12 maio 2015

O Caminho de Luang Prabang



Faltou a coragem quando pensei em telefonar-te. Continuo  a seguir-te os passos, através do mapa, nessa longínqua  Luang Prabang; tu rodeado de  templos com telhados dourados  por entre monges que caminham em procissão pela cidade a pedir esmola, tu desse lado do mundo a fazeres o teu caminho - e eu aqui, deste lado, onde parece que nada se move.
Coloquei no forro da tua mala uma fotografia  - assim não me esquecerás.Mas sinto que estás cada vez mais distante de mim, nessa busca desesperada de um retorno ao teu Eu. Aborreço-me sem ti por perto, e, das rotinas que tinha, vou-me desprendendo sem dar por isso: também já não consigo ler, ardem-me os olhos e acabo por me abandonar a mim e aos os livros num qualquer lugar.
Resolvo  ficar imóvel, de olhos vazios, a  tentar fixar  o olhar num  ponto  na parede sem cor- talvez uma mosca, um mosquito ou outro insecto que ali poisou.
Em vão.
Teimoso o olhar desvia-se e fica parado no rosto aprisionado na moldura; o resto é a casa vazia e ,ao mesmo tempo,  tão cheia de recordações. Lá fora o sol persiste em queimar o viço da erva que cresce desalmada nos canteiros.

Sei que um dia irás regressar ao lugar onde nasceste mas já não serás o mesmo. Pela ordem natural das coisas estarei lá, presente nesse lugar, esse será  então o momento onde te poderei finalmente  reencontrar, onde conseguirei então descansar. Nós dois à sombra do velho cipreste que recorta o céu azul . Quem sabe se  poderei então abraçar a velha árvore e sentir no  tronco o pulsar do teu coração. Enquanto assim não é  aponto no mapa, com o dedo esticado, os caminhos por onde andas. Enquanto isso há a luz de Luang Prabang  a primeira das virtudes de Luang Prabang para saudar os viajantes.Vejo os  Frangipanis perolados com seu perfume inebriante- a flor símbolo do Laos -,  os bancos de madeira salpicados  de outras flores vermelhas que se desprendem das árvores e os monges e noviços  com as suas vestes cor de  sienna queimado ou ainda outros  cobertos de ouro resplandecente. E tu, sempre tu sentado numa qualquer esplanada sorvendo o ar e o  cheiro de café fresco, a espiar a   actividade no rio, a passeares-te no colorido mercado de produtos e comida picante e no instante seguinte espraiares o olhar no horizonte rodeado por montanhas  acima do nível do mar, na confluência dos rios Nam Khan   Mekong. 
Luang Prabang é agora o teu paraíso e eu não estou lá.

(c) Maria João Nunes

11 maio 2015

EXÍLIO



Sigo-te à distância, através do caminho místico da cidade. Trazes em ti lugares desconhecidos: cidades pinceladas a lápis-lazúli, rios banhados a ouro  e luares de prata cinzelada pelo melhor ourives do Universo. É por isso que te sigo, porque me deixas maravilhada como se tivesses acabado de chegar  de um conto das mil e uma noites. Porque brilhas como sete sóis.
Cheguei  fora de horas  num tempo que já não me pertencia - em que tu já não me pertences - e por mais que persista em guardar-te na memória - esta vai-se cobrindo com  véus tecidos por Lethe. É certo que resisto,  mergulho devagar,  sinto que me afundo mais e mais a cada noite que se esvai no calendário dos homens. Acabarei exilada. Vislumbro-te por entre a cortina de bruma que paira sobre a cidade. Imagino-te a cada manhã, piscando os olhos sob a luz abrupta, recomeçando uma e outra vez numa luta constante, a desviar a cortina do desejo para deixar entrar a claridade nua: a luz da realidade com que te vestes e caminhas nas artérias da urbe . Este meu esforço de rememoração confunde-se com a pesquisa do verdadeiro. Afinal , saber não é outra coisa senão lembrar-me. Não me quero esquecer das noites incendiadas nem das madrugadas com céu cor de meloa madura que me traziam no ar o teu cheiro a saber a sal e exaustos, cansados,nos corpos arqueados em espasmos de volúpia amadurecida. Era o tempo da descoberta, da entrada nos jardins do Éden. 
Resta-me perseguir-te os passos no caminho de basalto negro e branco, como se fosse a cidade inteira um imenso templo de alquimias escondidas. Exilada de mim e de ti.

08 maio 2015

PRIMAVERA ( Acho que regressei)



Céu, magnífico azul
traçando o perfil das paredes caiadas
evocam a cor dos anjos
voando no cimo das latadas.
Perfume de primavera
incontáveis flores de todas as cores
rosas, sangue de Cristo
singelas as azedas amarelas.
é a primavera que nasce assim florida
de novo a seiva brota em hino à Vida.
E o ar que tu respiras volta a ter gosto
e som de maravilhas.
Vaidosos são os campos a perder de vista
os arrozais vestidos de esperança
gorjeiam pelo ar as avezinhas
e treinam sorrisos de criança.


Maria João Nunes