30 dezembro 2009

Passagem de Ano

Mais uma passagem de ano a guardar sonhos para a próxima. Mais um ano que chega, recheado de nova esperança, verde clara como as folhinhas da roseira que está no canteiro do jardim a preparar-se para florir na próxima primavera.
Todos os anos se repete o ritual : Boas Festas ! ( alguns acrescentam ironicamente – pelo corpo todo). Eu não reclamo festas dessas e, porque as festas dessa natureza não precisam do mês de Dezembro para se desejarem ao próximo, vamos acalentando a ilusão de umas Boas Festas “adjuntas” ao Ano Novo.
Estou mesmo a ver que este ano não vou ter a passagem de ano sonhada!
Talvez para o ano aqui esteja a repetir este mesmo texto, este mesmo pensamento. Ocorreu-me agora, que os seres humanos se parecem com relógios, sempre a dar horas ( algumas perdidas, outras vazias) sempre a dar meia – horas ( apressadas, fugidias, egoístas), isto para não falar nos quartos ( de hora) - silenciosos, mudos, isolados.
À meia-noite de 31 transporto o meu pensamento, uma vez mais, para o alto da minha serra, verde e selvagem, aquela de onde te avisto a ti e ao mar, mar imenso onde um dia finalmente pedaços de mim voarão leves e soltos por sobre a espuma das ondas.
Nem sei quem partirá primeiro, se eu ou se a outra parte de mim, mas sei que por cada passagem de ano, os meus sonhos se desfazem um a um.
Tanto espero por este dia, e quando cá chego, quando aterro nas horas, nas meias – horas e nos quartos (de hora), percebo que o tempo me vai tirando o pouco ( quase nada) que de ti tenho.
Sonho-te assim a chegares, a sorrires-me, sonho com um abraço feito de pedaços de infinito, quente e com estrelas de afecto a polvilhar.
Sonho que me levas para o ponto mais alto do mundo e na imensidão do céu azul até onde a nossa vista abarca, vemos miríades de estrelas, brilhos de fogos a luzir , cometas em rota e luas a brilhar.
Amanhã o meu pensamento voará perdido pelo espaço deste Universo à procura da luz dos olhos teus, e mesmo no meio da multidão, serei um farol direccionado num único sentido.
Nunca ninguém verá em ti o brilho que eu vislumbro. Estarão às escuras, tal como tu, que procuras deliberadamente a noite profunda, esquecendo que a estrela de alva brilha no meu céu.
E a Terra segue o seu movimento de rotação, e eu sigo com ela, voltas e mais voltas, até ficar tonta e cair estatelada no chão.
Algures, em latitude que desconheço, estás tu a rodar em sentido desconhecido.

Fantasias

As saudades do que fui
Do que fomos
Do que agora somos
Sem nada ser
Continuam presentes
Para me fazer sofrer

E de mim já nada sei
Neste deambular
Pelos pedaços de sonhos
Que ainda me fazem sonhar

Sonho sim!
De mãos quietas, pousadas
Nuas geladas
Cruzadas no meu regaço
Onde outrora adormecias
Inventando fantasias
esquecendo o teu cansaço.

Guardo-te comigo, aqui
Bem dentro desta memória
No teu rosto o areal
Nos teus olhos azul- mar
Fantasio que sou rocha, rochedo
Que sempre vens abraçar.

28 dezembro 2009

Um 2010 cheio de Luz para quem por aqui passar!


Foto retirada da net

O número 12 é visto como figuração de um ciclo completo, como símbolo da ordem cósmica, ou seja, como perfeita representação do mundo manifestado ordenadamente. Ora, a expressão mais completa do simbolismo do doze é o zodíaco composto por doze signos que são as estações percorridas pelo sol no seu circuito anual. Um ciclo completo do sol compreende, portanto, doze fases demarcadas pelos signos zodiacais que, segundo a sã astrologia, correspondem ontologicamente aos doze modos do Ser e, desde outro ponto de vista, descrevem as várias fases de desenvolvimento do ciclo. Além disso, como existe uma correspondência analógica entre ciclos maiores e menores, o ciclo solar anual pode simbolizar o desenvolvimento de um outro ciclo qualquer.
O mais antigo código dos Árias, conhecido como "as leis de Manu", divide-se em 12 partes; os grandes deuses gregos são doze; doze também eram os Ases, heróis divinos da tradição nórdica; em Roma, eram doze os leitores do colégio sacerdotal dos Sálios, incumbidos de acompanhar o Pontífice Máximo; tanto Mitra quanto Lao-Tse, segundo a história, tinham doze discípulos; na tradição muçulmana, existem doze descendentes; o número doze encontra-se no mito de Héracles, herói solar por excelência, que percorre as diversas etapas do desenvolvimento espiritual, representadas nos doze trabalhos; e, finalmente, comprovado pelos Evangelhos e pela história: Jesus, o Cristo, e seus doze apóstolos.

O relógio é divido em doze horas e existe o mistério das 12 horas (meia noite ). É um mistério elevado que mostra o infinito dentro do finito, o eterno-agora. Quando é meia noite, por menor que seja a fração de tempo sempre é possível dividi-la sucessivamente "ad infinitum". O momento exacto da meia noite somente existe a nível de infinito e Jesus nasceu à meia noite mostrando que Ele nunca nasceu no plano material pois a Sua existência é no plano infinito. Romances e lendas dizem ser fatídica a " batida das doze horas " da noite. As batidas do relógio à meia noite tem um significado esotérico e mágico muito importante. É a hora em que os galos começam a cantar. Hora dos grandes mistérios, na realidade há segredos sobre a 12.ª hora que o iniciado evita revelar aos profanos. Existe uma Ordem Sublime em que uma das iniciações se liga ao grande mistério da 12.ª hora. Inicia-se exactamente à meia noite com as batidas compassadas de um relógio e as palavras de Apolónio: "AQUI SÃO EXECUTADAS, MEDIANTE O FOGO, AS OBRAS DA LUZ ETERNA". Poucos sabem o que significa esse fogo referido no mistério da 12.ª hora.
Que fogo é esse, então?! - Citando Rijckenborg, mestre rosacruz e gnóstico: "Esse Fogo pode, com razão ser chamado Força Divina por isso o mago deve recordar diariamente a conhecida advertência: Aquele que está de pé, que cuide de não cair!"

Assim, neste momento fechamos mais um ciclo e cada um vai avaliá-lo à sua maneira aproveitemos essa oportunidade para sermos o que ainda não conseguimos ser, para ter o que ainda não conquistamos, para chegar aonde queríamos chegar, mas principalmente, que melhoremos tudo que ainda falta melhorar.
A vida é uma dádiva maravilhosa, vivida segundo a segundo, durante doze meses de cada ano. Não devemos nós desperdiçar a única riqueza capaz de gerar o encantamento e a esperança de um planeta melhor. Depende de cada um espalhar em redor a compreensão, o perdão, o permanente exercício de trabalhar a humildade, como algo positivo, em prol de nós mesmos e dos que nos rodeiam.
Só assim fará sentido os doze meses que passaram e todos os outros que no futuro puderem vir a acontecer.
Vamos vivendo, caminhando, desejando dias melhores. Se não vierem, continuaremos desejando porque confiamos nos sonhos, aprendemos a acreditar com a esperança, a creditar no amanhã a realização do impossível hoje.
Citando António Machado, poeta sevilhano
«Caminhante, são teus rastoso caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás vê-se a senda que jamais se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,somente sulcos no mar.»

Assim sendo, a todos desejo que os próximos 12 meses do ano de 2010, sejam de crescimento espiritual e que, “Aquele que está de pé, que cuide de não cair!"; nestes tempos tão conturbados, eivados de corrupção e ganância, sede de poder e desmedida ambição dos nossos políticos e líderes que, deveriam ser os primeiros a ter uma atitude digna de exemplo, sendo a luz dos povos e das nações. - Mas, não o são!
Aos que carinhosamente me apoiaram, me incentivaram e, que de alguma forma ajudaram a manter este espaço, deixo escrito ( citando as palavras de Apolónio):” "AQUI SÃO EXECUTADAS, MEDIANTE O FOGO, AS OBRAS DA LUZ ETERNA".
Que a LUZ seja uma constante nas Vossas Vidas!
Bom Ano Novo!

27 dezembro 2009

Xaile Negro

A minha alma é um xaile negro
Amarrado ao coração
Que me aconchega e protege
Do frio da solidão.

Se algum dia eu desistir
De tentar fazer poesia
É porque deixei cair o xaile
Que a minha alma vestia
Esperando a volta dos barcos
Perfumados de maresia
Quando partiste um dia
Sem contudo eu saber
Que nunca mais voltarias
Não te tornaria a ver.

21 dezembro 2009

Brilho de luzes e cânticos de Natal não fazem o Natal


www.midiaindependente.org/.../04/23374.shtml

"E ela deu à luz o seu filho primogénito, enfaixou-o e o deitou numa manjedoura, porque não havia lugar para eles na hospedaria" (Lucas 2.7).

"Era desprezado e o mais rejeitado entre os homens; homem de dores, que sabe o que é padecer; e, como um de quem os homens escondem o rosto, era desprezado, e dele não fizemos caso" (Isaías 53.3).

"Porque Deus amou ao mundo de tal maneira que deu o seu Filho unigénito, para que todo o que nele crê não pereça mas tenha a vida eterna" (Jo 3.16).

Somente um coração humilde consegue compreender essa dimensão do amor de Deus.

Que essa seja a nossa alegria de Natal, levando-nos celebrar essa festa com um coração agradecido! "Grande é o mistério da piedade: Aquele que foi manifestado na carne foi justificado em espírito, contemplado por anjos, pregado entre os gentios, crido no mundo, recebido na glória" (1 Tm 3.16). Com essas afirmações, o apóstolo Paulo descreve o mistério da fé.
O que devemos crer e aceitar em adoração é esse amor de Deus no Seu Filho Jesus Cristo, que salva toda e qualquer pessoa que Nele acreditar! O Natal festejado apenas em função de coisas exteriores é uma farsa. Jesus precisa de entrar nos nossos corações!
"Eis que estou à porta e bato; se alguém ouvir a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele" (Ap 3.20).

18 dezembro 2009

Vendaval

António Botto sentia
“Tenho pena desse corpo/Enrugado/E chamuscado/Na labareda sombria
Do seu sexo traiçoeiro...”


(E eu sinto assim.....porque o li)

Hoje quase que as estrelas todas
Caíram ao chão.
Era tal o vendaval
Era tal a ventania
Que as pedras da calçada
De folhagem se cobriam

Pisei-as assim, a medo
Sem me conseguir suster
Uma espécie de frémito
Um incerto caminhar

Senti, apesar de tudo
Um frágil palpitar
Não sei se era o meu coração
Ou o teu a soluçar.
Eram seguramente
Pedaços de beijos mortos
Que rolavam no caminho
A chuva caía neles
Fazendo-os chorar baixinho
E rolavam estrada abaixo
Pelas pedras do caminho.
E já não sei porquê
Porque existo
E levo o tempo todo
A pensar nisto
Andei a percorrer
Todo este tempo
Esta estrada da vida
Feita de negro xisto
Negras pedras, luzidias
Cobertas de folhas castanhas
Amarelas, doentias
Saudosas dos bosques
Onde outrora me sorrias.

Arroba

16 dezembro 2009

Seres estranhos - I

Metropolitano de Lisboa, Linha Verde– 13:30, carruagem cheia (aliás quase sempre).
Sentado à minha frente, um ser estranhamente andrógino chama-me a atenção, e miro-o descarada, enquanto deito um olho meio torto, para o parceiro do lado que desenha rostos em folha A4, este no entanto não me consegue surpreender; é comum ver gente nos transportes públicos a esboçar caricaturas ou simples rabiscos; a única diferença entre nós , é que eu guardo os meus esboços na memória, enquanto o viajante que comigo partilhava o banco passava-os para o papel.
Voltando ao ser andrógino em pose correctíssima, recordo-me de, como era apanágio de boa educação e bom tom, durante o Estado Novo, as senhoras sentarem-se com as pernas levemente inclinadas para o lado, joelhos e pés unidos e costas bem direitas;nada como as liberdades actuais que permitem pés nos bancos e pernas abertas como se de uma aula de ginástica se tratasse. Adiante! Para o caso não interessa porque nessa altura eu era uma criança de colo e ainda gatinhava.
Ora o cavalheiro em questão, que de cavalheiro nada tinha, possuía um belo cabelo negro, com algumas (poucas) madeixas douradas, e tinha assim um corte tipo “tijela” mas caindo sobre os ombros ( largos) que rapidamente culminavam num corpo de adolescente. Não aparentava mais de 17 anos e via como o Camões, ou seja, só de um olho, porque o outro estava tapado pela bela franja que lhe descia até ao nariz e em jeito godés, enquadrava-lhe ou, desenquadrava o rosto. E a pobre criatura espreitava assim, quase tímida , ocasionalmente ajeitando a franja com uma mão branca, de unhas imaculadas e que terminavam como se escamas de peixe tivessem ali sido coladas, escamas de peixe mas dos grandes, garoupa ou cherne! Peixes de alto mar.
O pulso adornado por uma pulseira com pequenos dados de jogar, em tons de branco e vermelho, - também aí ele tocava pontualmente e fazia rodar os dados dois a dois – uma espécie de tique, enquanto eu observava no dedo anelar o brilho de um caxucho em forma de coração, todo ele multi-facetado de cor vermelha. Lindo!
Olhei-o como já referi, sem qualquer tipo de pudor, intrigada , pensando que coisa era aquela, que até tinha um rosto bonito, uns lábios bem delineados, perfeitos , lábios esses que qualquer mulher gostaria de possuir ou – neste caso – de ter.
E o petiz-rapaz-meia-coisa estranha, espreitava com ar assustado , como se tivesse aterrado numa carruagem de Et’s. Entrei em processo de dúvida, autêntica revolução na minha massa cinzenta – afinal quem estava ali deslocado? Eu ou ele?
Felizmente não tive muito tempo para estas cogitações, porque fui chamada à realidade pelo apito estridente de abertura de portas na estação do Rossio.
Saí para a gare , e a nave prosseguiu o seu caminho, - perdão o Metropolitano – Lá foi o ser andrógino pelo buraco adentro.

Oração


Psiquê

Neste Natal eu quero pedir ao Menino que te traga envolto em luz, com asas longas e manto branco de arminho.
Quero poder chegar à Consoada e saber que estás ao meu lado sorrindo nesse jeito que só tu tens de sorrir para mim.
Se assim não for, será este o último dos Natais em que serei criança grande.
Depois, se o Menino não me realizar este sonho pueril - o meu anjo de asas longas - partirei assim que a meia-noite bater no relógio de parede, que há tantas luas me recorda o tempo a passar por mim e onde só já vejo sombras.
À meia-noite desse dia frio e escuro, perderei os resquícios de alma que ainda guardo cá dentro.
E porque o tempo nada perdoa, sempre em contagem decrescente contra tudo e contra todos, contra o querer da gente.
Terei por berço uma cama de madeira perfumada, aquele meu vestido branco com que serei enfaixada .
Trazei-me depois, aquele ramo de camélias de que eu tanto gostava.
Partirei ao som festivo de mil fogos de artificio, vistos tão lá de cima, no alto daquele edifício – aquele que todos os dias espreito da minha janela, com o meu olhar perdido, entre vidraças molhadas de lágrimas já tão gastas de não te ver através dela..
Menino Jesus, que tudo podes dá-me o meu anjo caído!
Prometo-te uma novena no altar da capelinha onde costumo ir orar, e oferecer-te aquela roca para Tu poderes brincar.
Prometo-te ainda Deus meu , tua imagem alumiar, com velas de palmo e meio, para depor no altar.
Assim Jesus não mais tens medo do escuro, não adormeces a chorar.
E por fim Senhor Jesus, se tamanha Graça concederes, prometo levar-te aquele botãozinho de rosa nascido ao alvorecer , para entregar nos Teus braços e orientares a crescer.
E se nada acontecer, serei outro anjo caído, por me custar a acreditar na promessa do milagre pelo qual Tu te entregaste para a minha Alma salvar.

15 dezembro 2009

Extase

Tem dias que te invento
Sonho-te assim
Romã, bago rúbi.
Tem dias que te sonho
Áspide aprisionada
Lascivamente ondulando
Na pele branca acetinada
Morrendo dentro de mim.

De noite
No silêncio dos espelhos
embaciados
Pelo calor dos nossos corpos
transpirados

Em êxtase sonhado
Pulsa forte o coração
Trazes-me assim a morte
Docemente pela mão.

14 dezembro 2009

Ágora

Defende o teu direito de pensar, porque mesmo pensar de modo erróneo é melhor que não pensar . . .
Hipatia de Alexandria
Trecho de uma carta de Senésio de Cirene , aluno de Hipátia:
"Meu coração deseja a presença de vosso divino espírito que mais do que tudo poderia adoçar minha amarga sorte. Oh minha mãe, minha irmã, mestre e benfeitora minha! Minha alma está triste. Mata-me a lembrança de meus filhos perdidos… Quando receber notícias tuas e souber, como espero, que estás mais feliz do que eu, aliviar-se-ão pelo menos a metade de minhas dores".


Hesíquio, o hebreu, aluno de Hipátia:
"Vestida com o manto dos filósofos, abrindo caminho no meio da cidade, explicava publicamente os escritos de Platão e de Aristóteles, ou de qualquer filósofo a todos os que quisessem ouvi-la… Os magistrados costumavam consultá-la em primeiro lugar para administração dos assuntos da cidade".

Nunca ninguém suspeitava
Do que nesse cristalino Olhar
se abrigava
Um imenso mar,
Lago, Água, Ágora
onde tu ousaste sonhar
Com o brilho do sol, dos planetas
A trajectória dos cometas

Pagaste com a vida o sonho da Verdade
Maria Madalena não morreu assim
Com tamanha crueldade.

Adormeceste com o brilho das estrelas
Encerrada Em Alexandria.
Sacrificada Pela urbe infame
Hypátia Ensanguentada em morte agonizante
Que a sofreste nesse dia.

Ao propagares o Saber
Invejada pelos papistas e amaldiçoada
uma vez mais,
venceu o reino da mediocridade
bestas e não animais.
Uma estrela a menos que brilha
No céu da Humanidade.
Como é fácil destruir as finas teias do saber
Como é difícil conhecer que existe um outro Mundo
Que levou milénios a tecer.
Pobres de nós mortais!
Sem alma , o corpo é uma quimera
Que nos arrasta pela vida fora
tal como auto de fé que acabou em Ágora.
Arroba

ALEXANDRIA, A BIBLIOTECA.
Não gosto de transcrever textos alheios, assim na integra. Mesmo que citações. Mas, acho que este vale a pena pela sua modernidade e qualidade intelectual do autor, um ser humano único. Um cidadão Cosmopolita (do Cosmos), como sonhava ser. Os trechos foram extraídos da obra clássica do astrônomo e pesquisador Carl Sagan, Cosmos. Cosmos foi produzido em 1975 para uma série da TV americana e posteriormente lançado em DVD em 2000. O trabalho mostra com maestria, um épico do nosso Universo. Através da filosofia, física, astronomia, história e de outras fontes do conhecimento, Carl Sagan faz um resumo impecável do passado, presente e possíveis futuros do Cosmos, com várias previsões feitas por ele, hoje confirmadas. Trata-se de uma obra-prima imperdível para quem é curioso a respeito da história da humanidade. O assunto abordado por nós está no quinto DVD da série, com o título principal de “O Futuro da Terra” e sub-título, A Biblioteca de Alexandria.Biblioteca de Alexandria, O Centro da Ciência e do Saber da AntiguidadeA Biblioteca de Alexandria era praticamente uma extensão do Museu de Alexandria construído por Ptolomeu I Sóter (os Ptolomeus. Assim eram chamados os reis gregos do Egito, sucessores de Alexandre) e que teve o filósofo Demétrio de Falério, como seu primeiro incentivador. Mas foi Ptolomeu Filadelfo, o sucessor de Ptolomeu I, quem mais insistiu na importância do Museu e da Biblioteca, como símbolo da política e da cultura Grega. A data é incerta mas considera-se que tinha sido fundada em 280 a.C. e foi finalmente destruída em 416 d.C. Alexandria sob o domínio de Roma, em 48 a.C. tinha como freqüentadora, a princesa Cleópatra, amante de César. O próprio César acompanhava a princesa em visitas a biblioteca, e consta que realmente admirava aquela obra monumental, que continha um arquivo cultural imenso, construída a oeste do delta do rio Nilo e às margens do Mediterrâneo. Durante toda sua existência, a biblioteca sofreu vários ataques e destruições e sempre foi reconstruída. A mais famosa história foi protagonizada por Júlio César, que tentando matar seu inimigo, Pompeu, acabou por acidente, incendiando parte da cidade de Alexandria e a própria biblioteca. Esta passagem não é totalmente aceita pelos historiadores. Durantes seus anos de glória a biblioteca chegou a ter arquivados perto de 400.000 rolos de papiro. Alguns falam em pelo menos o dobro disso. Os papiros tinham em media, 25cm. de altura por 11m de comprimento. Nos seus acervos podia-se encontrar textos sobre matemática, astronomia, mecânica, medicina e outras fontes do saber. Escritos de Platão, Aristóteles, Zenão, Euclides e Homero. Arquimedes, Galeno, Ptolomeu (o astrônomo) e Hipátia, também faziam parte dos pensadores da antiga biblioteca. O velho testamento, o Pentateuco dos Judeus, estava por lá, em 70 manuscritos traduzidos do hebreu para o grego. Temos ai, alguns exemplos. Foi o primeiro centro de investigação da história do mundo. Hoje já não é pouco considerada a versão de que, sua destruição final foi ocasionada pelos árabes no ano de 642. O mais correto é que, Teófilo, um bispo radical de Alexandria fez uma última investida contra a biblioteca no ano de 416. Considerava-a como uma afronta ao cristianismo, onde via o paganismo e o ateísmo como representantes máximos do conteúdo da maior (mais importante) biblioteca jamais existente até os dias atuais. Abaixo em itálico, textos de Carl Sagan. “No séc.III a.C., o planeta foi mapeado e medido com precisão por Eratóstenes, um cientista grego que trabalhava no Egito. Eratóstenes era o diretor da grande Biblioteca de Alexandria, o Centro da Ciência e do Saber na Antiguidade. Para um outro filósofo grego, Aristóteles, a humanidade dividia-se entre gregos e todo o resto, que ele chamava de “bárbaros”. Para ele, os gregos deviam manterem-se racialmente puros e que cabiam aos gregos a escravização de outros povos. Eratóstones criticava o chauvinismo cego de Aristóteles...Alexandre foi retratado como um faraó, num tributo aos egípcios, mas na prática, os gregos achavam-se superiores. Mas os Ptolomeus tinham ao menos uma virtude: apoiavam o avanço do conhecimento.A grande biblioteca ficava no Porto de Alexandria perto da sétima maravilha do mundo antigo, o Farol de Alexandria. Por isso era um local freqüentado por pessoas do mundo todo. Turistas, navegantes, negociadores e estudiosos. Todo tipo de conhecimento mais moderno da época acontecia ali, no porto de Alexandria. Todo conhecimento acumulado durantes séculos foi registrado e acumulado ali ao lado, na biblioteca de Alexandria. Nas palavras de Sagan: “ Aqui o termo “Cosmopolita” aplicava-se em seu sentido literal, de um cidadão não apenas de uma nação, mas do cosmos.Sementes do Mundo Moderno“Mas isso não aconteceu. Imaginem se a perspectiva humanitária de Eratóstenes tivesse sido adotada e aplicada para o bem comum. Aqui estavam as sementes do mundo moderno. Mas por que não floresceram? Por que o Ocidente permaneceu durante mil anos nas trevas, até Colombo, Copérnico e seus contemporâneos redescobrirem o trabalho feito aqui? Não posso lhes dar uma resposta simples, mas sei que não há durante toda a história da biblioteca de que algum dos ilustres estudiosos e cientistas daqui tenham em algum momento desafiado seriamente um único dogma político, religioso ou econômico da sociedade em que viviam. A perenidade das estrelas era questionada. A legitimidade da escravidão, não era”. Il Gran FinaleUma das grandes cabeças pensantes da biblioteca de Alexandria era a de uma mulher. Uma matemática. Hipátia. Talvez a primeira mulher a contribuir decisivamente no desenvolvimento da matemática. Hipátia era filha do filósofo Théon. Ela era uma representante da escola Neoplatônica, cujo fundador foi Plotinus. Hipátia representava e ensinava as diversas ciências nos salões da biblioteca. Em 412 Cirilo torno-se patriarca de Alexandria, quando Orestes era seu prefeito. Cirilo representando a Igreja era contrario as idéias modernas de Orestes. O prefeito Orestes e Hipátia eram simpatizantes e amigos. Por estas e outras razões, os cristãos viam na matemática um símbolo do paganismo. Seu trágico fim, como relata Carl Sagan abaixo representou ao mesmo tempo a intolerância da Igreja e a resistência de alguém que acreditava na importância do conhecimento como meio para uma evolução do próprio homem. “Deixe-me falar sobre o fim. É a história da última cientista, astrônoma e física que liderava a escola da filosofia neoplatônica de Alexandria. Um conjunto de feitos incríveis para qualquer cidadão em qualquer época. O nome dela era Hipátia. Nasceu em Alexandria no ano de 370 d.C.Naquela época, as mulheres não tinham muitas alternativas. Eram consideradas propriedades. Apesar disso, Hipátia movia-se livre e desembaraçadamente em domínios tradicionalmente masculinos. Embora não faltassem pretendentes, não tinha interesse nenhum em se casar. Alexandria era uma cidade em conflito. A escravidão já havia minado a civilização clássica. A Igreja Cristã em expansão estava consolidando seu poder e tentando erradicar a influência e a cultura pagãs. Hipátia estava no meio, no epicentro destas forças sociais. Cirilo, o bispo de Alexandria desprezava-a, em parte por ela ser muito amiga do governador Romano, mas também por que ela simbolizava o estudo e a ciência que a Igreja associava com o paganismo. Correndo grande risco, Hipácia continuou a ensinar e a publicar até que no ano de 415 a caminho do trabalho foi abordada por uma horda de seguidores fanáticos de Cirilo que a arrancaram de sua carruagem rasgaram-lhe as roupas e a esfolaram até os ossos usando conchas afiadas. Seus restos mortais foram queimados e suas obras caíram no esquecimento. Cirilo foi canonizado.A Biblioteca de Alexandria e toda sua glória não existem mais. Foi destruída 1 ano depois da morte de Hipátia. Era como se uma civilização inteira tivesse se submetido a uma cirurgia cerebral. Suas memórias, descobertas e idéias foram extirpadas. Por exemplo, das 123 peças de Sófocles, só sobraram 7 delas. Uma deles é Édipo Rei. É como se as únicas obras de Willian Sheakspear fossem, Coriolano e Um Conto de Inverno. Embora soubéssemos que ele escrevera também Hamlet, Macbeth, Rei Lear e Romeu e Julieta. A história está cheia de pessoas que, por medo, ignorância ou sede de poder destroem tesouros de incomensurável valor, que na realidade pertencem a todos nós. Não podemos permitir que isso aconteça de novo”.Bagdá, HojeEm 2003, a Bagdá tomada pelos americanos foi palco das preocupações de Carl Sagan. Embora não saibamos com certeza quem foram os responsáveis, sabemos que as tropas americanas não deram a devida proteção aos centros culturais, como museus e bibliotecas da capital iraquiana tomada. Resultados: como é comum em conflitos ou guerras, os vencedores se apropriam e mesmo destroem, símbolos do antigo governo deposto. Em abril de 2003 a imprensa mundial noticiou o saque ao Museu Arqueológico de Bagdá. No dia 14 do mesmo mês, perto de 1 milhão de livros foram queimados na Biblioteca Nacional. Parece que os exemplos dos incêndios de Alexandria, ou a queima de livros pelos nazistas, não ensinou nada aos homens. Os livros lamentam e Carl Sagan nos observa atônito, do Cosmos...
“Onde queimam livros, acabam queimando homens”.Heinreich Heine.
http://www.lucianopires.com.br/idealbb/view.asp?topicID=9630
texto de Alex Soletto

11 dezembro 2009

Carapaus

Vaidoso, olhava do alto da sua janela, as peixeiras que passavam e faziam dançar no alto das suas cabeças, enormes canastras cheias de peixe fresco de reflexos cor de mar.
Apregoavam em voz sonora “haaaaá carapau lindouuuu”, e seguiam rua acima, ao encontro das freguesas, apressadas para os preparativos do almoço.
Lambia-se o malandro, ciente da bela pelagem negra; no seu íntimo ecoavam memórias da selva e dos seus parentes felinos, panteras de sombras furtivas que, estranhamente, só gostavam de carne.
Pensava o gato : - Como é possível não gostar de carapau fresquinho?
Nada de hipermercados, grandes superfícies, onde os gatos não podiam entrar, entravam outras espécies - cogitava o bicho de olhos verdes a fingirem-se adormecidos.
Todas as manhãs a senhora Maria, como que arreava a sua bandeira de linóleo amarelo, toda coberta de belos espécimes frescos , sardinhas, pescadinhas, jaquinzinhos, mas o diacho do bichano gostava mesmo era de carapaus, lambia-se guloso e fazia soar pela rua estreita a sua voz metálica, quase irritada que clamava : - Carapaus!!!!! Adoráveis seres pelágicos, criados em mar aberto, coisa fina e escamosa, iguaria das melhores; - então quando a sua dona , a senhora Adelaide fazia carapaus com molho à espanhola, acompanhados de umas batatas cozidas com casca e salada de alface e tomate, entremeada com lascas de cebola - salivava com quantas papilas gustativas tinha na sua língua de gato e jurava a patas juntas, que todas elas funcionavam em uníssono: fungiformes, foliáceas, circunvaladas e filiformes.
Mas deixemo-nos de referências desnecessárias e tratemos do assunto que aqui nos traz: - O Carapau!!
E, não é que na sua frente estavam não um mas cerca de uma dezena deles, corpos fusiformes a sorrirem descaradamente. Pudera!! Quem não sorriria ao ver um gato preto na janela, de belos olhos verdes a piscar ??
E foi assim, que numa manhã soalheira, o gato negro, num salto rápido e ágil, gizou o plano e roubou um carapau à senhora Maria!!
O pregão silenciou-se e passou rápido ao impropério, gato manhoso, filho deste e daquele, ladrão!! Se te apanho um dia, levas uma biqueirada, mato-te bicho do demo!!
Algures, lá mais para cima, perto do céu, numa janela de águas furtadas sem uso, lambia-se o malandro abocanhando o carapau!
Teve mais sorte do que eu – pensei para os meus botões - não como carapau há mais de um ano, esta coisa de viver confinada em apartamentos e não poder assar uns quantos na brasa, por causa do transtorno dos cheiros , chateia-me a molécula!!
Quando vier o verão, ver se encontro uma esplanada, junto ao mar, que faça carapaus assados com molho à espanhola !

09 dezembro 2009

Criada de servir

Porque trago em mim
esta alma vestida de
negro cetim
que me faz criada de servir
perante a vida?
Que penitência
possuir-me assim
este espiríto de paciência
feito de uma causa perdida?

Às vezes penso,
quando penso
já não como quem pensa
mas sente, algum rasgo
de perdida crença ainda inocente
Consigo sonhar
como criança
ainda que alheia vontade
me impeça
e me tolha a esperança.
tentar cegamente
mandar no que faço
automatizar-me o acto.
Já me cansa, tal servilismo!
Já cismo em rasgar o fato
de criada de servir!

Em vez da branca crista
a coroar-me as ideias
um diadema de estrelas
numa aura de finas teias

uma veste acetinada
onde a tua branca mão
possa tocar encantada
descendo num toque doce
pelas meias de cristal
de fina malha rendada
rasgando-me o preconceito
que me faz viver assim
deste modo,
enclausurada!
Já cismo em rasgar o fato
de criada de servir
consciencializar o acto
que me fará implodir.

07 dezembro 2009

Mil e uma Noites

De rompante abriram-se
as gelosias marchetadas
e no horizonte, mil e uma
noites
de contos,
encantadas.

E era eu , angustiada Scheherazade
perante uma corte calada de ciprestes
renascida em jaula feérica
de luxúria árabe
grades douradas
de ouro arabescadas
sonhando-te
a contar
histórias inventadas .

Impossível descrever
esse teu rosto
adormecido, por entre
chorões de prata fluída
fachadas mármoreas
de cor ígnea
Contra o sol
irisado
poente já quase ido
em cor de jóia rara.
e em mim apenas
a ânsia contida
sofrida
de ser núvem
adormecer no sonho
como clepsidra, a viver
fora do tempo.
Poder ter-te
a ti
por um momento.

04 dezembro 2009

Madrugadas

Sobre as águas claras
passava leda a triste madrugada
envolta em brumas
assim meia encantada
Flutuava leve
turvando-se -lhe o pé
a vista se velava
sumindo-se ao longe
em imensa voragem.
Na fria transparência
naufrágio e perdição
endoidecida alma
estranha obcessão.
Murmúrios de queixume
e a brisa ao passar
trás-me o teu perfume
vindo do espaço
Resquicio de gozo
exangue no cansaço

02 dezembro 2009

Auroras boreais

Para onde foram as minhas estrelas
que norteavam o azul profundo
como pequenas caravelas
a descobrirem o mundo

Sonhei um dia,
percorrer o teu corpo
feito de finos rios azuis
poder nele navegar
descobrir bosques tropicais
Um tropel infinito de desejos
um oceano de auroras boreais

30 novembro 2009

Coimbra

Toco-te , assim
Com as minhas mãos
Nesse líquen avermelhado
Testemunho do teu sangue
Ali, eternamente derramado.

Percorro-te, entre os verdes
Que te choram
Alamedas ensombradas
Minha quinta de lágrimas,
Em altar idolatradas.


Meu bosque de árvores
Centenárias
Guardas em ti
O mistério eterno
Máscara de traição e amor
Olhando o rio que corre
A ultima cidade do Norte
Para sempre serás lembrada
Como um cenário de dor.

Manhãs e tardes de Domingo

São tristes as manhãs,
feitas de domingos solitários
os pássaros debicam lá fora
e trazem um canto fugaz e aguçado
São tristes as tardes
feitas de névoa e silêncio amargurado
as persianas descem vorazes
sobre a mesa vestida de branco
rendada e vazia, jaz uma jarra
sem o perfume dos lilazes,
nesta solidão sonolenta
de vida apenas cinzenta.
No olhar, mais do que céus
lagos profundos, procurando os teus
E a vida dorme, adormecida
e eu fecho às vezes as mãos
fecho-as em vão
geladas, sem sol quente do verão
Ninguém profundamente me conhece
nem talvez a alguém interesse.
Bastam-me as cotovias
no meu silêncio
e a dor já não me dói, já não a sinto.
Branco rosário de contas de lithium.

27 novembro 2009

O livre arbitrio

O livre arbítrio (a propósito da aula de História Medieval Portuguesa do Prof. Varandas)

Vocês sabem o que é o livre arbítrio? É a capacidade de dizer ( entre outras coisas )que não acreditam em Deus. Mas depois surge a interrogação: - e se o paraíso existe?
E o que eu tenho estado a perder? O paraíso são prados verdejantes, a gente toda vestida de branco, numa plenitude, não há barulhos, mas também não há comezainas!!
E depois? Se eu for para lá , também não há actos de procriação e não havendo actos de procriação , que se lixe o paraíso!

Era nisto que eu pensava antes de conseguir um pouco de concentração para escrever sobre a Noite; sentia-a como um negro animal de olhos húmidos e brilhantes, avançando devagar. Ocupava pouco mais de uma sala de escassos metros quadrados e ia-me sufocando com o seu manto de silêncio. Lá fora um voo tresmalhado de pássaros, adormecidos até ao exagero, tinham caído do galho.
Continuei a querer pensar que o Paraíso não existia. Era muito mais importante sentir que os teus lábios tinham pétalas de flor que o vento espalhava sobre o meu corpo, bailando este até cair exangue nos portões enferrujados do Purgatório ali já perto da esquina.Subitamente, estremeci. Acordei com olhos de carneiro mal morto, sacudi os pensamentos e fechei a janela. A noite ficou lá fora.
E o prof. Varandas continuava debitar matéria para uma aula super-interessada nestas matérias da existência ou não da responsabilidade do ser humano perante escolhas hipotéticas.

24 novembro 2009

Arte Real da Poesia

A poesia é o eco da tempestade
Eclodindo dentro do ser
Sentindo de todas as formas
Na noite escura da alma
Num eterno renascer

Ser feliz é estar livre do mundo
Livre de mim
Livre de ti
Do pesado peso da insensibilidade
Viver hoje, sem o ontem
Alma mater sem idade
Seguindo a intuição
Buscando o sentido oculto
Alquimia da Verdade

23 novembro 2009

Via Láctea

Num planeta distante, a anos luz do sistema galáxico H-5, existiam milhões de seres que se afirmavam todos diferentes e todos iguais entre si.
Imediatamente começam por aí as idiossincrasias destes habitantes intra-planetários.
Dotados pelo grande Mestre do Cosmos de características superiores aos habitantes de outros planetas, estranhamente se degladiavam , infligindo sofrimento e numa constante manifestação do caos.
Usavam para sua locomoção, estranhos pedaços de metal de cores classificadas como primárias, em que se encerravam lançando-se em conduções frenéticas, acelerando o ritmo cardíaco dos próprios e, de com quem eles partilhavam esses momentos apelidados de “passeios”.
Foi por me ter lembrado de um destes momentos que decidi passar para o meu registo de bordo o seguinte:
- Imbuído de um acto de aculturação apreendido ao longo dos tempos e , segundo um código de boa educação, para facilitar a entrada da sua companheira extra-terrestre, abriu a porta do veículo ajudando-a a acomodar-se numa espécie de almofada em suspensão que era comum aos dois .
- Juntos rumaram até uma vasta extensão de águas revoltas, estabilizando na beira do abismo o motor que , prontamente correspondeu ao comando.
- Invadidos que foram por um processo químico que rapidamente alastrou a cada centímetro dos seus corpos, experimentaram um elevado nível de prazer que os deixou em processo de quase ebulição, traduzindo-se no final por uma fusão íntima do intervenientes, como se de um processo de alquimia se tratasse. Um pedaço de Tempo transformado em verdadeira Arte Real. Findo que foi este momento e no trajecto de volta, o elemento masculino encerrou-se num mutismo avassalador e desde então nunca mais foi o mesmo. Enclausurou-se no meio uma massa protectora chamada casulo, construída de vários materiais, que permitem aos seres humanos sentirem-se em completa segurança - pensam eles.
E ela esgotada com a frenética actividade e alteração química a nível psicossomático permitiu de um modo involuntário que os seus circuitos se desintegrassem e ardeu ali mesmo pulverizando-se na poeira estelar.
- Foi assim que surgiu a Via Láctea, pedaços de emoções perdidas no espaço.
- Actualmente quando olho o vasto azul pontilhado de luz, recordo-me de mim sem saber onde pára o corpo que perdi algures no Cosmos!

22 novembro 2009

Serotonina

Serotonina

Um íntimo furor deixa escapar o desespero, mas mal consegue acalmar as batidas surdas de um coração que atordoa o cérebro.
Atrás da porta, depois de tantos passos furtivos, treme, será de medo?De súbito, pára pensando, que não consegue distinguir coisa nenhuma , como se estivesse relendo por mais de mim vezes e outras tantas assim, as palavras que joga ao vento. Aquelas mesmo que ele mandou em jeito de recado por umas quantas ondas escoadas pelo cabo de fibra coaxial . E o pensamento transforma-se à medida em que lhe varia o humor entre o racional e o irracional!
Do outro lado sempre o mesmo vulto fustigado e distante, em cujo ar de espanto transparece a irritação. Agora, já distante das palavras, que nada mais valem , perderam o sentido diante de tanto desvario que retine ao sabor do acidental, oscila ao sabor das intempéries que permeiam uma sucessão de dias infelizes, em altos e baixos típicos de uma personalidade arquejante quando se vê encurralada diante da própria sombra, o que resta é acreditar que o verbo cria a imagem, que a mente cria o desejo inconfessado e aprisionado dentro de si própria, para sem mais indagar, possa declarar que todo o artifício, qual síndrome, é contra o equilíbrio.No espelho do desespero, revê-se o enigma, e não se consegue visualizar onde termina a moldura e começa a imagem, não se sabe quem possa desvendar... A família, talvez, e um médico psiquiatra, quiçá, possam ajudar. Quem sabe umas quantas pílulas que lhe reponham a serotonina !
Pois quem sabe!
Mas se ninguém lhe responder, resta-lhe o velho ditado popular “ Quem está mal, mude-se”!
Tudo isto porque…..As pessoas são surpreendentes às vezes, entre um egoísmo e egocentrismo quase a tocar a insanidade, acabam por demonstrar a falta de delicadeza dos sentimentos, e misturar no mesmo saco de lixo todos os momentos em que foram realmente enganadas, com aqueles outros, que não precisariam de ser dissimulados.

20 novembro 2009

Carta à Igreja em Laodiceia

Existe em mim uma forma de anjo
que luta incessantemente
contra o dragão
Mas continuo sem asas de águia
até que aprenda a dominar o corpo
que à luz deu tal varão.

Entre selos e trombetas, fenece
o fruto que tanto apeteceu
um rio de água cristalina
abre as portas do céu.

Feiticeiro impuro
rasgas em mim
desejos insanos
tudo está feito
o Alfa e o Omega
O principio e o Fim.

Sempre existirá um lago
que arde com fogo e enxofre
apenas a ti caberá
escapar de tão triste sorte.

Lê-me ,
A besta emerge da terra,
por onde fugi um dia
Parece cordeiro com chifres
de touro.
Queimaste-me a alma, roubaste-me
o espirito a golpes de espada.
Deixas-te-me assim amaldiçoada .

18 novembro 2009

Mar

"Porque o melhor, enfim,/É não ouvir nem ver.../Passarem sobre mim
E nada me doer."
Camilo Pessanha

Mar,
que rolas incessantemente
imensa chama fria que arde
assim aos pés da gente
num lusco-fusco de marés
que nos embalam docemente.

Luzeiros á noite pela praia fora
pelo mar dentro
mágicas rendas finas
de ondas tecidas
transportam o brilho
das estrelas caidas.

E só as tuas águas
me apagam a febre fantasma,
que em ondas
revoltas, me vai afogando
e o estertor começa
na água morrente
pela noite fora
Traz-me o mar de rojo
aquele que me devora
como uma serpente.
@

11 novembro 2009

Loucura do Interdito

O Discurso é filho do Amor
Nasceu belo e magnifico
Nessa terra da loucura,
em que o Eu não era eu
onde o Imaginário perdura.

Hoje sei, que escrevo ,
não para ti, que és o Principio
que não me fará nunca ser amado
porque o discurso, esse sim
estará sempre
inacabado.
E ao contrário de mim,
a escrita nada compensa
apenas no começo desta
como algo sublimado
e só está onde não estás
ou seja, em mais nenhum lado

Tudo se representa assim ,
eterno conto inacabado,
um cenário de fantasmas,
que sempre me incomodam
ainda mais do que os meus.
Porque são fantasmas teus!
Chocam-me sem cessar
colidem com a capacidade
de te poder recriar,
Neste discurso, nascido
da angústia de te amar.

Eu de um lado
Tu do outro
e no meio
o modo presente
amo-te
sem Verbo infinito
frase-palavra
que soa apenas num grito.
Só assim fará sentido
na loucura do interdito.

10 novembro 2009

vai o tempo fugindo; entre amarguras e sonhos
sem que a vontade efective o desejo
de sorver com loucos beijos
os teus làbios cor de morte
Aquela enorme frieza, desse corpo tumular
merecia melhor sorte
do que este breve findar.
@
------------
As tuas mãos tão brancas d'anemia...
os teus olhos tão meigos de tristeza...
- É este enlanguescer da natureza,
Este vago sofrer do fim do dia.*
*CP

02 novembro 2009

Simulacros de uma verdade rasurada

Guardo na memória
restos de uma cartografia simulada
simulacros de uma verdade rasurada
caminhos do efémero
onde não encontrei nada.

E.... como dizia, não Pessoa, mas David
"Por vezes as noites duram meses
E por vezes os meses oceanos
E por vezes os braços que apertamos
nunca mais são os mesmos E por vezes
encontramos de nós em poucos meses
o que a noite nos fez em muitos anos (...)"

Agora, quanto mais te desfaço, mais
a morte chega em mim.
é tempo de iniciar
este começo do fim.

30 outubro 2009

Asas

De tanto gritares e não conseguires
fazer-te ouvir
transformaram-se as tuas mãos
em asas para me fazeres sorrir
À noite fecho os olhos,
e da minha janela da alma
convido-te a voar comigo
aos locais onde sempre
quisemos ir.
E nessa forma sonhada
surge a o teu riso
num vulto de coisa alada
e acordo já tão tarde
sentido-me assustada
por saber que ganhaste asas
e no meu sonho
partiste de forma inesperada.
Logo, mais à noite
vou-me preparar
para outra jornada
Transformar as minhas mãos
em nada.
Assim , sem mãos já não sonho
porque a poesia ficará
por dizer, aqui
dentro do meu peito fechada!
Voaste para tão longe,
como conseguiste tu deixar-me assim
abandonada?
para que serve ter asas ou mãos
se subiste tão alto e não me levaste
contigo?
Já me chamam desterrada,
Quisera eu ser assim
forma eternamente alada.

26 outubro 2009

Memórias

Nascem na memória
imagens de metades perdidas
Cortadas ao meio,
Estranhamente divididas
por um fino esteio,
cruéis imagens feridas
Espécie de teia emaranhada
Uma voz que ecoa, distante
Que corta
Ecoa , absorta , magoada
vidro cinzelado a diamante.
Efémera recordação ,
Lamparina flamejante
Lançando sombras no chão
Onde se recorta, intacto
O teu vulto flutuante

E por vezes as memórias
Atraiçoam, sem saber
Se lembramos hoje
O que vivemos ontem,
Se o ontem não existiu
Que lembranças ficarão?
Do que não foi vivido
Por não existirmos hoje
Na nossa recordação
Nas memórias que fingimos
Deixar o tempo roubar
Qual bicho que nos devora
Este nosso imaginar
Até que virá um dia
Em que a memória se vai
Para um qualquer lugar
E nos deixa tão sós
Sem nada para recordar.

25-10-2009

20 outubro 2009

Sonhos

Sonho às vezes , sonhos impossíveis
Coisas de menina, que não cresceu ainda
Sonho a saudade que sinto
De não te sentir assim
Poder deitar a cabeça nos teus braços
No teu aroma de jasmim.
Sonho que chegas no teu cavalo de pau
Chegas inteiro, no silêncio das grandes noites estreladas
para me leres um velho conto de fadas.
Sonho que me abraças como se fosses a corda
E eu pião ou a tua bola colorida.
Aquela que , mais do que tudo, tanto gostas de rolar.
Ficamos ali, devagar, parados, entre sombras
Sentindo a dois , aquele imenso abraçar.
Então, uma onda suave nos invade
Como se não existisse mais nada
Como se tu fosses remo e eu a tua jangada.
E remamos os dois juntos, no mar calmo
Sem parar.
Avanço de proa erguida, sentindo o teu remar
Sempre em redor de nós, onde me irás abraçar
Até ao dia final em que o sonho se acabar.
Uma onda rolará, revolvendo o côncavo
Do meu peito a palpitar.
E no dorso curvo dos montes
Negro corcel me irá arrebatar
Agitando as longas asas
Quebrando os ninhos em flor
Acordarei do meu sonho
Num pesadelo de dor
Eu que não queria sonhar
Não queria adormecer
Sinto um cortejo sinistro
Que me vem ver a morrer.

19 outubro 2009

História perdida

À noite, quando as luzes se apagam, perfilam-se nas prateleiras longas vultos alinhados militarmente , um enorme exército que silencioso comunica entre si .
Havia já algum tempo que me apercebia de tais movimentações e pela manhã notava , que alguns deles tinham alterado o lugar que lhes tinha sido destinado. Dispus-me a ficar de atalaia servindo-me de alguns auxiliares de vigilância.
Na primeira noite, munida com um longo fio de linha cor de café com leite, tratei de marcar algumas dessas prateleiras circundado-as de modo a que ficassem aprisionadas.
Esperei ansiosamente os primeiros alvores do dia que se anunciava cinzentão e desci, pé ante pé, pela velha escada de madeira, que rangia contra a minha vontade; do meu interior saia uma voz que lhe ordenava a ela que se calasse que não rangesse mais a velha tábua carunchosa – tinha de a mandar substituir, mil vezes o tinha pensado e outras tantas o tinha adiado - e que me deixasse, agora também eu uma espécie de clandestina a coberto da madrugada, subrepticiamente introduzir-me no meio do exército aparentemente emudecido.
Finalmente consegui aterrar no sofá de couro , envelhecido pelo uso e cheio de longas estrias claras que lhe sulcavam a pele – até lhe ficavam bem, davam-lhe um certo ar de imponência, aquele que apenas quem percebe dessas coisas de rugas sabe avaliar o que significam e como tal , entende de modo particular o superior significado e designio das mesmas.
Dediquei-me então a olhar com atenção, indagar quem se tinha deslocado do respectivo lugar, inquiri as quotas, os espaços vazios, que a cada noite que passava aumentavam a negra volumetria , fazendo lembrar enormes bocas escuras, desdentadas, prontas a tragar quem por ali passasse desprevenido.
E, não é que faltavam ali mais uns dois ou três exemplares raros?!! Belas capas de cor de carneira, com ferros dourados tinham desaparecido – mas para onde???
Na prateleira do fundo, aquela que tinha as almas guardadas dos escritores de última flor de Lácio, tinha sumido uma edição rara dos Lusíadas e mais além uma outra, com o testemunho de uma vida passada nas Áfricas acabava de cair em combate, espalhada no chão, as páginas outrora ilustradas com gravuras, agora arrancadas, jazia por terra horrivelmente mutilada.
Quedei-me muda, tal era o meu espanto, sem reacção no corpo que se deixou abater no velho sofá de couro, afundei-me então em pensamentos; quem seria o traste, o bandido que ousava assim enfrentar os meus domínios e roubar-me as almas dos que há muito tinham partido e tinham sido confiadas à minha guarda?
As longas linhas cor de café com leite , algumas delas, haviam sido quebradas, outras mantinham-se intactas. Algum corpo se tinha introduzido na sala e tinha roubado mais do que bom par de almas mudas e silenciosas e, eu não sabia como!!!
Mas ...eis que... numa modesta prateleira, já lá mais para o fundo, estava um livro que eu nunca houvera visto, sem quota, um estranho exemplar assim como se fosse uma alma recém -chegada, com capa de cor creme, algo acetinada, uma espécie de veludo, com uma rosa carminada a ilustrar o frontispício; peguei-lhe delicadamente , abri tentando identificar o autor da curiosa prosa que se adivinhava de inicio numa magnifica escrita cortesã , letra pequena, vistosa e elegante.
De imediato percebi que tinha ali a chave do enigma.
Narrava então – e com isto perdi duas noites lendo hipnotizada – a paixão do autor , bibliófilo – pois está claro – e todo o processo em como se tinha tornado um elzeviromaníaco, procurando sofregamente edições realizadas pelos Elzevier e sonegando como se de um cleptomaníaco se tratasse, as almas dos que á minha guarda tinham ficado.
Esta é a história de uma história perdida , que diz respeito a todos quanto amam os livros, aos que tem prazer de os abrir, de lhes sorver o aroma, esse perfume inconfundível que se solta do seu interior , uma espécie de espirito que vive em cada livro e nos narra maioritáriamente na primeira pessoa entre silêncios , sons e imagens que nenhum de nós poderá jamais viver, porque não são as nossas experiências mas sim, os testemunhos de quem para sempre viverá entre mil folhas de papel, exército silencioso e vivo perfilado militarmente nas prateleiras de cada casa que nem a poeira dos tempos fará silenciar.

16 outubro 2009

A nossa Hora.

Às vezes imagino-te assim
A dormir no meu vale claro
Apertado entre dois montes
Aconchegado entre mim

No horizonte passeia o sol
Já quase deitado em nós
Devagar desaparece
Entre a vertigem do espaço
Um momento que não esquece
Então tudo é simples,
De uma imensa calmaria
E nos teus olhos eu vejo
Brotar toda essa magia
Um brilho de menino doce
A sorrir no meu regaço
Ao longe o casario
Entre quintais floridos
A colorir este espaço

E sonho, nesse delírio
Desde a noite até ser dia
Que os meus cabelos te cobrem
Ondulando no teu corpo
Uma estranha melodia
Em que vibramos os dois
Em que te perco e te tenho
Ao achar tão perto assim
O teu olhar já perdido
Em ondas dentro de mim.

Sou assim, diante da paisagem
Alguém que te vê
Como aguarela colorida
Que prende sem saber porquê.

Há agora nos montes ondulados
Um cansaço imenso de chover
Todos reclamam as gotas
Que nos fazem renascer
Como as flores , secas curvadas
Que se abrem de par em par
Assim é o meu corpo
Quando o teu por mim passar.

16_10_2009

Um país de Poesia

Às vezes sonho com um país de Poesia
Praças cheias de rosas
Praias cheias de maresia
Um novo mundo sem mal
Corpos feitos de cristal
Sem me falares das desgraças
Nem de contos de loucura
Uma terra em tons dourados
De espigas a bailar
Papoilas no areal
Como se magia fosse
Ver tingir de rubra cor
Este meu pobre país
Que a cada dia que passa
Se torna mais infeliz.

Pela hora das trindades
Tocavam sinos docemente
Havia o pão e as rosas
E um sorriso ficava
Nos lábios de toda a gente.

Mas...tudo fenece rápido
Com a chegada dos tais
Que em meu nome e no teu
Dão cabo deste ideal
E nos transformam a nós
Em triste cortejo de ais.
Moribundo Portugal!

14 outubro 2009

Borboletando

Ele há coisa mais bela
Do que a beleza da poesia
Quando pousa com asas de borboleta
Numa folha de papel?
Uma alegre sinfonia!
Imaginai agora...
Que a poesia tem cor
Tem som
Movimento
Ah! Pois! e tem dor
Dizem-me ao ouvido,
Os meus secretos fantasmas.
Movimento de ondas partidas
Largadas, perdidas.
Som de trovão a bramir
No mar!
Espécie de tropel
Cavalos alados a poisar
De mansinho
Na minha folha de papel!
Voai mais um pouco...
Além...ali
Onde um desejo fatal de pertencer
Mesmo assim a quem tanto nos faz
Sofrer.
Que nunca está lá!
Apenas as asas de borboleta,
pousam com encanto
Num fio dos teus cabelos prateados
E solta-se a magia
Da poesia
Em movimento
Enquanto os meus olhos reprimem
Violentamente o pranto
Todo o sentimento.
Prontos a fugirem
A qualquer momento
Rebentar os diques
Inventar os bosques
Sem terra queimada
E sonho-te assim
Poesia inventada.

Ausências.

Não sei escrever sobre a ausência da cor
Que quase sempre vejo nos teus olhos
Empalidecidos, de tez translúcida
Onde jaz sempre espelhada a dor.
Pudesse eu , insuflar-te na alma
Uma fonte dolorosa e sagrada
Que te iluminasse e sentisses
Como eu anseio ser amada.

Abrasas-me assim, lentamente
Neste torpor sem luxúria
De não te poder sentir
Minguo nesta penúria
Rasgando o senso comum
De abandonares o teu corpo
E sermos apenas um!


Ressoam, ecoam em mim
O Ar, a Luz e a Cor
Mas ando triste, solitária
Eu só te tenho na Dor.

È só na Dor que te tenho
Na dor da incompreensão
Perco-me de mim em ti
Nesta estranha solidão.

O Outro

Vão para ti, amor de algum dia,
os gritos rubros da minha alma em sangue;
vives em mim, corres-me nas veias,
andas a vibrar
na minha carne exangue!

Mas, quando nos teus olhos poisa o meu olhar
enoitado e triste,
vejo-te diferente...
Aquele que tu eras, e que eu amo ainda,
perdeu-se de ti
...e só em mim existe!


Poema de Judith Teixeira, ed. &etc; 1996, que nos idos tempos de 1923, foi apelidada de "desavergonhada" ao corroer os Santíssimos Costumes da PÁTRIA LUSITANA ( AO TEMPO REPUBLICANA E LAICA E DEMOCRÁTICA) .... o gOVERNADOR cIVIL DE lISBOA, AÇICATADO PELA ALTA BRIDA DE UNS QUANTOS ESTUDANTES CATÓLICOS, SEDENTOS DE MÃO PESADA CONTRA A CHAMADA LITERATURA DISSOLVENTE QUE INUNDAVA OS ESCAPARATES, FAZ CREMAR, ENTRE OUTROS EXEMPLARES DAS cANÇÕES DE ANTÓNIO BOTTO E RAÚL LEAL.
ACTUALMENTE A CREMAÇÃO FAZ-SE DE MODO MAIS DISCRETO....

12 outubro 2009

A Louca da Casa

Eis que nascem tortuosos
estes versos feitos a dormir.
Acodem-me ao pensamento
Torturo-me para os refundir!

Desolada diante do papel
sem conseguir enegrecê-lo a tinta
Impaciente sinto-me vazia
Mente rigida esta que não pinta.

Largo-te pena que emperra!
Louca da casa que te escondes
em mil cantos pelejando
crença esta enluarada
solta no vão da janela
onde a razão se esconde
onde apenas se esconde Ela!

Hoje retoco aqui,
amanhã corrijo ali.
Mudo palavras, corto frases
num verdadeiro estertor
uma manta de retalhos
vazio ausente de cor
E a louca troça de mim
gargalhadas estridentes
ecoam pela casa fora
pelo negro corredor
onde surge , lá ao fundo
um fantasma inquisidor
que me acusa sem parar
de lhe ter matado o génio
de lhe ter criado a dor
de cada palavra escrita
afogada neste mar
de escura realidade,
Triste sina esta desdita!

28 setembro 2009

Não voltarei a esse corpo

Não voltarei a esse corpo;
e não sei
se aqueles que o vestiram antes e depois
de mim souberam nele o verdadeiro calor e lhe conheceram os perigos,
os labirintos,
as pequenas feridas escondidas.
Não voltarei provavelmente a sentir a respiração palpitante desse corpo,
desse lugar onde as ondas rebentavam sempre crespas junto do peito,
do meu peito também,
às vezes.
Uma noite outro corpo virá lembrar essa maresia,
o cheiro do alecrim bruscamente arrancado à falésia.
E eu ficarei de vigília para ter a certeza de quem me recolheu,
porque os cheiros tornam os lugares parecidos,
confundíveis.
Quando a manhã me deixar de novo sozinha no meu quarto trocarei os lençóis da cama por outro, mais limpos.

Maria do Rosário Pedreira
Nasceu em Lisboa em 1959. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Universidade Clássica de Lisboa. Foi professora de Português e Francês durante cinco anos, actividade que a influenciou a escrever para jovens. Ingressou posteriormente na carreira editorial, desempenhando actualmente as funções de editora. Publicou poesia, ficção e literatura juvenil. Recebeu os prémios Sebastião da Gama, Poême, Maria Amália Vaz de Carvalho, Verbo/Semanário e uma menção honrosa no prémio Ruy Belo

21 setembro 2009

Fragmentos de um discurso

Quanto mais amo o desejo
Menos o posso dominar
Tantos corpos que desejo
Apenas a um posso amar.

Terrível dilema este
Amar o amor e,
Não saber se te amo a ti.
Sopro de palavra perdida
Alma doce e pervertida.

Choro-te ó musa ilusória
Renuncio-te em luta violenta
Contra mim própria inflijo
Todo o Imaginário da tormenta.

Onde está a Verdade deste mundo?
Aquela que me electrizava?
Sonhei-a mais que a vida
Muito mais do que o ar que respirei
Deixei-me armadilhar
Ao procurar-te eu sufoquei.

Sonhei-te assim, como se a tua pele
Fossem palavras,
Sempre que te ouvia, me via a mim
Em ti
Envolta na emoção dos significados.
Não te escreveria desta forma
Se existisses e me tocasses
Não serias uma alocução secreta
Exorcismo de todos os pecados.

29 agosto 2009

Árvore



Algures, nasceu já
a árvore que te acompanhará
no finito da tua existência.

Negros pássaros esgaravatam
serenos, à sombra dela.
Alta e frondosa
Tão verde e bela.

Ergue-se altiva
ondulando na brisa
envolta em paz.
Silêncio, missiva.

Negros pássaros, melros
de canto atrevido.
Partirão um dia
em tempo devido
sem a sua sombra
e sem alarido.

Mas tu..oh tu não!
Terás que merecer
terás que sofrer
em cada pedaço
e vê-la crescer.

Uma àrvore frondosa
abatida a golpes
de máquina impiedosa.
Feita para ti.
à tua medida
emoldurando o corpo
na fotografia
para a posterioridade.
Só ela te acompanhará
fiel e cativa, mas em liberdade.
Dando-se e vindo
sabe-se lá de onde.
Como eu que fui
e não regressei
da viagem a que me aventurei.
Perdi-me na ida.

Encostei-me à sombra dela.
E juntas , chorámos abraçadas
eu queria ser árvore.
ela queria ser eu,
Apenas para te sentir
vivo.
Para que fosses meu.

26 agosto 2009

O infinito da pequenez

Sentir a água que escorre
Da vieira marmoreada
Ter ainda
Alma de fada.

Sobretudo acreditar
Em pedaços de lua
Farrapos de luar
Cavalos de pau
Que nos faziam sonhar
Brincar
Com as tranças da liana
Doce balouçar

Bonecas de olhar azul
Mudas, quedas de espanto
Magia que transforma
A brincadeira em encanto.

Pequenos seres
Que deixámos de ser
Olhando os gigantes
Passeando-se
Na floresta de diamantes

Flores vermelhas
Na toalha de mesa
Estilhaços da nossa tristeza

Infância distante
Onde tudo eu via
Sempre tão gigante
E eu, tão pequena
Mas acreditando
Nesta pequenez
Infinita e pura
Mal sabendo eu
Que Vida tão dura!

O infinito da pequenez

Sentir a água que escorre
Da vieira marmoreada
Ter ainda
Alma de fada.

Sobretudo acreditar
Em pedaços de lua
Farrapos de luar
Cavalos de pau
Que nos faziam sonhar
Brincar
Com as tranças da liana
Doce balouçar

Bonecas de olhar azul
Mudas, quedas de espanto
Magia que transforma
A brincadeira em encanto.

Pequenos seres
Que deixámos de ser
Olhando os gigantes
Passeando-se
Na floresta de diamantes

Flores vermelhas
Na toalha de mesa
Estilhaços da nossa tristeza

Infância distante
Onde tudo eu via
Sempre tão gigante
E eu, tão pequena
Mas acreditando
Nesta pequenez
Infinita e pura
Mal sabendo eu
Que Vida tão dura!

O infinito da pequenez

Sentir a água que escorre
Da vieira marmoreada
Ter ainda
Alma de fada.

Sobretudo acreditar
Em pedaços de lua
Farrapos de luar
Cavalos de pau
Que nos faziam sonhar
Brincar
Com as tranças da liana
Doce balouçar

Bonecas de olhar azul
Mudas, quedas de espanto
Magia que transforma
A brincadeira em encanto.

Pequenos seres
Que deixámos de ser
Olhando os gigantes
Passeando-se
Na floresta de diamantes

Flores vermelhas
Na toalha de mesa
Estilhaços da nossa tristeza

Infância distante
Onde tudo eu via
Sempre tão gigante
E eu, tão pequena
Mas acreditando
Nesta pequenez
Infinita e pura
Mal sabendo eu
Que Vida tão dura!

22 agosto 2009

Petrarca - Soneto XXII



Soneto XXII

S’ amor non è, che dunque è quel ch’ io sento?
Ma s’egli è amor, per Dio, che cosa e quale?
Se buona, ond è effetto aspro mortale?
Se ria, ond’ è si dolce ogni tormento?

S’a mia voglia arado, ond’ è ‘I pianto e ‘I lamento?
S’a mal mio grado, il lamentar che vale?
O viva morte, o dilettoso male,
Come puoi tanto in me s’io nol consento?

E s’io ‘I consento, a gran torto mi doglio.
Fra sì contrari venti, in frale barca
Mi trivo in alto mar, senza governo,
Sí lieve di saber, d’error sí carca,
Ch’ i i’ medesmo non so quel ch’ io mi voglio,
E tremo a mèzza state, ardemdo il verno

♥ ♥ ♥

Soneto XXII

Se amor não é qual é este sentimento?
Mas se é amor, por Deus, que cousa é tal?
Se boa por que tem acção mortal?
Se má por que é tão doce o seu tormento?

Se eu ardo por querer por que o lamento?
Se sem querer o lamentar que val?
Ó viva morte, ó deleitoso mal,
Tanto podes sem meu consentimento.

E se eu consinto sem razão pranteio.
A tão contrário vento em frágil barca,
Eu vou para o alto mar e sem governo.

É tão grave de error (1), de ciência é parca
Que eu mesmo não sei bem o que eu anseio
E tremo em pleno estio e ardo no inverno.

Fransesco Petrarca ( 1304-1374)

Tardes caídas.



Tarde ociosa
em declínio.
Areia molhada, macia.
Figura silênciosa
vulto que se perdia.
Agonia lenta, vazia
vai vestindo, devagar
a imensa praia-mar
com aromas de maresia.

Arriba fóssil
avança , densa
em negrume a transbordar.
Fatídica vaga
a trespassar o mar,
horizontes longínquos
de estrelas a brilhar.

12 agosto 2009

Barco perdido.


Na linha do horizonte,
Navegava um barco perdido
Asa de pássaro ao vento,
Memórias de um tempo ido.
Espuma desfeita em sonhos
Violência no embate
Rocha partida no cais
Casco de um coração
Abandonado em combate
ao ter perdido o arrais
No meio da ilusão.
Barco descomandado
para além daquela margem
nunca mais serás navio
nunca mais serás viagem.

27 julho 2009

O combóio

Segue a alma, inquieta
Ao sabor do condutor
Em arremesso constante
Numa paisagem tremida
Que nos faz ficar para trás
Pedaços de uma vida.

Ainda não chegámos lá
E já sentimos, dormente
A saudade da partida
Espelhada no cristal
Uma sombra surge
Refundida e tripartida
O tempo rola a correr
Entra a lembrança na treva
Para mais à frente ofuscar
Em arrozais e searas
Com o vento a murmurar
Pouca-terra, pouco-mar.
Ainda não chegámos lá.
E o Tempo sempre a correr
Que Saudade sinto agora,
Alma em fogo, vai marcando
Uma estrada pelo caminho
Espécie de éter volátil
Que percorre o seu destino
E o Tempo sempre a correr.Pouca-terra, pouco-mar.
Ainda há pouco parti.
Tenho urgência no chegar.

17 julho 2009

Poemas de Amor e Vida

A ave domesticada vivia numa gaiola. A ave livre vivia na floresta.
Encontraram-se um dia. Era do seu destino.
A ave livre grita: “Ó meu amor, voemos para a floresta!”
E a prisioneira murmura: “Vem cá tu dentro, viveremos juntas.”
A ave livre diz: “Como posso entre grades estender as minhas asas no frémito dum vôo?”.
“Ai de mim, diz a outra, onde encontrar eu poiso na vastidão do céu?”
A ave livre torna: “Ó meu amor, entôa, os cantos das florestas!”
E a prisioneira diz: “Ficai junto de mim. Ensinar-te-ei as canções que aprendi.”
A ave da floresta, responde: “Não! Não! Os cantos não se ensinam!”
E a prisioneira: “Ai de mim, não conheço os cantos da floresta!”.
O amor e o desejo, vão par a par no seu peito, mas nunca poderão voar juntas, a par.
Contemplam-se através das grades e em vão procuram conhecer-se uma à outra.
Batem as asas, queixosas e cantam:” Vem mais perto de mim, meu amor!”
A ave livre diz: “Não posso, tenho medo das portas do teu cárcere.”
E a prisioneira chora: “Minhas asas morreram já não sabem voar!”.

In Antologia de Autores Portugueses e Estrangeiros; Poesia de Rabindranath Tagore ; Ed. Confluência.

14 julho 2009

"Aquele" ser Humano na entrada do Metro do Rossio

Ignoro o seu nome, mas adivinho-lhe as dores
Todos os dias o olho, todos os dias o vejo
Abandonado e perdido, dele próprio
E dos outros, que deixaram que se perdesse.
Deitado sobre a sombra fresca
Dos corredores da cidade, entranhas do sub mundo
Estéril matriz, que vomita vazios de solidão
E eu fugitiva desse apelo, não oiço o silêncio do grito
Vou passando em intermináveis silêncios
Esperando que o destino mude o rumo
Juntos na dualidade/simbiose homem/cão
Ambos desditosos, ambos a pedir atenção
Deixam passar os homens, enquanto a noite
Avança em segredo, e as estrelas se abatem sobre eles.
Quantos pensamentos? Quantas lágrimas?
Quantos abraços ao cão?
Por não poder abraçar mais ninguém
Sozinho, sem pai e sem mãe,
Adormece, embalado pelo vento
Esquecendo a solidão.

13 julho 2009

Memórias

Tenho guardado no meu bolso
Um bocadinho do rio
Umas gotas do oceano
Mil brilhos
Ondulações
E este som do piano.
Eco de velhas canções
Uma canção azul
Com o brilho do luar.
Uma outra
Em tons de verde
Que me fazem recordar
Duas asas lado a lado
Num alegre esvoaçar
Andorinhas junto ao chão
Em alegre chilrear
Anunciando o verão
Que teimava em chegar.
pensava eu...que chegava
Mas nunca chegou a vir
Restaram-me as memórias
Das andorinhas , ao partir
E um pedaço de estrela
Que em cada noite roubo
Para me alumiar a alma
Baú de velhas memórias
Onde conservo a vida
Guardada em papel de seda
Com saquinhos de alfazema
E no meu bolso
Escorre o rio, o riso
A fonte, o pranto
Afogo-me em tanto mar
Que nenhum lenço de mão
Consegue fazer secar.

13-07-2009

Eros, Agape e Philia

"Amor: eros, agape e philia
Na sequência do texto Amizade versus Amor e do comentário que fizeram a gentileza de postar, voltei novamente ao tema deixando aqui um texto que encontrei no blogue "B-Logos", do Walter Neto que achei bastante interessante e que serve para comentar o Homem sem Sombra ....mais tarde voltarei ao tema...."Perdi o sono a pensar (melhor dizendo – viajando) sobre o que seria esse tal de amor. Difícil definir algo que se sente mais do que se fala, que se sonha mais do que se vive, que se deseja acima de um querer simples e imediato. A principal dificuldade está exatamente em que o amor não é algo concreto. Enquanto sentimento ele é abstrato, alguns alegadamente dizem ou imaginam que seja até elevado. Os nossos avós culturais – os gregos – tinham três palavrinhas para definir amor. O amor, para eles poderia ser amor-eros, aquele amor sensual, possessivo, egoísta. Eros é o amor que a sacerdotisa celebrava no templo em êxtase sensual. Eros, era portanto homenageado por uma mulher que se prostituía. Era o deus que não exigia sangue, mas o acto sexual que ali se transformava em acto religioso.No outro extremo, existia o amor-agape. O amor voluntarioso, sagrado, imaculado. O amor-agape é um amor que sai de si mesmo em beneficio do outro. É o amor que pode até negar o amante, desde que afirme o amado.Os primeiros cristãos tomaram agape emprestado e o fundiram na imagem de Jesus de Nazaré. A imagem do homem (ou Deus como desejarem) que se nega a si mesmo, toma uma cruz e morre perdoando é materialização de agape. Agape é perdão, aceitação, serviço em favor do outro, negação de si mesmo, amor incondicional, amor angélico. Tão angélico que se torna amor distante da nossa humanidade imperfeita.Entre agape e eros, os gregos percebiam um terceiro tipo de amor. Philia é o amor amizade, o amor bem querer, nascido da simpatia mútua e crescido na fidelidade. É o amor que tem algo de altruísmo no bem querer e algo do egoísmo ao exigir algumas condições para esse bem querer. Philia estende-se para além do humano e ama até o inanimado e o abstrato. Assim, fala-se em amor à liberdade, amor ao ideal. Como exemplo disso, Platão chega a afirmar que o filósofo é aquele que ama (philia) a verdade.Mas serão eros, agape e philia três amores distintos como distintos são os termos gregos para designá-lo?O ponto de vista que pretendo demonstrar aqui é que não. Todos esses termos são dimensões ou condições psicológicas de um mesmo e único amor. As barreiras que impedem o trânsito entre um e outro não são factuais, são meramente construções culturais interiorizadas sem uma reflexão mais profunda de nossa parte.O amor-philia, da amizade entre pessoas de sexos diferentes ou não, pode facilmente transitar a amor eros na concretização de desejos sensuais, empurrados para baixo do tapete por toneladas de cultura repressora. São desejos que existem – portanto reais - apesar da nossa vontade de vê-los como impuros. Assim, não se devia perguntar: estamos confundindo as coisas? Não há confusão alguma! São apenas três dimensões, ou termos, para o mesmo e único amor. Ao contrario, deveríamos perguntar: estamos transitando no nosso amor?Já consigo ouvir uma objeção a esse meu pensamento. Essa objeção seria a de que quando se “confunde” philia com eros a chance de se perder a philia, ou seja, de se jogar uma bela amizade fora, é gigantesca. Insisto que não seja assim porque o trânsito entre um e outro é bidirecional. Tanto se vai da amizade ao sensual quanto do sensual para a amizade (não é o segundo caso que acontece tanto em relacionamentos que, após vários anos, perde completamente a paixão sem perder o afecto?).
O único impedimento para esse trânsito é somente o nosso medo adolescente de não termos maturidade suficiente para continuar aceitando o outro sem as cobranças de posse típicas do eros. Nesse caso realmente fica difícil manter um amor-amizade com base no transformar o outro em algo a ser possuído como “meu”. Como eu disse anteriormente, isso, no entanto, não é um impedimento real, mas uma degradação do amor para o lado ruim de eros (esse lado ruim não é de forma alguma o sexo – mas a posse).O trânsito entre philia e agape penso ser ponto pacífico. Por isso não gastarei linhas com esse.Resta-me analisar o trânsito entre eros e agape. E que maravilhoso exemplo desse trânsito nos dão aqueles casais simpáticos de idade avançada sentados no banco da praça a conversar, andando de mãos dadas pela rua (mãos que se deram em philia, eros e agora encontram agape). Esse exemplo, entretanto, não é exclusividade de casais com uma longa vida a dois, mas de casais que amadureceram seu amor da posse à doação. Não é privilégio de casais velhos, mas de casais maduros que conseguiram alcançar a plenitude do amor em eros, em philia, e em agape, abolindo o lado ruim de eros (a posse), de agape (a negação do eu), e de philia ( a superficialidade).Casais maduros são o melhor argumento (a guisa de prova) que posso dar da unicidade do amor nas suas três dimensões.Apesar de termos os nossos momentos de cada uma destas dimensões, penso que o ideal é mantermos a vontade de, no todo, vivermos um amor pleno. Amor esse que não será jamais conquistado sem muito suor e, quem sabe, algumas lágrimas, mas que recompensará nosso coração igualmente carente de afeto, doação e sensualidade."

10 julho 2009

Mamã!!!.....
Já sei onde acaba o céu! Acaba onde começam os países!!
( Da autoria da minha sobrinha fada Oriana com 5 anos)

Ectoplasma ....

Descobri-te ansiosamente
Entre olhares mudos
Olhares de silêncio
Corri para ti e abri-te
Rèptilmente

Ondulei no teu corpo
Sem som , lentamente
Com as palavras despidas
Construi-te na mente

A sós
Comigo mesma
De punhos cerrados
Doridos, magoados
Gritando inutilmente

Apenas o som vazio
De uma forma pungente
Um deserto a arder
Imenso.....
Tecendo oásis
Entre a poeira do tempo
As palavras incendiaram-me
E a sós, exorcizei assim
mais um tormento.

10-07-2009

06 julho 2009

Renascer


Ophelia- John Everett Millais (Pintor - Ilustrador Inglês (Pré-Rafaelismo) 1829-1896)

A vida crê que nos aprisiona
Entre as margens do rio.
Criando a ilusão de viver,
Nessas margens brancas
Perdidas entre vales sombrios
Penas de amor e desamor
Como folhas que se abatem
no reflexo traiçoeiro da aguada que segue
Em direcção ao horizonte,
céu sublime, onde se cruzará
com as vagas alterosas
na linha onde nasce o Belo e o Sublime
Em tons de azul oriente.
Renasce lá a lua branca, gigante,
Ungida desde o principio da terra
Coada com fino linho do Egipto
E faz-me adormecer, sonhando
Com aloés, mirra e canela
E assim eis que morro mais um dia,
Encurtando o espaço e o tempo
Diminuindo o abismo que me separa
Dos que de madrugada me procuram
Tornando sublime nascer
sem começar a morrer .
Poder acreditar que a Verdade existe,
para me levar nas suas longas asas
Do Conhecimento da fonte eterna da Vida.

06-07-2009

23 junho 2009

Marinhas

Pintei-te em tons de azul e verde
Maresias, brisas
Ondas de tule a voar
Linho branco tingido
Com todo este imenso mar
Nunca tu soubeste afinal,
Qual o oceano que pintei
Que tesouros nele guardava
Que sonhos nele enterrei.
Daqui a muitos, muitos anos,
Séculos, uma eternidade
Um olhar irá poisar
Nesse mar que eu tanto amei
Sem nunca descobrir
Que o azul era paixão
O verde era a vida
Encerrada num caixão
Que de encontro aos rochedos
Se desfez
Em branco linho
E veio morrer na praia
Chorando muito baixinho

19 junho 2009

Miragens

Sou eterna filha do deserto
Sempre a clamar
Por uma sombra
Onde meu coração
Possa descansar.
Ergo-me ao vento
Que fustiga a carne
Deixando fios de linho
A esvoaçar.
Gritos mudos
Como almas de pássaro
Que não tem onde poisar.

As miragens espreitam
a cada olhar meu
Deitado ao horizonte
Alcançando oásis
Feitos de saudade
E o meu corpo jaz
Quase amortalhado nessa ansiedade.
Os meus olhos quietos, baços
Já sem vida, escavados na dor
São agora , apenas
Um espectro, um grito mudo
Sem eco de amor.

18 junho 2009

Pudesse eu.......

Dominar-te a ti
Ò dor
Eterna testemunha
Do tempo
Enfeixado em
Simultâneo e fraternal
Passado, Presente e Futuro
Através do tempo
Que nos leva.
Ou, seremos nós
Que o levamos ?
Guardando dentro
A partitura da vida.
Estranhas visões
Que nos modelam
Passo a passo
Iludindo-nos e,
Dominando a mágoa
Com um sorriso
Inglório
Que logo esmorece
Quando as sombras se adensam
Na estrada incerta do tempo.
Expectante fica o destino
Sabendo que lhe minto
Não realizando nunca
Mergulhada em absinto
Estonteada na loucura
De não querer ser apenas pó
Na ampulheta das tuas mãos.
E contudo, o meu velho coração
Cansado, revestido de paciência
Espera ainda
Um sopro , que realize
O milagre de te poder sentir
Acordar no resto do
Tempo que nos falta cumprir.

02 junho 2009

Veludos...



Erguera-se lentamente
Arqueando em meia - elipse
Preguiçoso
Envolto
Em veludo escuro.
Lançou no ar
Um sopro quente
Expirado
Sorveu atento
Interessado
Na noite quieta
Aromas de outros corpos
Que deambulavam,
Atentos
Sôfregos
Esfomeados
Ousando sonhar
Crateras esventradas
Onde rios cor de rubi
Morreriam
Sugados
Manchando
O veludo negro.

Saltou
Depois da dança
E aterrou
Faminto
Falhou
E novamente tentou
Cravando punhais de marfim
Afiados
Rasgando
O gemido
Que logo calou

Ao longe
Tambores
Forravam a noite
Quente.
E o céu ,
Gigantesco candelabro
Velou
A presa e o predador.
Em combate desigual
Finalmente terminou.

27 maio 2009

Amizade versus Amor

“Depende de nós praticarmos actos nobres ou vis; e se é isso que se entende por ser bom ou mal, então depende de nós sermos virtuosos ou viciosos.” Aristóteles.
A AMIZADE
A amizade é uma virtude extremamente necessária à vida. Mesmo que tenhamos diversos bens, riqueza, saúde, poder, ainda assim, não será suficiente para nossa realização plena, pois falta a essencial e indispensável amizade. De acordo com a proporção da faixa etária de cada indivíduo, a amizade apresentará uma função específica. Para os jovens ela ajuda a evitar o erro, para os mais velhos serve de amparo para as suas necessidades e suprime as actividades que declinam com o passar dos anos, porque dois que andam juntos são mais capazes de agir e pensar.

A condição necessária e basilar para se formar uma amizade dá-se pelo conhecimento de uma a outra pessoa que desejam entre si reciprocamente o bem. Segundo Aristóteles deveria existir mais de uma forma de amizade, neste sentido apresenta três espécies de objectos de amor: o que é bom, ou o agradável, ou útil.
Destes três objectos nascem três espécies de amizade. Encontra-se em situação de superioridade aquela que é motivada pelo bem, pois é duradoura. Enquanto a agradável está relacionada aos jovens e a terceira parece existir principalmente entre as pessoas mais velhas, pois nesta idade buscam não o agradável, mas o útil. Nestes tipos de amizades as pessoas buscam seus próprios interesses para terem alguém que lhes proporcionem prazer ou alguma utilidade. Não ama o amigo por ele mesmo, mas na medida em que ele pode proporcionar algum bem, utiliza a amizade para conseguir outra coisa, de modo que o amigo é tido como um meio; não como um fim. O verdadeiro amigo quer as coisas para as pessoas a quem ele ama, o amigo por acidente quere-as para si.
A amizade perfeita é aquela que existe entre homens onde existe a reciprocidade de carácter e de objectivos, consequentemente terá a tendência de ser perene.
São consideradas amizades acidentais aquelas que se fundamentam no interesse, espécie de derivada do amor como uma utilidade, e não ao outro por si mesmo, assim elas são facilmente capazes de se fragmentarem quando uma das partes cessa de ser agradável ou útil, pois existia apenas como um meio para se chegar a um fim.
Já que a igualdade é característica essencial da amizade e que ela exerce os mesmos actos também na justiça, aquele que for melhor para com o outro deverá receber mais amor, para que assim se estabeleça uma proporção.
Por outro lado, ser amado é algo bom em si mesmo, e por isso parece ser melhor ser amado que receber honras, consequentemente a amizade parece ser desejável por si mesma. Mas a natureza da amizade consiste muito mais em amar do que ser amado, por exemplo, o amor de uma mãe pelo seu filho. É dessa maneira que pessoas desiguais podem ser amigas, sendo possível a igualdade entre eles. Desta forma, a amizade que se forma entre contrários visa à utilidade.
Creio que amar assemelha-se à actividade, e ser amado à passividade: amar e ter várias formas de sentimentos amistosos são atributos dos homens mais activos.
A amizade pode cessar quando a reciprocidade de interesses é desvinculada. Esses factos ocorrem quando o amante ama o amado visando o prazer, e o amado a utilidade, e nenhum deles possuem as qualidades que deles se espera. Ou seja, nenhum deles amava o outro por si mesmo à vista que suas qualidades não eram duradouras.
Nesse sentido, os desentendimentos ocorrem quando o que as pessoas obtêm é algo diferente daquilo que desejam.



Em que difere a Amizade do Amor

Pergunta simples, mas de difícil resposta. Não pela resposta em si, mas sim porque tudo que envolve sentimentos se torna sempre difícil de expressar em palavras, em argumentos lógicos e coerentes.O que se prefere? Uma grande amizade ou um grande amor? Muitas pessoas dirão que preferem uma grande amizade, pois esta dura a vida toda. Pois bem, eu prefiro um grande amor, pois se eu creio que uma amizade é por toda vida, eu também creio que um grande amor é por toda eternidade.Mas nem sei se gosto desta separação, amizade e amor.Penso que a amizade faz parte do amor. Não existe amor entre duas pessoas sem uma amizade entre elas. Porém, também penso não ser possível uma amizade verdadeira entre duas pessoas que não se amam em alguma medida.Cabe então, talvez reflectir sobre o amor. Pois existem formas diferentes de amar, embora o amor seja um só. Amor dos pais pelos filhos, dos filhos pelos pais, de um amigo pelo outro, de um homem por uma mulher, e assim por diante. Amar alguém é tornar essa pessoa tão real quanto a si próprio. Quase sempre o nosso ego faz com que a nossa realidade gire em torno de nós mesmos. Como se fossemos o centro do nosso universo enquanto os outros ‘estão’ no nosso universo. É a sensação do ego. Amar alguém creio ser elevar a pessoa amada ao mesmo patamar no mesmo universo. É perceber, é sentir alguém tão real quanto eu.
No l Primeiro Livro de Corintios 13 (4-8): “O Amor é muito paciente e bondoso, nunca é invejoso ou ciumento, nunca é presunçoso nem orgulhoso, nunca é arrogante, nem egoísta, nem tampouco rude. O Amor não exige que se faça o que ele quer. Não é irritadiço, nem melindroso. Não guarda rancor e dificilmente notará o mal que outros lhe fazem. Nunca está satisfeito com a injustiça, mas se alegra quando a verdade triunfa. Se você amar alguém, será leal para com ele, custe o que custar. Sempre acreditará nele, sempre esperará o melhor dele, e sempre se manterá em sua defesa. Todos os dons e poderes especiais que vêm de Deus terminarão um dia, porém o Amor continuará para sempre. (...)”. Eu acredito neste amor. E vejo-o em todas as formas de amar. Amar é antes de tudo uma acção. Só se ama, amando.E a amizade? Também não incluí um doar-se ao outro sem querer nada em troca? Ser fiel ao outro sem pensar duas vezes? Estar junto em todos os momentos? Sim, é tudo isso também, tal qual o amor. Creio que posso dizer que numa verdadeira amizade existe sim amor. Um amigo pode dizer ao outro com convicção: Eu te amo. Assim como uma mãe fala ao filho.Mas então retorno à pergunta inicial: O que diferente a amizade do amor? Até aqui só parecem existir semelhanças.Uma vez existindo a certeza de que existe amor na amizade e que existe amizade no amor, falta definir de que tipo de amor me estou a referir e, querendo, encontrar o que o difere da amizade.
Então a pergunta apropriada poderá ser: o que difere, numa relação entre homem e mulher, uma amizade verdadeira entre ambos e um amor verdadeiro entre ambos (no contexto de homem- mulher )?Até onde vai este amor entre homem- mulher ? Talvez não me pareça ser maior que o Amor puro pelo ser humano (o Amor pelo próximo na percepção divina). Mas também me parece ser maior do que o amor entre amigos e o amor entre familiares. Novamente no Primeiro Livro de Corintios, na Bíblia, há também uma passagem que diz que uma forma do homem ter a certeza de que encontrou sua esposa, é quando o seu amor por ela for maior do que o seu amor por sua mãe. A mim faz-me todo o sentido. Quando amamos uma outra pessoa, com quem pretendemos casa-nos ou ficarmos juntos, então criamos com esta pessoa uma nova família. Passaremos da nossa actual família, de pais e irmãos, para a nossa própria família, onde seremos os pais. Quando constituímos uma nova família (ainda que apenas um casal) então os nossos pais e irmãos se tornam parentes, familiares e não mais a nossa família. Por isso devemos sim amar mais o nosso grande amor, nosso verdadeiro amor, do que os nossos pais, para podemos realizar essa mudança de família sem problemas.Quando isso ocorre, não há influências de pai, de mãe, de irmãos, que nos impeça de sermos felizes nesse grande amor. Ou seja, seu amor pela companheira ou companheiro é maior do que o amor pelos pais, irmãos, avós, etc. Ainda que sejam amores diferentes, há uma força maior.
Mas quando existe essa aparente incapacidade talvez surja aqui o Complexo de Èdipo /Electra, o adulto não consegue transpor as etapas normais da sua evolução, fica preso no passado, nenhuma mulher/homem, conseguirá substituir a imagem materna ou paterna. Uma espécie de limbo...Incapaz da Paixão, incapaz de sentir o Amor .E quanto ao amor na amizade? Também penso que é maior. Desde o início é minha convicção de que muitas pessoas consideram a amizade mais importante. Porém eu penso que o amor verdadeiro pelo parceiro é ainda maior. Amizade dura por toda a vida. Um grande amor dura por toda eternidade, através de várias vidas.Mas para surgir o amor, deve-se ter a amizade. Se há amor na amizade, é porque há elementos da amizade no amor. Só que há muito mais no amor entre homem- mulher . Se não o for, cairá na mesma questão dos familiares que podem influenciar um relacionamento. Amigos são importantes e podem influenciar de forma positiva sim, mas não definir um relacionamento onde existe um amor verdadeiro.Muitas pessoas acreditam que se uma relação atingiu um determinado grau de amizade, então não há como os dois namorarem e amarem-se . Eu penso o contrário. Só é possível amarem-se de verdade quando há um grau elevado na amizade, pois isso significa dizer que já existe de antemão entre essas pessoas, o outro tipo de amor, o amor da amizade, e com ele a cumplicidade, a fidelidade, o companheirismo, o doar-se, dentre outros elementos existentes no amor de um casal. É como se fosse já meio caminho andado.Pois bem, se quando há grande amizade, há mais chances de um amor verdadeiro, o que faz com que uma amizade se transforme em amor? Em que momento isso ocorre e o que faz ocorrer? A vivência é um elemento. A sintonia é outro. A percepção apurada, o despertar, o sentir a outra pessoa também. Quem não conhece histórias de pessoas que procuravam tanto um grande amor e quando perceberam que o seu grande amor sempre esteve perto, ao lado, podendo ser um amigo ou amiga? Isso ocorre muito, principalmente quando a pessoa consegue ter aquele ‘clik’. Quantos casais não começaram quando dois amigos se olharam e ‘puff’, perceberam que tinham tudo em comum, que nutriam afectos um pelo outro? Nem todo amor se inicia de uma paixão ardente. Aliás, uma coisa é paixão e outra é amor, embora haja no amor os elementos da paixão, mas não o contrário.Entendo paixão como uma intensidade muito grande, mas em desequilíbrio. O amor possui a mesma intensidade, e até maior, mas em equilíbrio, em harmonia. Não quer dizer que paixão seja ruim, claro que não. Apenas a entendo faze-la diferir do amor. Muitas amizades começaram por paixão também. Depois que este diminui, percebem que não era amor, apenas amizade. E em alguns destes casos, a amizade cresceu posteriormente e então veio o amor. Não há uma regra definida quanto ao início. Mas há quanto à continuidade, a saber: A vivência, seja para perceber o amor, seja para manter o amor, seja para fortalecer o amor.Quer dizer então que se eu me apaixonar, não vou amar? Não, quer dizer apenas que se alguém se apaixonar, isso não é amor. Vai ser preciso existir uma amizade forte, ainda que já em namoro, para que possa surgir o amor. É como se a amizade fosse um solo fértil para que o amor cresça. E as acções do dia a dia fossem regando este solo, esta semente de amor, para que cresça e fique forte.Quando existe apenas paixão, a intensidade em desequilíbrio, num casal, há sempre a possibilidade de que um simples desentendimento acabe com tudo. Isso porque um desentendimento gera mais desequilíbrio, que por sua vez não consegue ser administrado por uma força que já está em desequilíbrio, a paixão. Ao contrário do amor, que é uma força intensa em equilíbrio, capaz de entrar em ressonância com as energias em desequilíbrio que surgirem, a ponto de re-equilibrar todas elas. Conversando com um casal de idosos casados há anos e felizes, fizeram recentemente 50 anos de casamento, disseram-me que passaram por muitos problemas e superaram pois tinham o verdadeiro amor, a força intensa de equilíbrio capaz de ajuda-los a superar estes momentos. Brigaram muitas vezes, mas souberam que havia um amor ali e que isso era maior que qualquer outra coisa.E como é que percebemos que estamos de facto a amar um amigo ou uma amiga? Antes de tudo, é importante dizer que não é preciso que já se esteja amando, podemos estar propensos a amar, pode-se sentir um envolvimento tão forte, um sentimento tão forte por alguém que já é nosso amigo ou amiga, que basta um tempo de convivência, para que o amor verdadeiro eventualmente surja. Existe um ditado chinês que cabe muito bem aqui: “Cuide do seu jardim, e as borboletas virão”. É a mesma coisa. Cuidarmos de nós mesmos, do nosso coração, das virtudes, da integridade, do amor pela vida, por nós mesmos, pelos outros, e irradiando este amor, com certeza que o grande amor virá, atraído por esta espécie de irradiação, de luz. Até porque não servirá de muito apenas um dos lados pensar que o outro é o seu grande amor. Tal ocorre muito em relação a apaixonar-se, a encantar-se. Um dos lados apaixona-se ou encanta-se pelo outro sem existir uma correspondência. A amizade neste ponto pode se tornar instável, e até terminar, a menos que já exista um amor de amizade muito forte que consiga lidar com isso e superar. Pois um amor de amizade verdadeiro também é mais forte que uma simples paixão ou encantamento. Isto passa e a amizade continua. Talvez por isso muitas pessoas confundem e acreditam que uma amizade é mais forte que um amor de casal. Não é, mas é mais forte que uma paixão ou um encantamento.Porém, voltando a questão, pode sim iniciar-se em sómente de um dos lados. Dificilmente um relacionamento começa de ambos os lados ao mesmo tempo, com os dois passando a gostar da mesma forma ao mesmo tempo. Então aquilo que era apenas paixão, encantamento de um dos lados, pode se tornar amor na medida em que o outro lado vai aos poucos percebendo que também sente algo. E numa amizade, é quase sempre assim que ocorre. Mas sem forçar nada, sem ficar ‘beijando todos os sapos que aparecerem’. Deixe fluir a relação. Quando há uma forte amizade, há sim as chances das coisas caminharem neste sentido, de surgir um encantamento, que poderá passar para uma paixão (intensidade em desequilíbrio) até chegar ao amor (intensidade em equilíbrio). E até mesmo iniciar algo a partir do encantamento, suficiente para então fazer surgir o amor. De qualquer modo, agindo assim, no mínimo você ganhará um(a) grande amigo(a). Deixe fluir. As borboletas virão.Para finalizar, então em que difere a amizade do amor de casal? Alguns precipitados poderiam dizer que seria o sexo. Mas não. Há sexo também entre amigos que não se amam, embora eu não consiga partilhar deste ponto de vista. Assim como é possível amar sem existir sexo. Outros poderiam dizer que é viver juntos. Mas não, pois há amigos que moram juntos e não se amam, embora a convivência possa ajudar a fazer surgir um amor entre os dois. Existe ainda quem afirme que será compartilhar os bens. Não, pois há casais com divisão total de bens que se amam, assim como há amigos que compartilham bens em comum, mas não se amam.Contudo há uma diferença entre amizade e amor. Todos nós sabemos que há. Mas talvez por esta diferença estar em algo que não é possível de ser ver, por estar justamente na esfera dos sentimentos, das emoções, como eu referi inicialmente, é que se torna difícil de expressar e definir claramente em palavras.Quando conseguimos olhar para uma amiga ou amigo e dizer que é apenas amizade muito forte e indestrutível e quando consegue dizer que já existe ‘algo a mais’? Bom, ‘algo a mais’ não quer dizer amor necessariamente, mas poderá se tornar. Quando se torna amor, conseguimos dizer e saber. Mas não se sabe quando se transforma em amor, em que momento exacto isso ocorre. Assim como é difícil dizer quando é amizade forte e quando já é um algo a mais. Difícil explicar. A diferença entre amizade e amor num casal também é assim. Sabemos que existe a diferença. Mas não se sabe bem como explicar.Perante isto lembro a resposta de Santo Agostinho, quando lhe perguntaram o que era o Tempo. Não é o tema principal, mas esta resposta pode servir para ilustrar a questão: “Se não me perguntarem, eu sei. Se já me perguntarem, eu não sei”.Então, simplesmente, deixemos fluir... seja o amor... ainda que sofrimento, pela dúvida eterna de ser ou não ser.