19 junho 2014

Eu sou o anjo de pedra, a estátua pintada de cal
eu sou a miragem no branco areal.
Eu sou a lembrança do bem e do mal.
Sou a vela solta, no barco à deriva.
Cavalo alado, de asa ferida.
Eu sou a que não sou
a que nunca parte, a que nunca amou.
Sou o fantasma a deambular
eu sou cloreto de sal
sou o branco marfim
sou a dor, sou a memória
de tudo o que não tem fim.

@Maria João Nunes  

29 abril 2014

Neste longe se cumpre o presente
neste caminhar sem retrocesso
como se a vida fosse assim feita de partidas
estranha ilusão humana
a vida é feita sempre de despedidas
entre o ontem e o amanhã
na projecção do destino
ontem foste a sombra do homem
que começou a sonhar
voltar um dia a ser menino.
entre a certidão de nascimento
e a certidão de um óbito
um sopro de vendaval, um verão
uma primavera, um outono
e uma folha amarela
a tua alma a cair, a cair
numa fenda do destino
por onde se vai o inverno
e tu, espiral, ainda projecto de homem
todo tu em desatino.


Maria João Nunes
 

20 março 2014

Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea - Entre o Sonho e o Sono.

É com o maior prazer que a Chiado Editora e eu, como co-autora, convidamos a estarem presentes no lançamento do V volume da Antologia de Poesia Portuguesa Contemporânea "Entre o Sono e o Sonho" -  já no próximo Sábado, dia 22, pelas 16 horas no Casino Estoril - com prefácio do Professor Guilherme D´Oliveira Martins, Ex Ministro da Educação, das Finanças, da Presidência, e actual Presidente do Tribunal de Contas e do Centro Nacional de Cultura.
Tantos São Os Gestos Avulsos

O meu obrigada à Carmo Vasconcelos e Henrique Lacerda Ramalho pela inclusão de um poema de minha autoria na FÉNIX - LOGOS N.ª 7

02 janeiro 2014

Ano Novo, VIDA NOVA




Não sou gato, não tenho vida de gato selvagem, doméstico nem as ditas sete vidas.
Também não tenho vida de cão, dos de luxo e se assim fosse, mal comparada, seria um daqueles que deabulam e a quem atiram um ossito para roer- vai-te contentando malfadado ainda tens muita sorte em estares vivo - diriam, talvez.
Daí que levo a vida a pelejar contra moinhos de vento sem ser D.Quixote de La Mancha.
Eu gostava mesmo era de ser ave, dessas do paraíso para poder encantar.
Ando espantada da vida e esta não me quer brindar com dias de sol para me aquecerem a alma.
Agostinho da Silva às páginas tantas escreve "que sofrer é um direito de primogenitura e não o podemos trocar por nenhum prato de lentilhas". Mais dizia nas suas Sete Cartas a Um Jovem Filósofo "que a dor só é fecunda quando a amamos, quando a vemos como indispensável à escultura que se está fazendo na nossa alma", parece-me que o estou a ouvir naquela sua voz tão familiar.
Ora assim sendo quer-me parecer que estou a ficar anquilosada e cheia de artroses, a minha alma está , mal comparada, a enormes pedaços de estalactites e estalagmites. Pois então. De tanto amar. Que mau serviço ando prestando a mim mesma; escultura inestética e sem beleza esta.
Se assim penso e assim sinto, e se só se existe quando se sente, está então na altura de trabalhar o caminho, e pelo muito que já me doem estas calcificações deverei fazer algo de forma a contribuir para a leveza sustentável deste ser.
Devorei alguma literatura esperando encontrar nela acalmia para o meu caso clinico. Trata-se verdadeiramente de uma patologia da alma e que deu azo, muitas vezes,a situações em que a comédia e a tragédia se cruzassem no meu percurso.
Declaro que persegui fantasmas transfomando-me eu própria num; sempre a espreitar pelas vielas e esquinas, a olhar de soslaio e como se fora eu um caçador furtivo à procura da presa invisível.
Tal busca redundou em nada porque a presa apenas existia no meu pensamento: inventei por inteiro o objecto amado; não desejo ser uma réplica de Sóror Mariana e resvalar na couraça da indiferença de um qualquer idiota que não merece mais do que o mesmo tratamento - o mesmo com que me trata.
Quero agora reformular o modelo e entreter-me pacificamente a gastar a única vida que Deus me deu. De uma vez por todas deixar de erguer altares a ídolos com pés de barro.No coração um fogo silencioso  crepita calmo e sem arroubos, estes ùltimos que futuramentenão permitirei.
Devagar, atenta expulsarei de mim o demónio que tu és.