30 novembro 2009

Coimbra

Toco-te , assim
Com as minhas mãos
Nesse líquen avermelhado
Testemunho do teu sangue
Ali, eternamente derramado.

Percorro-te, entre os verdes
Que te choram
Alamedas ensombradas
Minha quinta de lágrimas,
Em altar idolatradas.


Meu bosque de árvores
Centenárias
Guardas em ti
O mistério eterno
Máscara de traição e amor
Olhando o rio que corre
A ultima cidade do Norte
Para sempre serás lembrada
Como um cenário de dor.

Manhãs e tardes de Domingo

São tristes as manhãs,
feitas de domingos solitários
os pássaros debicam lá fora
e trazem um canto fugaz e aguçado
São tristes as tardes
feitas de névoa e silêncio amargurado
as persianas descem vorazes
sobre a mesa vestida de branco
rendada e vazia, jaz uma jarra
sem o perfume dos lilazes,
nesta solidão sonolenta
de vida apenas cinzenta.
No olhar, mais do que céus
lagos profundos, procurando os teus
E a vida dorme, adormecida
e eu fecho às vezes as mãos
fecho-as em vão
geladas, sem sol quente do verão
Ninguém profundamente me conhece
nem talvez a alguém interesse.
Bastam-me as cotovias
no meu silêncio
e a dor já não me dói, já não a sinto.
Branco rosário de contas de lithium.

27 novembro 2009

O livre arbitrio

O livre arbítrio (a propósito da aula de História Medieval Portuguesa do Prof. Varandas)

Vocês sabem o que é o livre arbítrio? É a capacidade de dizer ( entre outras coisas )que não acreditam em Deus. Mas depois surge a interrogação: - e se o paraíso existe?
E o que eu tenho estado a perder? O paraíso são prados verdejantes, a gente toda vestida de branco, numa plenitude, não há barulhos, mas também não há comezainas!!
E depois? Se eu for para lá , também não há actos de procriação e não havendo actos de procriação , que se lixe o paraíso!

Era nisto que eu pensava antes de conseguir um pouco de concentração para escrever sobre a Noite; sentia-a como um negro animal de olhos húmidos e brilhantes, avançando devagar. Ocupava pouco mais de uma sala de escassos metros quadrados e ia-me sufocando com o seu manto de silêncio. Lá fora um voo tresmalhado de pássaros, adormecidos até ao exagero, tinham caído do galho.
Continuei a querer pensar que o Paraíso não existia. Era muito mais importante sentir que os teus lábios tinham pétalas de flor que o vento espalhava sobre o meu corpo, bailando este até cair exangue nos portões enferrujados do Purgatório ali já perto da esquina.Subitamente, estremeci. Acordei com olhos de carneiro mal morto, sacudi os pensamentos e fechei a janela. A noite ficou lá fora.
E o prof. Varandas continuava debitar matéria para uma aula super-interessada nestas matérias da existência ou não da responsabilidade do ser humano perante escolhas hipotéticas.

24 novembro 2009

Arte Real da Poesia

A poesia é o eco da tempestade
Eclodindo dentro do ser
Sentindo de todas as formas
Na noite escura da alma
Num eterno renascer

Ser feliz é estar livre do mundo
Livre de mim
Livre de ti
Do pesado peso da insensibilidade
Viver hoje, sem o ontem
Alma mater sem idade
Seguindo a intuição
Buscando o sentido oculto
Alquimia da Verdade

23 novembro 2009

Via Láctea

Num planeta distante, a anos luz do sistema galáxico H-5, existiam milhões de seres que se afirmavam todos diferentes e todos iguais entre si.
Imediatamente começam por aí as idiossincrasias destes habitantes intra-planetários.
Dotados pelo grande Mestre do Cosmos de características superiores aos habitantes de outros planetas, estranhamente se degladiavam , infligindo sofrimento e numa constante manifestação do caos.
Usavam para sua locomoção, estranhos pedaços de metal de cores classificadas como primárias, em que se encerravam lançando-se em conduções frenéticas, acelerando o ritmo cardíaco dos próprios e, de com quem eles partilhavam esses momentos apelidados de “passeios”.
Foi por me ter lembrado de um destes momentos que decidi passar para o meu registo de bordo o seguinte:
- Imbuído de um acto de aculturação apreendido ao longo dos tempos e , segundo um código de boa educação, para facilitar a entrada da sua companheira extra-terrestre, abriu a porta do veículo ajudando-a a acomodar-se numa espécie de almofada em suspensão que era comum aos dois .
- Juntos rumaram até uma vasta extensão de águas revoltas, estabilizando na beira do abismo o motor que , prontamente correspondeu ao comando.
- Invadidos que foram por um processo químico que rapidamente alastrou a cada centímetro dos seus corpos, experimentaram um elevado nível de prazer que os deixou em processo de quase ebulição, traduzindo-se no final por uma fusão íntima do intervenientes, como se de um processo de alquimia se tratasse. Um pedaço de Tempo transformado em verdadeira Arte Real. Findo que foi este momento e no trajecto de volta, o elemento masculino encerrou-se num mutismo avassalador e desde então nunca mais foi o mesmo. Enclausurou-se no meio uma massa protectora chamada casulo, construída de vários materiais, que permitem aos seres humanos sentirem-se em completa segurança - pensam eles.
E ela esgotada com a frenética actividade e alteração química a nível psicossomático permitiu de um modo involuntário que os seus circuitos se desintegrassem e ardeu ali mesmo pulverizando-se na poeira estelar.
- Foi assim que surgiu a Via Láctea, pedaços de emoções perdidas no espaço.
- Actualmente quando olho o vasto azul pontilhado de luz, recordo-me de mim sem saber onde pára o corpo que perdi algures no Cosmos!

22 novembro 2009

Serotonina

Serotonina

Um íntimo furor deixa escapar o desespero, mas mal consegue acalmar as batidas surdas de um coração que atordoa o cérebro.
Atrás da porta, depois de tantos passos furtivos, treme, será de medo?De súbito, pára pensando, que não consegue distinguir coisa nenhuma , como se estivesse relendo por mais de mim vezes e outras tantas assim, as palavras que joga ao vento. Aquelas mesmo que ele mandou em jeito de recado por umas quantas ondas escoadas pelo cabo de fibra coaxial . E o pensamento transforma-se à medida em que lhe varia o humor entre o racional e o irracional!
Do outro lado sempre o mesmo vulto fustigado e distante, em cujo ar de espanto transparece a irritação. Agora, já distante das palavras, que nada mais valem , perderam o sentido diante de tanto desvario que retine ao sabor do acidental, oscila ao sabor das intempéries que permeiam uma sucessão de dias infelizes, em altos e baixos típicos de uma personalidade arquejante quando se vê encurralada diante da própria sombra, o que resta é acreditar que o verbo cria a imagem, que a mente cria o desejo inconfessado e aprisionado dentro de si própria, para sem mais indagar, possa declarar que todo o artifício, qual síndrome, é contra o equilíbrio.No espelho do desespero, revê-se o enigma, e não se consegue visualizar onde termina a moldura e começa a imagem, não se sabe quem possa desvendar... A família, talvez, e um médico psiquiatra, quiçá, possam ajudar. Quem sabe umas quantas pílulas que lhe reponham a serotonina !
Pois quem sabe!
Mas se ninguém lhe responder, resta-lhe o velho ditado popular “ Quem está mal, mude-se”!
Tudo isto porque…..As pessoas são surpreendentes às vezes, entre um egoísmo e egocentrismo quase a tocar a insanidade, acabam por demonstrar a falta de delicadeza dos sentimentos, e misturar no mesmo saco de lixo todos os momentos em que foram realmente enganadas, com aqueles outros, que não precisariam de ser dissimulados.

20 novembro 2009

Carta à Igreja em Laodiceia

Existe em mim uma forma de anjo
que luta incessantemente
contra o dragão
Mas continuo sem asas de águia
até que aprenda a dominar o corpo
que à luz deu tal varão.

Entre selos e trombetas, fenece
o fruto que tanto apeteceu
um rio de água cristalina
abre as portas do céu.

Feiticeiro impuro
rasgas em mim
desejos insanos
tudo está feito
o Alfa e o Omega
O principio e o Fim.

Sempre existirá um lago
que arde com fogo e enxofre
apenas a ti caberá
escapar de tão triste sorte.

Lê-me ,
A besta emerge da terra,
por onde fugi um dia
Parece cordeiro com chifres
de touro.
Queimaste-me a alma, roubaste-me
o espirito a golpes de espada.
Deixas-te-me assim amaldiçoada .

18 novembro 2009

Mar

"Porque o melhor, enfim,/É não ouvir nem ver.../Passarem sobre mim
E nada me doer."
Camilo Pessanha

Mar,
que rolas incessantemente
imensa chama fria que arde
assim aos pés da gente
num lusco-fusco de marés
que nos embalam docemente.

Luzeiros á noite pela praia fora
pelo mar dentro
mágicas rendas finas
de ondas tecidas
transportam o brilho
das estrelas caidas.

E só as tuas águas
me apagam a febre fantasma,
que em ondas
revoltas, me vai afogando
e o estertor começa
na água morrente
pela noite fora
Traz-me o mar de rojo
aquele que me devora
como uma serpente.
@

11 novembro 2009

Loucura do Interdito

O Discurso é filho do Amor
Nasceu belo e magnifico
Nessa terra da loucura,
em que o Eu não era eu
onde o Imaginário perdura.

Hoje sei, que escrevo ,
não para ti, que és o Principio
que não me fará nunca ser amado
porque o discurso, esse sim
estará sempre
inacabado.
E ao contrário de mim,
a escrita nada compensa
apenas no começo desta
como algo sublimado
e só está onde não estás
ou seja, em mais nenhum lado

Tudo se representa assim ,
eterno conto inacabado,
um cenário de fantasmas,
que sempre me incomodam
ainda mais do que os meus.
Porque são fantasmas teus!
Chocam-me sem cessar
colidem com a capacidade
de te poder recriar,
Neste discurso, nascido
da angústia de te amar.

Eu de um lado
Tu do outro
e no meio
o modo presente
amo-te
sem Verbo infinito
frase-palavra
que soa apenas num grito.
Só assim fará sentido
na loucura do interdito.

10 novembro 2009

vai o tempo fugindo; entre amarguras e sonhos
sem que a vontade efective o desejo
de sorver com loucos beijos
os teus làbios cor de morte
Aquela enorme frieza, desse corpo tumular
merecia melhor sorte
do que este breve findar.
@
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As tuas mãos tão brancas d'anemia...
os teus olhos tão meigos de tristeza...
- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.*
*CP

02 novembro 2009

Simulacros de uma verdade rasurada

Guardo na memória
restos de uma cartografia simulada
simulacros de uma verdade rasurada
caminhos do efémero
onde não encontrei nada.

E.... como dizia, não Pessoa, mas David
"Por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos (...)"

Agora, quanto mais te desfaço, mais
a morte chega em mim.
é tempo de iniciar
este começo do fim.