20 junho 2008
Sobre o MEDO
E porque me recuso a ondular ao vento, como um papagaio de papel, amo, rio. choro e sofro mas sempre com o olhar posto no CAMINHO que se faz caminhando.
"Havia um imperador que tinha sempre presente a fragilidade de todas as coisas, para impedir-se de atribuir-lhes excessiva importância e poder manter-se em paz com elas.
Eu acho que pelo contrário tudo tem demasiada importância para que possa ser tão fugidio; por isso procuro atribuir a eternidade à mínima coisa.
Serão acaso de lançar ao mar os bálsamos mais preciosos? A minha maior satisfação é que tudo o que foi é eterno, e que o mar o devolve à praia.
Nietzsche, Vontade de Poder, III
Lamento
Engulo este meu lamento,
Oculto o meu choro
A esconder o sentimento
Em que me condeno e morro
Um pouco a cada momento,
Bebo a morte, no cálice da vida
Eternamente imobilizada a seus pés
Espero a hora de dizer adeus
Na lápide da despedida
Finjo não ter nada a dizer
Agonizo, mantendo-me muda e fria
Antes que seja obrigada a ver
a clara verdade como dia
Imploro ao tempo o desfazer
do erro que tem sido minha agonia
interrogo os anjos que me estão a olhar
Porque me fadaram nesta ironia
Não posso ficar presa ao passado
Mas difícil tem sido calar a memória
Quisera eu esquecer o dia amaldiçoado
Em que o marquei para a minha história
Continuando um caminhar magoado
Já que me puseste o selo do impossível
Não olhes para trás, não me venhas cantar
Após o meu corpo ir a sepultar
Já que odeio despedidas,
Não me pretendo alongar
Não costumo chorar as palavras perdidas
Vou, aos poucos, deixando o canto cessar
Calem-se as falas esquecidas
E os suspiros que o vento quiser levar
Se essa memória insistir em permanecer
Comigo há de envelhecer até ao momento de morrer
Ferida que nunca cicatriza
Não me liberta, não me dá sossego
Que tipo de criatura se inferniza
Com um amor que nunca lhe deu aconchego?
Apenas a dor a cada dia o eterniza
e, assim quanto mais perto da morte, eu chego
Pior o vazio da vida que nem o silêncio suaviza
Horas de queimar memórias
Já não preciso para lembrar de ti
Liberto a paixão que já senti
De tantos sonhos quebrados,
Ergui minhas asas e renasci
Manterei a minha boca fechada
Para que a alma fique sossegada
Que seja, adeus!
Ah, que falta me fará
O brilho destes olhos teus!
Em minha alma sempre estarás
Ver-te-ei de novo, em sonhos meus
01 junho 2008
Encontros e desencontros
Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!
Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.
Fernando Pessoa, 2-8-1933.