqui perdida
Num constante desatino.
Tanto que quis possuir-te
Tanta artimanha usei
E agora que fazer
Agora que nada sei?!
Ó Génio onde te escondes tu?
Em que mágica lâmpada moras
Procuro-te e não te encontro
Quando tempo tu demoras?
Passei a noite acordada , 
de atalaia à tua espera
Tanto que luto, que sonho
E é tudo  uma quimera.
Ó Génio volta para mim
Alumia o meu caminho
Não me faças caminhar
Neste breu de me espantar
Ilumina a minha noite
Traz-me génio ao versejar.

29 março 2011

(in)definição de poesia

(obra de William Bouguereau)

A poesia é Amar
sem ser amado
daí nasce a dor
Com que  escreve os versos
o poeta fingidor
aquele que escreve isolado.
.
A poesia é o encanto e a  beleza
do mundo inteiro ser dono
eterno  amante da Natureza
e dos rios de água cristalina
que por aí correm escondidos
numa nascente divina.
E da poesia do nascer do sol
A que assistimos rendidos.
E de quem somos  seus súbditos
A quem nos desperta sentidos.

A poesia é um riso a voar
No rosto dos nossos filhos
Que nos fazem elevar.

A poesia é o teu corpo
Que percorro com o olhar
 transformado em borboleta
 proibida de pousar.

A poesia é a véspera de Natal
O mistério da re-ligação.
A poesia é o mistério pascal.
A poesia é ressurreição.

A poesia é a minha alma a sonhar
Com barcos, caravelas  de brancas velas
A poesia é o raio azul iridiscente
Que tomba no oceano azul
ou marca o céu a voar
rota de um supersónico
que nos leva a qualquer lugar

A poesia é orgasmo, magia
Que nos eleva a alma
E a noite escura transforma
fazendo romper o dia.

A poesia és tu e eu
Num frente a frente constante
Mesmo que não presente
Uma sombra não obstante
que  dou à forma que sonho
a de um cavaleiro andante.





28 março 2011

Formas


Médicos conseguiram apontar o que seria mais uma referência ao
órgão feita pelo pintor: dessa vez, no painel “A Criação de Adão”
E contudo move-se a mão imprecisa
Num caminhar sem sentido
Quantas vezes ferida e calada
A mão desse ser perdido
Que estende agora um a um
todos os  dedos da mão
Agitando-os em surdina
 no  centro  da escuridão
um cego de olhar parado
Bicho mau e sem sentido
Encerrado na caverna
E de todos foragido
Leva a tua mão ao rosto
Rasga a máscara empedernida
Tenta por uma única vez
Dar algum sentido à vida

22 março 2011

Eu sou a outra


Eu sou eternamente a outra
A senhora que de mim não sou
Sou aquela que deixou de o ser
Sou a eterna e insatisfeita
Amante
Aquela a quem fazes sofrer
Eu sou a outra para quem
A eternidade
Se fará cumprir num tempo
A que te espera para lá da vida e da morte
A que pensa em ti a todo  o momento
Eu sou a outra a quem tu ignoras
A quem compraste o passaporte
A quem tu um dia deste vida
A quem feriste de morte.
Eu sou aquela  que condenaste
Ao degredo
Sempre a buscar , sempre à procura
Da magia, do sortilégio, do segredo
Eternamente serei sempre
A outra, aquela e nunca  eu
Porque alma não possuo
Tudo o que tenho é teu.


21 março 2011

Dunas


Há um imenso areal feito de linho lavrado
Linho tantas vezes fustigado
A fazer ondas que se espraiam nos limites
Do meu olhar tão cansado
Diz-me esta memória breve
Já de si tão esbatida, que me lembro
Tão fugaz do momento da partida
Aquele momento que se evola
Que se mistura também
Com o cheiro de caril que daquela duna vem.
E nesta volúpia feita brisa
Que  o meu corpo reconhece
Sinto ainda  este torpor
Que no meu corpo amanhece.

Clair de lune



Minha lua gigante
Que prometeste que vinhas
E ainda estás tão distante
Vem….
Vem buscar-me e pelo caminho
Deixa aceso na viela
Aquele velho lampião
Que me tem guiado a alma
Em noites de solidão.
Minha lua gigante
Testemunha dos meus sonhos
Promete-me a luz divina
Que me não deixe resvalar
E cair numa ravina
Onde dorme toda a noite
Uma ave de rapina
Minha lua gigante
Vai dizer à cotovia
Que cante a noite inteira
Até começar o dia.
Minha lua gigante
vai dizer ao rouxinol
Que o espero na janela
até ao nascer do sol,
Junto à sebe de jasmim
Só ele sabe aquele segredo
Guardado dentro de mim.





16 março 2011

Asas


Faço do silêncio a minha alma
E com ela vou voando só.

Par de asas solitário
Abertas ao infinito.
Onde apenas ecoa
O som da  voz
Em grito

Pairo sobre ti.
Ao longe
Com tanto espaço
Quanta saudade
Sobra.
Quanto cresce 
este cansaço.

15 março 2011

Do Tempo, da Memória e do Amor


Vênus e Adônis, de Pieter Pauwel Rubens (1610)
O Tempo é um  anjo com longas asas; guias que  vão envolvendo, mais e mais, apertando sobre ti uma a uma as penas brancas do destino.
A Memória é  um imenso sol que te abrasa, deixando-te cego por vezes sem conseguires caminhar, por não saberes onde estás. Eis que quase tudo esqueces e sufocas julgando que não tens mais tempo.
Quando escrevo Liberdade, reinscrevo o Tempo e a Memória através de uma misteriosa criação da poesia, uso-a como se fosse luz e cor, ultrapasso a existência, porque só a poesia procede do caos redentor.
E do Amor? Falta nascer a palavra que descreva este sortilégio, alquimia , transmutação do sentir. Quando eu deixo de existir para te dar  à luz azul do céu, e te gravo  no meu coração sob a forma de rosa sem espinhos, elevo-te  ò flor suprema entre as flores, depois de sentires o meu beijo como Cipris, cumpro o desígnio que também outros cumpriram, honrando-lhes no Tempo a Memória de todas as coisas e todos os nomes.
No teu beijo há brevidade do orvalho, logo que foi dissipado o desejo, ou deveria escrever saciado, nasceu esta desconhecida flor sujeita ao levantar do dia ou, ao cair da noite; esmorece  nas fragas dos montes quando a fonte seca e se cala. Ondula ao vento,  crispada pela ausência da doce brisa que fugiu. Mas continua a resistir solitária porque se transmutou em Amor.
Há um sino a fustigar ao longe, por muito tempo ainda a casa da Memória. Por cima do voo pintado das andorinhas, que chegam para anunciar os ecos do calor do teu corpo no meu, crónica de um verão anunciado, onde os nossos dias foram imortais , apesar do Tempo já ter passado através deles e restar agora (apenas) o meu Amor por ti de novo tornam a mim todos os beijos que não te dei. Guardo-os como  fio dourado, de Ariadne dona e senhora (deles) e perco-me  a inventar novas almas, pois que para isso não preciso do vil metal que  tudo corrompe e escraviza.

10 março 2011

Dukka Dois



Céu de Baltimore- W.Turner
Hoje fizeste-me sorrir quando te vislumbrei através da bruma azulada.
Existem momentos em que te imagino corcel branco de pelo macio, outros momentos  em que és corcel de pelo negro luzidio; apetece-me subir em ti  e cavalgar até ao infinito, a partir da orla da praia, acompanhar em paralelo  as falésias  que descem  abruptas sobre o Atlântico em miríades  de azul . Uma corrida desenfreada , espécie de fim em delírio que acaba apenas  com o rendilhado delicado de uma onda mais atrevida que connosco vem ter.
Tem ainda outros momentos em que te imagino pantera de olhar verde esmeralda, gema gigantesca ,preciosa, animalesca, fugidio animal que acaba deitado  e enroscado  à minha beira, brincando como um gato, falsamente submisso.
Ontem imaginei-te  um deserto de areia macia, dunas suaves ondulando como véus ao sabor do vento brincalhão. Um oásis  fez-me  recordar  as tâmaras maduras e o vasos  de barro  negro ,  água fresca que nos mata aquela  sede imensa que  gretava a pele fina dos teus lábios.
Isto quando eras um tuaregue a viajar no deserto.
Também te imagino melodia, arrancada dos finos dedos  de um violinista, daqueles que nasceram com o dom de nos fazer sentir a magia das cordas tocadas com mestria. Podes ser arco, corda, caixa de ressonância, toco-te com delicadeza , ressoas e vibras do jeito que eu gosto. Correspondes por inteiro, como se também fosses o teclado de um piano, eis-me a tocar-te a sentir, muito para além do fino marfim com que és feito.
E as noites parisienses , do Gary Moore, também aí consigo imaginar que és tu a vaguear entre a pauta e a nota que cai nela com a precisão que a força do destino ditou ser assim. Lembras que a determinado momento ressoa, ecoa e sobre em crescendo atingindo um clímax? Essa é a nossa forma de prazer também; a pintura, a música, a escultura – mesmo que seja o frio mármore que retrata a Pietá ou a Vénus, é dentro do Belo que te imagino, é na Poesia que te gero e dou-te à luz quando colho a primeira flor da primavera, mesmo singela e branca, a nascer sobre o relvado, revejo-te nela.
Se olho para cima , na copa das árvores que em breve irá florescer, vejo os primeiros botões a abrirem-se docemente, sorrio porque é neles que te quero ver.
Se olho o imenso oceano, até ao limite onde consigo  imaginar o seu fim, vejo o ondular das ondas, e lá estás tu a cavalgar uma delas, uma silhueta esguia e negra ao vento, num sobe e desce conforme o momento.
Estou na praia à tua espera, lembra-te sempre ... foi lá que me deixaste perdida.
Com mais um pequeno esforço , pondo as mãos em concha sobre os olhos consigo ver um tridente feito de prata lá ao longe, perdido no areal. Continuarei a caminhar para lá a vida inteira, um dia vou conseguir desenterrá-lo, tal como a espada de um certo rei de eras passadas.
E na pequenina onda que fez um sshhhhhh, um barulho refrescante ,  subiu e desceu os seixos da praia e deixou  um rasto borbulhante, ondulou, rodou a poça de água, sorriu aos caranguejos, ouriços do mar e disse-lhes que ia voltar. Também a aí te consigo imaginar.
Vejo-te nas nuvens brancas, de algodão hidrófilo, e nas outras, as de cor plúmbea que costumam carregar o céu.
Em tantos outros lugares, cores, formas animais, fecho os meus olhos e vejo-te sempre mais e mais.
E tu como me vês a mim? Dizes-me? Pode ser baixinho assim……………

Saudade


Tu sabes que vieste despertar-me
Desta letargia em que me encontro
já não sei há quanto tempo escureceu
já passaram tantas noites
e continuo só eu..
Havia uma madrugada clara
Em que sonhei que o sol
beijava a vida
eu andava embriagada
e em  luxúria perdida
O sol adormeceu lá longe
E eu queria tanto esse dourado
Esse raio que coloria a minha vida
Agora sou eu só
A eternamente perdida.

09 março 2011


 

Edgar Degas : Bailarinas em azul (1890)

Quando te leio
sou aquela  borboleta colorida
Sempre em leve esvoaçar.
Pelos versos teus que me dão vida
E me deixam viajar
entre a folhagem do bosque
em tons de  verde  vestida.
Dentro de mim ecoa
uma música melodiosa
que me faz bater as asas
de uma forma harmoniosa.
Sonho que pouso leve nos teus lábios
E deles faço colmeia
Sonho que és D.Quixote
E eu a tua Dulcineia.
E nos beijos que te dou
Os de néctar perfumado
Encerram todo o meu esforço
De um viver tão apressado.




05 março 2011

Sonho


 

Gustave Courbet: Woman with a Parrot.

Quando estendo os meus dedos
Por cima do linho branco,
E teço com gestos lentos
Desenhos imaginados
Inconfessados segredos
Que não revelo a ninguém
Limito-me a mergulhar
O meu rosto no teu rasto
Que acabei de perder
Perdendo-me a mim também
Por não saber esquecer.
E fecho os olhos à vida
Deixando que o sono sonhe
Esta vontade perdida
De para ti ser alguém.

03 março 2011

Areais


Winslow Homer (1836-1910)

E vieste tu oceano
Com asas de maresia
Levaste nessa maré
Os pedaços de poesia
Fiquei eu só no areal
A contar os grãos de areia
Já que palavras não tinha
Nem contos para inventar
Já só me restam as ondas
Para nelas me embalar.