27 abril 2011

O meu nome é NINGUÉM


Imagem retirada  de http://pistasdemimmesmo.blogspot.com

Tudo é tão relativo, relativamente e em relação a coisa nenhuma. Tudo é mutável e a nossa raiz é transitória e leva-nos à destruição.
Eis-me consciente, lúcida e a saber-me mortal.  A Terra é uma imensa bola de fogo, como de fogo é a alma que me habita.
Somente o que arde está vivo e nessa ardência vai-se consumindo e deixando um rasto de luz que alumia a escuridão. Lamento a cegueira existente- a do espirito.  Citando Pascal : “ Donde vem que um coxo não nos irrita, e que um espirito coxo nos irrite? A causa é esta: Um coxo reconhece que nós andamos direitos, e um espirito coxo diz que somos nós que coxeamos; se assim não fosse, teríamos pena dele , e não cólera.”.
Haverá maior prazer que o prazer estético, onde estão contempladas as formas mais nobres, o deleite sem delírio, a contemplação do belo e do sublime e com isto chego à poesia , que é o perfume do sentir. E o poema ergue-se do nada, para lá da História e da Literatura, o poema tem o direito de agredir, de colidir, de chocar connosco porque pelo poema se exprime a voz da nossa consciência , eis que arde magnifica e soberano de si mesmo e para si  próprio. È com o poema que me reinvento e me revelo, transcendo-me e apaziguo esta estranha inquietação que arde em mim.
Há muito tempo atrás conheci um estranho viajante que se buscava a si próprio  pelos caminhos do mundo. Pobre ser,  de tão cego e coxo, não via que estava já paralisado e se arrastava penosamente alimentando-se do fogo fátuo, da combustão de outros corpos . tal vampiro sequioso de sangue, este viajante ávido de luz nunca a soube buscar na quietude , na calma e na escuridão, dentro de si. 
Algures deve andar por aí a viajar e o seu nome é NINGUÉM. A nossa existência é semeada de contrastes, somente da treva nasce a luz; é urgente que se saiba viver na escuridão para que ao amanhecer um raio de conhecimento entre na nossa janela da alma e nos ilumine. Aqui ou nos antípodas, a poesia será apenas uma: saber olhar a flor pequena que nasce na berma do caminho empoeirado, passar-lhe o dedo devagar, limpá-la e libertá-la do pó que os viajantes mundanos levantam ao passar.

26 abril 2011

O Pêndulo


Dizia Camilo que a poesia não tem presente: ou é esperança ou é saudade.
Neste meio termo entre uma e outra oscila a alma como um pêndulo.
Tudo mais é mistério porque o presente não existe. Há quem lhe chame momento
Há quem lhe chame tormento.
Há quem lhe chame esquecimento
E o pêndulo oscila certeiro num tic-tac  entre a esperança e a saudade
Entre a ilusão e a realidade
Entre o nascer e o morrer
Entre  a  infância e a velhice
Quando já morreu a esperança
Quando só resta a saudade.

O nome de todas as coisas.


Júpiter e Mnemosine
  Marco Liberi (Veneza, c. 1644 - desp. 1691), pintor italiano activo durante o período do Barroco tardio.

Todas as coisas são grandes no mundo inteiro e fora dele.
Em cada coisa nomeada existe o som e o tempo e a força  de tudo o que acredito.
Só assim existo através do nome de todas as coisas.
E navego no barco de longas velas enfunadas ao vento , e , porque também o vento se chama de coisa, ora medonha ora suave
Porquê chamar o que não tem nome, o que não o é, nem nunca o foi? Apesar de todas as coisas terem um nome.
Esta  necessidade imperiosa de chamar nomes ás coisas; às coisas que não o são que nunca o foram, que nem chegaram a ser.
Quantifico-te, coisifico-te, garanto-te assim a tua existência no mundo inteiro através de mim.
Tu não existes se eu não te nomear! Nem tão pouco és coisa do meu pensamento. Tu não és!
Eu sou!  Sou rio, sou a vida que sozinha enche o meu mundo e dá sentido ao cantar das aves ao risos das crianças, ao sofrimento dos homens; sou eu que detenho o poder de estancar a gota de chuva que cairia certeira no chão não fosse o meu gesto de te chamar gota e  de te estender a minha mão e, então, tu cais suave  e eu nomeio-te pelo nome de todas as coisas, gota de cristal.
E o mundo inteiro nasceu assim de uma gota que  inventei. Uma gota, duas gotas que se tocam e geram o inteiro universo, teu e meu. Daí em diante todas as coisas foram grandes no mundo inteiro; fora dele o foram quando te chamei de meu e aprendi a amar-te fora de mim.

22 abril 2011

Mimetismo


Há uma falsa mansidão  em mim. Não te iludas quando me sentes assim quieta. No instante  seguinte posso acordar do torpor, aparente letargia com que te engano e  me tento enganar a mim também.
Já olhaste bem dentro dos meus olhos? Estranhas águas quase rasantes  ocultas à sombra dos choupos. Quase que se escondem para que não sejam olhadas por estranhos; incautos que desbravam sem dó  a essência do que está por descobrir.
E o meu olhar é nascente de um rio. Quase seca.
São as mil chuvas de Abril  que lhe emprestam ainda alguma seiva. Em poucas horas florescem  narcisos e violetas selvagens. Na encosta os pés de morangueiro já não tem tempo de transformar a flor em fruto. Há urgência na natureza deste corpo  entorpecido. Contra-senso; máscara?
Não queiras saber que rios subterrâneos me correm debaixo da pele  morena. Há uma espécie de frémito, quase imperceptível, nem tu dás por isso. Sou eu apenas o refúgio de mim mesma. Estranho viajante sem saberes os perigos que te esperam  aportas à ilha, desembarcas descuidado esquecendo que todo o crime tem castigo ; secaste  os rio dos meus olhos. Resta-me  o imenso deserto e todo este torpor com que aparento ser quieta. Não te movas… não me faças mover…fica…estático, como quem jaz . Espera que  o horizonte te venha buscar, é lá por esses lados que existe ainda um oásis chamado a terra dos meus sonhos. Lá voltarei a ter pedaços de mar escorrendo-me na face e o sal nos meus lábios purificará de novo a existência dos que acreditam , dos que tem fé. De novo receberás o baptismo e serás ungido. E o sonho não terá fim.

20 abril 2011

Um par de asas cor de arco-íris



Hoje acordei perdida, farta de tudo e de todos. Nada me motiva. Ponho-me a inventar desculpas para não fazer mesmo nada! O que eu queria era ser pássaro. Ando com esta obsessão há tanto tempo que decidi ir à procura de umas asas.
Mas e quero ser pássaro porquê? Assim podia entrar pela tua janela dentro, e tu ficarias encantado, porque os pássaros não entram pelas janelas dentro. É isso que os torna fascinantes. Andamos sempre à procura de pássaros assim. Só gostamos do que não pudemos ter. Esta eterna mania do ser humano de querer ser pássaro. Um dia vou inventar um lindo par de asas cor de arco íris. Agora que olho mais atentamente ,vejo que tenho um par de pernas que acabam em estranhas plataformas que me levam a caminhar, mas continua a não me apetecer caminhar assim sozinha. Se tu também quisesses entrar pela minha janela aberta voaríamos juntos para abraçar o sol. Achas que nos queimava? Não creio! Queima-me muito mais esta ânsia de ter asas cor de arco-íris e poder entrar pela tua janela dentro.
Mas tu não deixas!
Vá lá….estende a tua mão e deixa-me tocar-te, comer as migalhas do teu pequeno-almoço, as sobras do que já não queres! Mesmo assim já ficava saciada. Eu continuo a achar que peço tão pouco!
Há por aí uns seres humanos que querem o mundo inteiro só para eles! Eu …bem eu..só te queria a ti. Mas para isso tenho de ser pássaro com asas cor de arco-íris.  E foi por isso que acordei chateada, tenho fome das tuas migalhas do pequeno-almoço.

18 abril 2011

Carta a um pássaro com penas cor de prata


Se eu tivesse que escrever sobre ti, as palavras seriam escassas porque te busco ainda em cada amanhecer.
Sabes que te vejo no voo de toda e de cada ave que pousa perto.
Sorrio quando és raio de sol.
Espero-te quando a lua dança empoleirada lá do alto azul celeste .
Nada me sacia a não ser o antes de ti, porque o depois de nós não acontece e continuo na ânsia de te poder tocar.
És  ave noctívaga – cotovia que me sobressalta pela noite fora. Procuro-te.
 Escondido que estás na copa da árvore mais alta.
O sol não tarda a acordar vindo da bruma que sobe do rio. Há no verde da folhagem nova  um rouxinol atrevido que me está a chamar.
Estendo a mão e quero voar mas estou aprisionada, tenho estas grades feitas palavras aqui entre nós.
Hoje o dia nasceu cor de cinza , o sol esqueceu de brilhar, há um imenso caudal de prata embaciada lá em baixo no vale a chamar por mim.
Pedes-me que escreva sobre ti. Queres que te conte  da alegria , da dor e da graça? Do turbilhão do tempo a desfazer o meu corpo.
Amanhã  vou ser pó no chão do caminho de alguém que caminhará como eu à procura de asas de anjo.
E  meu coração é  feito de linho, sovado e batido. Sabes…só queria que me desses a mão e pudéssemos caminhar juntos até ao fim do horizonte.

16 abril 2011

So tonight that might see


Tem noites em que se morre depressa, muito mais do que nos dias em que se espera pela morte e ela vem devagar.
De dia custa mais a morrer porque existe o sol a brilhar, mas nessas noites onde se morre rápido, noites onde o abraço desejado tarda em chegar, onde a cama se transforma num palco que nos aprisiona, ah sim nessas noites morre-se conforme avança a roda do tempo. Nessas noites ama-se mais a morte do que a própria vida, e porque a morte já nos levou pedaços de nós.
Quando a tua boca é um poço sem fundo, onde não germina o fogo, onde não se vê o brilho das estrelas, morre-se depressa olhando os teus olhos deitados na treva que nos cobre a ambos. E o sono não desce, não me mata este acordar que tem por companhia o pêndulo que oscila entre o dia e a noite.
Algures surge da treva o leve esvoaçar da cortina branca, como se fossem asas brancas que me chamam e a quem eu digo para esperarem, talvez a morte não me leve ainda por inteiro e me deixe um sopro de vida. O necessário para voltar a renascer com o amanhecer. Resta possivelmente o suspiro interior. A espera pausada a saber que dou por mim devagar nesta morte da vida. Afinal amo aquilo que não tenho, será isto a que chamam amar?
E porque não desceu a tua mão sobre as colinas ensombradas, porque não passou como ave no vale  escuro, na gruta onde brotava água que nos mataria a sede?
E o teu rosto , que me diz o teu rosto a não ser o mote para seres parte de poema, explosão de um acto solitário, talvez a poesia seja a masturbação do espírito, talvez procure na treva o motivo que me leve a ter prazer desta forma, morrendo-me eu amiúde sempre que te desejo e invento o desejo a sós, olhando as asas brancas a ondularem sobre mim, um convite mudo, o chamamento. Sempre a lembrar que acabei de morrer no passado do verbo. Morri ontem, morri hoje, morro aqui. Tem noites em que se morre depressa, muito mais nos dias em que se espera pela morte e ela vem devagar.

10 abril 2011

Oração

Pintura de Gustave Courbet
Aprende com tudo o que te rodeia
Vê na Primavera mais uma estação de renovação
Ouve o silêncio que fica quando as aves se calam
Apenas para que tu também possas cantar
Dentro de ti , do teu coração.
Vê no verde renascido o sinal da esperança
Pensa, medita, ousa alcançar
O motivo pelo qual tenhas nascido.
E no sol sente o calor, a carícia
O amor, daquele que por ti morreu
Um Cristo redentor.
Lá mais para a tarde, continua a observar
E vê de novo, o dia à noite a dar lugar
Um ocaso especial para que ajoelhes
E de novo medites sob a luz pura
De novo Ele te enviou da treva
A luz do luar.
Acredita nele, só pela Fé te poderás salvar.
E que a Graça te possa tocar.

05 abril 2011

Sobre as palavras


Também às vezes tudo me parece fugir. Nada faz sentido, nada me preenche , nada me satisfaz. É nesses momentos que te procuro, que vou beber em ti , na força do teu pensamento, como se uma nascente  de  água  brotasse de ti .
Imagino que o teu toque é doce e tranquilo, o teu olhar uma janela aberta para novos mundos , a que tu me conduzes, de mão dada. Essa mão quando me toca  faz com que sinta o teu calor a enlear-se  ao meu redor. E a energia flui devagar, inebriando-me os sentidos.
Eis que sem dar por isso , de novo surge a palavra com que tanto te quero descrever:
Sonho com alvos lençóis de linho fresco e puro, uma cama  de ferro fundido  na forja do mestre alquimista.
Sonho com o aroma da cómoda de cerejeira  e  um esguio solitário que nele suporta  um cacho de lilazes . Um  soalho de madeira de  tábua corrida encerada , uma mistura provocadora de cera e cheiro de flores de primavera.
Há uma janela velada pela cortina transparente que dança com a brisa.
Há em cima da cómoda, uma moldura com dois grifos entrelaçados ao  vidro que tenta esconder com pudor o  retracto de um fantasma  que teima em não me deixar fechar os olhos, - continua a seguir –me sem dó nem piedade , até ao dia do meu fim.
É aqui que de novo me faltam as palavras. É aqui que desconstruo o meu sonho!
Vêm por favor, dá-me a tua mão e ajuda-me a  transpor este universo; existem outros mundos , outras galáxias, onde existe uma cama de ferro fundido, lençóis de linho e aroma de lilazes, leva-me através da janela aberta sem  medo  de voar  rumo ao desejo. Escreve-me devagar, letra a letra,  sente o sentido em cada gesto de as escrever, sente que em mim há o desejo de te sentir, através dessa janela da alma que juntos construímos, para lá do quarto com soalho de madeira encerada, do solitário que suporta a flor de liláz. Anda vem ,  procuremos juntos a sebe de jasmim do meu sonho, e porque amanhã é primavera, sejamos nós as primeiras andorinhas a chegar ao beiral por cima da janela aberta.

Cegueira


Faço tudo a pensar em ti
E não sei se adianta pensar
Pensando eu que não devia
Nem sequer para ti olhar
Mas como olhando te penso
E pensando te vou vendo
Não adianta pensar
Que sei , que de te olhar
Fico cega, uma cegueira
Tão estranha,  este modo de te amar
Em que sou  o pior dos cegos
Aquele que não quer vislumbrar.
E perco-me no pensamento
Sem saber o que pensar
Estranha forma de vida
Com que me deixo encantar
E a sonhar vivo  assim, cega
Sem nunca te poder olhar.