28 fevereiro 2011

Literando, literal, leito ou lado lunar



A arte da literatura é viver sem ser feliz
Pintar a vida como se fosse
A boca da meretriz.
Vermelho violáceo
Leve sabor a pistácio.
Só quem é triste diz poesia
Como se dissesse baixinho
O teu nome  maresia
Burilando nas palavras
Um cruzadismo, xadres
Uma estética inventada
Uma gota destilada
Palavra que surge à vez.
Não existe semiótica
Nem arco, vitral
Um qualquer portal
Arte nova ou mesmo gótica
Uma única verdade nua
Literatura é  fingimento
Mascar da vida, magia
Ocultando o sofrimento.

Poetas


















 Óleo sobre tela : Rapariga à janela , Iman Maleki*Havia um poeta na minha rua 
Por quem  me apaixonei
Todos os dias passava
Ao lado da  janela
Esperando que notasse
Que eu seria aquela
para quem ele escreveria
Mas o poeta  tinha olhos
Para quem o não  queria
Assim  era  um poeta
Porque também ele assim sofria
Como eu sinto por quem sente
E tem a alma vazia
E procura preenchê-la
A escrever poesia.

*Iman Maleki (Teerão, 1976 - ) é um pintor iraniano do hiper-realismo.
Desde pequeno sentiu a vocação para a pintura; graduou-se na Universidade de Arte de TeerãoMorteza Katouzian, aperfeiçoando uma minuciosa técnica de realismo quase fotográfico. Foi galardoado com o prémio William Bouguereau e o “Chairman’s Choice” na II Competição Internacional do Art Renewal Center. como desenhador e estudou com o melhor pintor hiper-realista do Irão,
Pintor neo-clássico, considerado pupilo de Sir Lawrence Alma Tadema. Gozou de muita popularidade, mas seu estilo resultou-se superado, quando do surgimento de novos estilos pictóricos, principalmente o do pintor espanhol Picasso. Adepto da pintura de Frederick Leighton, mas seu estilo era mais próximo do de Alma-Tadema, com quem compartilhava uma forte paixão pela arquitetura clássica. Expôs na Royal Academy em 1887.
Sua família desaprovava sua carreira e,em 1912, ao mudar-se para a Itália com uma de suas modelos, rompeu qualquer tipo de contato com ele. Retornou à Inglaterra em 1919, ali permanecendo até sua morte, por suicídio (asfixia por gás), em 1922. Envergonhada, sua família, acabou queimando seus documentos e fotos. Não se tem conhecimento de ter restado alguma.
Fonte : Wikipédia

24 fevereiro 2011

Vogais e Consoantes


A origem da Via Láctea - Tintoretto
Escrevo para apontar palavras
Como quem aponta uma arma
E digo ao horizonte
Que levante o céu sobre os seus ombros
Como se o jugo mais leve fosse
Aponto baionetas ao sol e transformo-o
Em negrume azulado, para lá dos sete sóis
De opaca clarividência
Para que   possa ver a luz da lua reflectida
No  frio aço estilhaçado.
Com  palavras já construi um foguetão
Pela via láctea  procuro  um poeta
Senhor de impérios  de fogo
E  de vogais incendiadas em espasmos
e consoantes sonâmbulas.


Louco é o  poeta que vê
Para lá  do que não é visível
Que sente exacerbado
A alma a arder no corpo
E a vida inteira suspensa.







22 fevereiro 2011

A semente da Poesia


Há em mim  um profundo silêncio
Um segredo não revelado
Uma poesia oculta
um fruto desconhecido
um fim de tarde esperado
um poema não gerado
Quando te senti entrar
Soube-me quase a destino
Impaciente e revolto
Com secreta voz
Me olhaste
E sem conseguires ver
A semente que geraste
de onde nasceu a poesia
Filha deste cruzar
a tristeza e alegria
E eu morro aqui
A olhar os barcos
A imaginar que ainda é
A tarde em que tu chegaste.
Pela mão levo comigo
Essa mão tão pequenina
Que quando me toca assim
Faz das palavras  rima.

21 fevereiro 2011

Tédio



Leda e o Cisne - Tintoretto

Quantas mais vezes terei eu ainda
De desejar-te
E desejar não ter desejo?
Quantas vezes te olharei ainda
Com olhar de volúpia castrada
Não conseguir nunca
Realizar este ensejo?
Quantas esperas faço
De mágicas centelhas sem lampejo?
Já não ouso sequer tocar-te
Tanto o medo que me invade
E chamo-me a cada vez que passa
De inútil mente e cobarde.
Os meus olhos descem sobre ti,
Como aves de rapina
Abutres em espera divina
Olhando famintos
Esses rios azulados
Que correm nas tuas mãos
Sonham carícias de serpente
E o teu olhar feito de névoa encoberta
Esse está sempre presente!
Para não falar no silêncio bizarro
Das minhas noites em branco
É que já se me secou
No leito da lua cheia
Toda a fala, todo o pranto.
E o tédio avança
Com seu manto, cobre-me o corpo
Inteiro,
Como se fosse um quebranto.
Ai quem me dera poder descansar
Pousar a cabeça e não mais pensar
Que estou eternamente proibida
De te poder amar.

Verde e Azul



Pintura de Winslow Homer
Existe um oceano verde para lá da janela aberta, confunde-se em momentos de sonho com esse mar que tanto quero. Por cima das árvores vestidas de verde voam pombas brancas, pedaços de ondas, espuma que se solta no ar e refrigera.
Quando abro as vidraças, pela manhã, guilhotinadas por pedaços de madeira em rigorosa esquadria, deparo com bagas vermelhas alcandoradas nos galhos, pasto e repasto dos melros que se banqueteiam impunes. Atordoados esvoaçam ao mínimo sinal de alarme. Cruzam-se no ar com outros emissários marítimos, porte maior, asas abertas em cruz, lançando gritos que transportam consigo para lá da beira terra.
Revejo o verde esmeralda, horizonte das tardes sedentas em que os corpos seminus buscavam entre si o êxtase por sobre a rocha vulcânica. Não sei que formas se contemplaram, não sei que escuridão desceu ali; momentos abissais , palavras que desceram com a espuma enrolada no imenso e vertiginoso azul do mar. E por lá ficaram nos negros vales submarinos.
Soltas no areal cascos de embarcações perdidas no silêncio, arrebatadas ao sonho azul que nunca chegou a voar em nós.

18 fevereiro 2011

Sobre o Mar


Quadro do pintor romântico, Joseph Mallord William Turner, nasceu em Londres, 23 de abril de 1775. Precoce, Turner, com apenas 10 anos de idade, tinha um talento que impressionava. Turner gostava de pintar paisagens, principalmente, o mar (pier, Marinas, cais), rios, cachoeiras e abismos.

Hoje conto-te daquele mar que trás em si
Todas as sombras do mundo.
Cachos de azul profundo


Que nascem e morrem
No leve arco das ondas
São mil volutas, que num instante
Se detêm leves e airosas
Irrompem em cataclismos
Tragando para dentro de si tantas bocas queixosas
Consegue este mar beijar o céu, baixo e enegrecido
Arranca o sol do horizonte
Apaga-lhe o braseiro e leva-o
Para dentro desse imenso azul enraivecido
Com dentes de branca espuma cinzelados
Há uma caravela à deriva
Existem bosques de navios encantados
Misterioso triângulo que nos rouba
O sono, a vida e nos trás amaldiçoados.
O meu nome é azul, azul do mar a bramir
O verde na escuridão, negro verde sempre a pedir
que mergulhes no mar que trás em si todas as sombras.
Mergulha e sente devagar, nunca percas a consciência
De que nunca será nosso o mar.

17 fevereiro 2011

Musas

A Musa Euterpe 1752-Francois Boucher

Porque é que só me chamam Musa
E me condenam a não ser apenas mulher?
Porque fico eu aqui sozinha, entronizada
Como se fosse uma santa de um altar qualquer?

Foi Deus ou o Diabo que me condenou
A ser a mais solitária das mulheres
A resignar-me sem sentir, sem saber
Onde está aquele que me amou?

Porque me falas tu dela sempre?
Porque está o retrato dela
Tão vivo na memória , tão presente?

Estarei condenada assim eternamente?
Já me chamam Dona Musa por aí
Que condão tenho eu, que desconheço
A minha vida é uma viagem sem regresso?
Espécie de ampulheta sempre a inverter
A areia que conta as horas que padeço?

Ah , não me chames Musa, chama-me antes mulher
E leva-me para a tua cama, enrolar os lençóis de linho
Não me peças para os fiar, pede-me antes para neles
O teu corpo poder beijar.

15 fevereiro 2011

Resposta a um comentário anónimo e cobarde

A poesia não precisa de rimar para fazer sentido.
Viver só sente quem não despreza o ter vivido
Pois para aqueles que não vivem e nada sentem
É como se a vida nunca tivesse acontecido.

Moleza de espírito impressionante
“Inofensividade” que revela
Torna-se assim irritante
Quem opina, ele ou ela….
E plena de brutalidade sim,
Quem só reconhecer sabe
O brutal que é não saber
Um factor in-ofensivo
A mim não ofende quem quer.
Quanto à falta de moralidade
Conceito abstracto pelo meio
Volto a escrever só não sente
Quem da vida tem receio.
Quanto aos poemas omissos
Cada um vê o que quer
Lê e retira ilações
Eu apenas escrevo de acordo
Com as minhas disposições.
Sou livre de ir e vir, sou como uma pena ao vento
Se choro , rio ou sorrio,
Se faço da poesia passatempo
É comigo, e só comigo
E penas volto a dizer,
leva-as o vento também
Tal como as palavras vãs, ocas e desprovidas
De qualquer forma de sentir
Cada um faça o que quer
Dono do seu porvir.
"- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe"

A propósito de ter citado José Régio: aí vai...o Cântico Negro


Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...


Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio in Poemas de Deus e do Diabo

13 fevereiro 2011

Caudal


Joseph Mallord William Turner (Londres, 23 de Abril de 1775 - Chelsea, 19 de Dezembro de 1851)
E lá está outra vez a folha branca
A desafiar esta raiva
Que brota rude no leito
grito rouco na garganta
Que sufoca e sai estreito
Este caudal de solidão
Esta forma de ser louca
A que sempre me sujeito.
As palavras ficam presas
E não me saem da boca
Tão cheias de incertezas
morrem dentro do peito.
E fico-me assim a olhar-te
No silêncio destas frases
A sentir o impossível
A imaginar o tudo
O que seríamos capazes
E não fomos nunca,
Tu não foste , e eu não sou
Estas palavras já gastas
A que eu tinha direito
E que o tempo já levou.
Resta-me a noite escura
Com aquela luz ao fundo
Que me está sempre a chamar
De segundo a segundo.
Um dia vou, juro que parto.
Para me poder libertar.

06 fevereiro 2011

Maresias a solo


Agora sim que é noite escura
Quase uma madrugada pura
Feita de silêncio e calma
E me tenho só para mim
Tendo-te a ti a sonhar,
Agora sim.
Que é negro e denso o meu olhar
Feito do desejo a nascer azul
Para que possas tu
Deslizar nas marés imensas
Quando o meu corpo se transforma
Em todas as coisas intensas
Feitas de espuma e corais
longínquos mares do sul.
Agora que te espero aqui
Invento-te sonhando
Mansamente , enquanto
correm as águas fundas
Na praia desta memória.
Onde as ondas te trazem para mim
E de novo tu me voltas a habitar
És maré, barco, avião, e vens sempre
De mansinho, esse sorriso de menino
Enlaças-me devagar
E dizes-me em tom baixinho
Maria, anda ver o mar…

05 fevereiro 2011

Convite...

Por falta de tempo , não coloco aqui, agora, qualquer texto de minha autoria,mas urgia no meu espírito poder comunicar algo, ainda que através do Mestre Almada Negreiros que muito aprecio.
Deixo-lhe a ele o Mestre a tarefa de me fazer chegar através deste convite.
A Taça de Chá

O luar desmaiava mais ainda uma máscara caída nas esteiras bordadas. E os bambus ao vento e os crisântemos nos jardins e as garças no tanque, gemiam com ele a avinharem-lhe o fim. Em roda tombavam-se adormecidos os ídolos coloridos e os dragões alados. E a gueixa, porcelana transparente como a casca de um ovo da Ibis, enrodilhou-se num labirinto que nem os dragões dos deuses em dias de lágrimas. E os seus olhos rasgados, pérolas de Nankim a desmaiar-se em agua, confundiam-se cintilantes no luzidio das porcelanas.

Ele, num gesto ultimo, fechou-lhe os lábios co'as pontas dos dedos, e disse a finar-se:--Chorar não é remédio; só te peço que não me atraiçoes enquanto o meu corpo for quente. Deitou a cabeça nas esteiras e ficou. E Ela, num grito de garça, ergueu alto os braços a pedir o Céu para Ele, e a saltitar foi pelos jardins a sacudir as mãos, que todos os que passavam olharam para Ela.

Pela manhã vinham os vizinhos em bicos dos pés espreitar por entre os bambus, e todos viram acocorada a gueixa abanando o morto com um leque de marfim.


Almada Negreiros, in 'Frisos - Revista Orpheu nº1'

04 fevereiro 2011

Pausa II


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A Praia do Paraíso



Abro-te assim por entre as mãos
És areia da praia, molhada
Esboroando-se o castelo
feito à tarde, sonho de criança
que por ali passou,
adormeceu cansada.
Diz-me que foi mentira
A eternidade que guardo dentro de mim
Em antevisão tenho o tempo
De todas as coisas presentes
O devaneio enrolado na onda
Espécie de enleio
Que me faz descer
Ao fundo do abismo fervente
Um Turbilhão em trajecto
Em tons de verde, azul e sal
Arrastando-se no delírio
Na lonjura do areal.
Invoco sombras interiores
Para as confrontar
Se no fundo dos teus olhos
Ainda existe aquele mar.