30 maio 2008

Dia Mundial da Criança



E...para chocar mentalidades aqui fica um relato sem preâmbulo......Espero que NãO gostem! Mas ao virar de cada esquina e também neste nosso canteiro à beira mar plantado tudo isto existe, tudo isto é triste, tudo isto não pode nem deve ser Fado nem fadário. Há que mudar consciências, denunciar, reportar e GRITAR bem alto!
Vergonha mundial: violência contra a criança
Todos os governos do mundo precisam enfrentar o problema da violência contra a criança, que é comum e tolerada em várias partes do mundo, segundo um relatório da ONU. Um estudo que durou quatro anos milhares de crianças enfrentam abuso físico que é escondido ou aprovado pela sociedade.


O garoto da soleira (Ricardo Lemos Neto)
Sentado à soleira da porta ele estava com o olhar vazio, tinha uma tristeza no olhar que ninguém entendia, seu sorriso era triste, como se usasse toda sua força muscular para aquele gesto tão trivial, tão normal, mesmo banal. Olhou ao longe e seu pensamento vagava, um pensar vago que ele se soltava e naquele lugar já não mais estava. Sua consciência era copiosa, às vezes lhe trazia lembranças tenebrosas, era um garoto, seus quinze anos passados naquela soleira, não tinha expressão facial, tinha olheiras, tonteiras de garoto novo, não ele não era mais um garoto, não como os garotos são. Ele era diferente, tinha algo que dá medo na gente, uma alma cinza, um manto em torno de si impenetrável. Ele mesmo criara essa proteção, ele não falava, monossilábico, sim senhor, não senhor. Era esse o garoto da soleira, olhou mais uma vez a rua, cambaleando seu pai em plena bebedeira, os olhos ficaram mais escuros, em segundos as pupilas dilataram, era uma reação quase química, o cheiro, os sons da chegada do pai lhe trazia na mente, um gosto dormente na boca, ele não sentia, ele jazia mais uma vez escondido, o pai entrou e o agarrou pela gola, jogou em cima da mesa, de costas, as calças abaixadas mais uma vez, por aquele idiota, pederasta, mais uma vez o cinto descia, desde os oito anos era isso que ele temia a chegada do pai, desde os oito anos era isso que lhe aguardava todo santo dia. A infância roubada, o homem que lhe invadia, os gritos abafados, a sua agonia. Era o menino da soleira, quinze anos e uma alma rasgada, olhou em frente em quando o pai se agachava pra retirar mais uma vez as calças, pegou a garrafa de bebida que estava armada, quebrou em um só golpe e na garganta do pai que ali jazia, o pai sangrava no derradeiro grunhido, o garoto sorrira pela primeira vez em muitos anos, era ele o assassino, não o garoto, e sim o pai que morria assassino da infância do garoto que nunca sorria, usurpador de um corpo que não lhe pertencia, uma ultima golfada de sangue, o garoto passou pela soleira e ganhou a rua... Pra sempre

Declaração dos Direitos da Criança

Adoptada pela Assembleia das Nações Unidas de 20 de Novembro de 1959

PREÂMBULO


Considerando que os povos da Nações Unidas, na Carta, reafirmaram sua fé nos direitos humanos fundamentais, na dignidade e no valor do ser humano, e resolveram promover o progresso social e melhores condições de vida dentro de uma liberdade mais ampla,

Considerando que as Nações Unidas, na Declaracão Universal dos Direitos Humanos, proclamaram que todo homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades nela estabelecidos, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição,

Considerando que a criança, em decorrência de sua imaturidade física e mental, precisa de proteção e cuidados especiais, inclusive proteção legal apropriada, antes e depois do nascimento,

Considerando que a necessidade de tal proteção foi enunciada na Declaração dos Direitos da Criança em Genebra, de 1924, e reconhecida na Declaração Universal dos Direitos Humanos e nos estatutos das agências especializadas e organizações internacionais interessadas no bem-estar da criança,

Considerando que a humanidade deve à criança o melhor de seus esforços,

A ASSEMBLEIA GERAL

PROCLAMA esta Declaração dos Direitos da Criança, visando que a criança tenha uma infância feliz e possa gozar, em seu próprio benefício e no da sociedade, os direitos e as liberdades aqui enunciados e apela a que os pais, os homens e as melhores em sua qualidade de indivíduos, e as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam este direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas, de conformidade com os seguintes princípios:

PRINCÍPIO 1º

A criança gozará todos os direitos enunciados nesta Declaração. Todas as crianças, absolutamente sem qualquer exceção, serão credoras destes direitos, sem distinção ou discriminação por motivo de de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento ou qualquer outra condição, quer sua ou de sua família.

PRINCÍPIO 2º

A criança gozará proteção social e ser-lhe-ão proporcionadas oportunidade e facilidades, por lei e por outros meios, a fim de lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de forma sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade. Na instituição das leis visando este objetivo levar-se-ão em conta sobretudo, os melhores interesses da criança.

PRINCÍPIO 3º

Desde o nascimento, toda criança terá direito a um nome e a uma nacionalidade.

PRINCÍPIO 4º

A criança gozará os benefícios da previdência social. Terá direito a crescer e criar-se com saúde; para isto, tanto à criança como à mãe, serão proporcionados cuidados e proteção especiais, inclusive adequados cuidados pré e pós-natais. A criança terá direito a alimentação, recreação e assistência médica adequadas.

PRINCÍPIO 5º

À criança incapacitada física, mental ou socialmente serão proporcionados o tratamento, a educação e os cuidados especiais exigidos pela sua condição peculiar.

PRINCÍPIO 6º

Para o desenvolvimento completo e harmonioso de sua personalidade, a criança precisa de amor e compreensão. Criar-se-à, sempre que possível, aos cuidados e sob a responsabilidade dos pais e, em qualquer hipótese, num ambiente de afeto e de segurança moral e material, salvo circunstâncias excepcionais, a criança da tenra idade não será apartada da mãe. À sociedade e às autoridades públicas caberá a obrigação de propiciar cuidados especiais às crianças sem família e aquelas que carecem de meios adequados de subsistência. É desejável a prestação de ajuda oficial e de outra natureza em prol da manutenção dos filhos de famílias numerosas.

PRINCÍPIO 7º

A criança terá direito a receber educação, que será gratuita e compulsória pelo menos no grau primário.

Ser-lhe-á propiciada uma educação capaz de promover a sua cultura geral e capacitá-la a, em condições de iguais oportunidades, desenvolver as suas aptidões, sua capacidade de emitir juízo e seu senso de responsabilidade moral e social, e a tornar-se um membro útil da sociedade.

Os melhores interesses da criança serão a diretriz a nortear os responsáveis pela sua educação e orientação; esta responsabilidade cabe, em primeiro lugar, aos pais.

A criança terá ampla oportunidade para brincar e divertir-se, visando os propósitos mesmos da sua educação; a sociedade e as autoridades públicas empenhar-se-ão em promover o gozo deste direito.

PRINCÍPIO 8º

A criança figurará, em quaisquer circunstâncias, entre os primeiros a receber proteção e socorro.

PRINCÍPIO 9º

A criança gozará proteção contra quaisquer formas de negligência, crueldade e exploração. Não será jamais objeto de tráfico, sob qualquer forma.

Não será permitido à criança empregar-se antes da idade mínima conveniente; de nenhuma forma será levada a ou ser-lhe-á permitido empenhar-se em qualquer ocupação ou emprego que lhe prejudique a saúde ou a educação ou que interfira em seu desenvolvimento físico, mental ou moral.

PRINCÍPIO 10º

A criança gozará proteção contra atos que possam suscitar discriminação racial, religiosa ou de qualquer outra natureza. Criar-se-á num ambiente de compreensão, de tolerância, de amizade entre os povos, de paz e de fraternidade universal e em plena consciência que seu esforço e aptidão devem ser postos a serviço de seus semelhantes.

29 maio 2008

Cartas a Um Poeta



Enquanto o País se abate lentamente, nas brumas de um místico nevoeiro, entre palavras ocas e falsas intenções, nada mais parece restar do que me refugiar nas “Cartas A Um Poeta” de Rainer-Maria Rilke.
Comecei por o ler apenas curiosa, e dei por mim a sublinhar as 92 páginas – impossível – teria de sublinhar todo o livro!
Procurar dentro de mim. Tentar desbravar a minha floresta oculta e alimentar a esperança de vislumbrar, quem sabe um dia, alguma coisa. Luta difícil e condenada à partida, cada vez mais condenada a cada dia que passa.Quererás mesmo saber quem és? Há que organizares a tua vida à volta da observação dos pormenores insignificantes e se isso não for suficiente convoca todas as riquezas da infância que a memória te guardou. Porque para o criador não há escassez, apenas Necessidade, Solidão e Silêncio.
Optei por o transcrever, a ele de quem se diz ter sido “o Poeta da Morte, o poeta da angústia, o poeta da solidão e da vida interior, o poeta das coisas, dos anjos e da vida da alma”.
Segundo Fernanda de Castro “ Muitos leitores pensam justificadamente, que esse carácter misterioso e patético da vida que falta cada vez mais à nossa literatura, é a própria base das meditações de Rainer_Maria_Rilke. E, contudo, para Rilke, a vida material com os seus vaivéns inúteis não tem a mínima realidade. Para ele só a vida interior conta, só os “acontecimentos” do subconsciente tem valor real, só as ideias abstractas tem existência concreta. O tempo não é uma medida. Ser artista é não contar. Para Rilke, o amor é uma lei que vai além do prazer e do sofrimento; a morte, “uma coisa magnifica”, simples etapa da vida eterna. Não pertenceu a nenhuma escola, não defendeu nenhuma teoria, não propôs nenhum sistema: foi, enfim, um criador a quem se pode aplicar a frase de Goethe: - “Viemos a este mundo para nos imortalizar”.

Paris, 17 de Fevereiro de 1903.

Meu caro senhor:
Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação critica. Para penetrar uma obra de arte, nada, aliás, pior do que as palavras de crítica, que apenas conduzem a mal-entendidos mais ou menos felizes. Nem tudo se pode aprender ou dizer, como nos querem fazer acreditar. Quase tudo o que acontece é inexplicável é inexprimível e se passa numa região que a palavra jamais atingiu. E nada mais difícil de exprimir do que as obras de arte. – seres vivos e secretos cuja vida imortal acompanha a nossa vida efémera.
Dito isto, apenas posso acrescentar que os seus versos não revelam uma maneira sua.
Contém, é certo, germens de personalidade, mas ainda tímidos e escondidos. Senti-o, sobretudo , no seu último poema: A Minha Alma. Neste poema, qualquer coisa de pessoal procura encontrar solução e forma. E em toda a bela poesia A Leopardi se sente uma espécie de parentesco com este príncipe, este solitário. Contudo os seus poemas não tem uma existência própria…
Na sua carta encontrei uam explicação de certas insuficiências que já notara ao lê-lo, mas a que não me fora possível dar nome. Pergunta-me se os seus versos são bosn. Pergunta-mo a mim , depois, - depois de o ter perguntado a vários. Manda-os para as revistas. Compara-os a outros poemas e alarma-se quando certas redacções afastam os seus ensaios poéticos. Doravante (visto que me permite aconselha-lo), peço-lhe que renuncie a tudo isso. O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. Ninguém pode aconselhá-lo nem ajudá-lo – ninguém! Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: “Morreria se não me fosse permitido escrever?”. Isto, sobretudo na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo esta pergunta: - Examine-se a fundo até encontrar a mais profunda resposta. Se esta resposta for afirmativa, se puder fazer face a uma tão grave interrogação com um forte e simples “Devo”, então construa a sua vida segundo esta necessidade. A sua vida, mesmo na hora mais indiferente, mais vazia, deve tornar-se sinal e testemunho de tal impulso. Então aproxime-se da natureza. Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, por vezes brilhantes, se apresentam em grande número, o poeta só pode fazer obra pessoal na plena maturação da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite o que o dia-a-dia lhe oferece. Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parecer pobre,, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes. Mesmo numa prisão cujas paredes abafassem todos os ruídos do mundo, não lhe restaria sempre a sua infância, esse tesouro de recordações? Oriente nesse sentido o seu espírito. Tente fazer voltar à superfície as impressões submersas desse vasto passado. A sua personalidade fortificar-se-á, a sua solidão povoar-se-á, tornando-se nas horas incertas do dia, uma espécie de habitação fechada aos ruídos exteriores. ….
(cont.)

21 maio 2008

Pearls before Breakfast

Numa experiência inédita, Joshua Bell, um dos mais famosos violinistas do Mundo, tocou incógnito durante 45 minutos, numa estação de metro de Washington, de manhã, em hora de ponta, despertando pouca ou nenhuma atenção. A provocatória iniciativa foi da responsabilidade do jornal 'Washington Post', que pretendeu lançar um debate sobre arte, beleza e contextos. Ninguém reparou também que o violinista tocava com um Stradivarius de 1713 - que vale 3,5 milhões de dólares.Três dias antes, Bell tinha tocado no Symphony Hall de Boston, onde os melhores lugares custam 100 dólares, mas na estação de metro foi ostensivamente ignorado pela maioria.A excepção foram as crianças, que, inevitavelmente, e perante a oposição do pai ou da mãe, queriam parar para escutar Bell, algo que, diz o jornal, indicará que todos nascemos com poesia e esta é depois, lentamente, sufocada dentro de todos nós.'Foi estranho ser ignorado'Bell, que é uma espécie de 'sex symbol' da clássica, vestido de jeans, t-shirt e boné de basebol, interpretou 'Chaconne', de Bach, que é, na sua opinião, 'uma das maiores peças musicais de sempre, mas também um dos grandes sucessos da história'. Executou ainda 'Ave Maria', de Schubert, e 'Estrellita', de Manuel Ponce - mas a indiferença foi quase total. Esse facto, aparentemente, não impressionou os utentes do metro.'Foi uma sensação muito estranha ver que as pessoas me ignoravam', disse Bell, habituado ao aplauso. 'Num concerto, fico irritado se alguém tosse ou se um telemóvel toca. Mas no metro as minhas expectativas diminuíram. Fiquei agradecido pelo mínimo reconhecimento, mesmo um simples olhar', acrescentou.O sucedido motiva o debate foi este um caso de 'pérolas a porcos'? É a beleza um facto objectivo que se pode medir ou tão-só uma opinião? Mark Leitahuse, director da Galeria Nacional de Arte, não sesurpreende: 'A arte tem de estar em contexto'. E dá um exemplo: 'Se tirarmos uma pintura famosa de um museu e a colocarmos num restaurante, ninguém a notará'.Para outros, como o escritor John Lane, a experiência indica a 'perda da capacidade de se apreciar a beleza'. O escritor disse ao 'Washington Post' que isto não significa que 'as pessoas não tenham a capacidade de compreender a beleza, mas sim que ela deixou de ser relevante'.

19 maio 2008

Perto do Fim

Quis o destino, ou a má sorte
Que os meus olhos descessem
Ao fundo do negro poço
Ao fundo poço da morte
No fundo desse abismo
Com negras asas da noite
Nem a força das palavras
Subiram até à lua
Morrendo despedaçadas
Em terra estéril e nua.

Pudesse eu voar na rima
Do mistério da palavra
Invadir teu corpo oculto

Fazer-te sentir a dor
Com que me matas também
Sentirias como eu
O que é desejar alguém

As penas , hei-de esquecê-las
Que as penas passam também
Em noite de pedra pesada
Cai-me a noite no meu peito
Sufoco esta triste mágoa
Sonho com fim imperfeito

15 maio 2008

Holocausto em Angola


Holocausto em Angola
O livro que tanto impressionou António Barreto (v. Público, de 13.04.2008): 'Holocausto em Angola -Memórias de entre o cárcere e o cemitério', de Américo Cardoso Botelho.

Dada a importância do autor e do texto, transcreve-se integralmente o texto de António Barreto. Angola é nossa! Só hoje me chegou às mãos um livro editado em 2007, Holocausto em Angola, da autoria de Américo Cardoso Botelho (Edições Vega). O subtítulo diz: 'Memórias de entre o cárcere e o cemitério'. O livro é surpreendente. Chocante. Para mim, foi. E creio que o será para toda a gente, mesmo os que 'já sabiam'. Só o não será para os que sempre souberam tudo. O autor foi funcionário da Diamang, tendo chegado a Angola a 9 de Novembro de 1975, dois dias antes da proclamação da independência pelo MPLA. Passou três anos na cadeia, entre 1977 e 1980. Nunca foi julgado ou condenado. Aproveitou o papel dos maços de tabaco para tomar notas e escrever as memórias, que agora edita. Não é um livro de história, nem de análise política. É um testemunho. Ele viu tudo, soube de tudo. O que ali se lê é repugnante. Os assassínios, as prisões e a tortura que se praticaram até à independência, com a conivência, a cumplicidade, a ajuda e o incitamento das autoridades portuguesas. E os massacres, as torturas, as exacções e os assassinatos que se cometeram após a independência e que antecederam a guerra civil que viria a durar mais de vinte anos, fazendo centenas de milhares de mortos. O livro, de extensas 600 páginas, não pode ser resumido. Mas sobre ele algo se pode dizer. O horror em Angola começou ainda durante a presença portuguesa. Em 1975, meses antes da independência, já se faziam 'julgamentos populares', perante a passividade das autoridades. Num caso relatado pelo autor, eram milhares os espectadores reunidos num estádio de futebol. Sete pessoas foram acusadas de crimes e traições, sumariamente julgadas, condenadas e executadas a tiro diante de toda a gente. As forças militares portuguesas e os serviços de ordem e segurança estavam ausentes. Ou presentes como espectadores. A impotência ou a passividade cúmplice são uma coisa. A acção deliberada, outra. O que fizeram as autoridades portuguesas durante a transição foi crime de traição e crime contra a humanidade. O livro revela os actos do Alto-Comissário Almirante Rosa Coutinho, o modo como serviu o MPLA, tudo fez para derrotar os outros movimentos e se aliou explicitamente ao PCP, à União Soviética e a Cuba. Terá sido mesmo um dos autores dos planos de intervenção, em Angola, de dezenas de milhares de militares cubanos e de quantidades imensas de armamento soviético. O livro publica, em fac simile, uma carta do Alto-Comissário (em papel timbrado do antigo gabinete do Governador-geral) dirigida, em Dezembro de 1974, ao então Presidente do MPLA, Agostinho Neto, futuro presidente da República. Diz ele: 'Após a última reunião secreta que tivemos com os camaradas do PCP, resolvemos aconselhar-vos a dar execução imediata à segunda fase do plano. Não dizia Fanon que o complexo de inferioridade só se vence matando o colonizador? Camarada Agostinho Neto, dá, por isso, instruções secretas aos militantes do MPLA para aterrorizarem por todos os meios os brancos, matando, pilhando e incendiando, a fim de provocar a sua debandada de Angola. Sede cruéis sobretudo com as crianças, as mulheres e os velhos para desanimar os mais corajosos. Tão arreigados estão à terra esses cães exploradores brancos que só o terror os fará fugir. A FNLA e a UNITA deixarão assim de contar com o apoio dos brancos, de seus capitais e da sua experiência militar. Desenraízem-nos de tal maneira que com a queda dos brancos se arruíne toda a estrutura capitalista e se possa instaurar a nova sociedade socialista ou pelo menos se dificulte a reconstrução daquela'.Estes gestos das autoridades portuguesas deixaram semente. Anos depois, aquando dos golpes e contragolpes de 27 de Maio de 1977 (em que foram assassinados e executados sem julgamento milhares de pessoas, entre os quais os mais conhecidos Nito Alves e a portuguesa e comunista Sita Valles), alguns portugueses encontravam-se ameaçados. Um deles era Manuel Ennes Ferreira, economista e professor. Tendo-lhe sido assegurada, pelas autoridades portuguesas, a protecção de que tanto necessitava, dirigiu-se à Embaixada de Portugal em Luanda. Aqui, foi informado de que o vice-cônsul tinha acabado de falar com o Ministro dos Negócios Estrangeiros. Estaria assim garantido um contacto com o Presidente da República. Tudo parecia em ordem. Pouco depois, foi conduzido de carro à Presidência da República, de onde transitou directamente para a cadeia, na qual foi interrogado e torturado vezes sem fim. Américo Botelho conheceu-o na prisão e viu o estado em que se encontrava cada vez que era interrogado. Muitos dos responsáveis pelos interrogatórios, pela tortura e pelos massacres angolanos foram, por sua vez, torturados e assassinados. Muitos outros estão hoje vivos e ocupam cargos importantes. Os seus nomes aparecem frequentemente citados, tanto lá como cá. Eles são políticos democráticos aceites pela comunidade internacional. Gestores de grandes empresas com investimentos crescentes em Portugal. Escritores e intelectuais que se passeiam no Chiado e recebem prémios de consagração pelos seus contributos para a cultura lusófona. Este livro é, em certo sentido, desmoralizador. Confirma o que se sabia: que a esquerda perdoa o terror, desde que cometido em seu nome. Que a esquerda é capaz de tudo, da tortura e do assassinato, desde que ao serviço do seu poder. Que a direita perdoa tudo, desde que ganhe alguma coisa com isso. Que a direita esquece tudo, desde que os negócios floresçam. A esquerda e a direita portuguesas têm, em Angola, o seu retrato. Os portugueses, banqueiros e comerciantes, ministros e gestores, comunistas e democratas, correm hoje a Angola, onde aliás se cruzam com a melhor sociedade americana, chinesa ou francesa. Para os portugueses, para a esquerda e para a direita, Angola sempre foi especial. Para os que dela aproveitaram e para os que lá julgavam ser possível a sociedade sem classes e os amanhãs que cantam. Para os que lá estiveram, para os que esperavam lá ir, para os que querem lá fazer negócios e para os que imaginam que lá seja possível salvar a alma e a humanidade. Hoje, afirmado o poder em Angola e garantida a extracção de petróleo e o comércio de tudo, dos diamantes às obras públicas, todos, esquerdas e direitas, militantes e exploradores, retomaram os seus amores por Angola e preparam-se para abrir novas vias e grandes futuros. Angola é nossa! E nós? Somos de quem?

13 maio 2008

O trovador e a rosa





Há muitos, muitos anos, num pais distante, num reino perdido, existia um rei e uma rainha que tiveram uma filha.
Ambos eram estimados pelos seus súbditos que os viam como os legítimos senhores de uma terra abençoada.
Reza a lenda que, aquando do nascimento da princesa, uma garça branca como a neve, pousou mansamente no berço e deixou cair uma lágrima.
Avisou então, que chegaria um tempo em que essa pequena gota seria preciosa para salvação da princesa. Tal lágrima deveria ser guardada numa pequena caixa de cristal.
Muitos anos passaram, a princesa vivia feliz, como quase todas as princesas de conto de fadas, até que num dia quente de Agosto, quando o verão estava em pleno, exalando os seus odores de jasmim e lilazes, passeava pelos jardins do palácio e, eis que um ladrão a rapta e espanca até a deixar cheia de vergões. A princesa desmaiou, sózinha sem ninguém por perto para a socorrer, tendo-se transformado lentamente numa roseira .
Os anos passaram e, após exaustivas buscas, nunca conseguiram encontrar o rasto da princezinha.
Um dia , um trovador passeava-se pelos jardins e olhou com mais atenção para aquele pé de roseira, parecendo-lhe ver algo de diferente, algo que a distinguia das demais.
Regressou nos dias a seguir e , para seu enorme espanto , a cada dia que passava as folhas estavam mais viçosas , com um verde quase que irreal de tanto brilho que irradiavam. Mas, não existiam ainda botões de rosa, apenas pequeninos bagos verdes entumecidos de seiva. Quase todos os dias o trovador cantava para a sua bela roseira, regava-a com carinho, deixando-se seduzir pela beleza do seu caule , pequena haste de diamantes pontilhada de espinhos aguçados.
Passou cerca de ano e meio e em tempo de primavera, nasceu o primeiro botão de rosa, envolto em delicada fragância.
O trovador sentia-se fascinado, pensava mesmo em colher a sua rosa e levá-la para os seus aposentos, mas debatia-se com a dúvida e o receio que tal gesto apenas serviria para matar a flor.
Não resistindo à tentação, um dia ceifou-a pelo caule e colocou-a numa jarra de puro cristal em local onde a poderia ver sempre que desejasse. Aprisionada e fascinada pelo toque doce do trovador a rosa vivia feliz. Mas era apenas uma rosa e vivia dependente dos seus cuidados .
Acontece que era um trovador muito apreciado pelo rei, o único que com a sua música de encantar o fazia minorar um pouco a dor da sua filha desaparecida e, um dia houve em que, o rei lhe ofereceu a caixinha de cristal com a lágrima da garça, como mostra de gratidão pelos serviços prestados ao reino, já que agora velho e cansado nada mais esperava da vida e não tinha descendentes. Durante 7 longos anos o trovador tinha desempenhado um importante papel junto do rei e via assim chegado ao fim a sua importante missão recompensado com tão inestimável oferta.
Retirou-se para os seus aposentos e levando a caixa de cristal colocou-a junto da jarra onde a sua rosa vivia.
Contava-lhe aventuras de tempos idos, com tamanha nostalgia e pena de si próprio, saudades dos tempos idos de fulgor e luxo da corte, muitas vezes chorava silencioso.
A rosa chorava com ele, e a cada dia que passava ia empalidecendo, já não tinha mais a cor vermelha do rúbi, transformava-se mais e mais em cor de rosa chá, desmaiando a cada tom magoado do trovador.
Percebia finalmente, que era apenas uma rosa, um capricho nas mãos do trovador e, foi secando, secando, até que as suas pétalas uma a uma caíram perto da caixa de cristal.
Nada restando do viço inicial da sua rosa, apenas os espinhos que ele agora via e que lhe desagradavam imenso, pegou no monte de pétalas envelhecidas e guardou dentro da caixa de cristal, junto da lágrima da garça.
Na manhã seguinte, no chão dos seus aposentos viu um corpo de mulher adormecido!! Em estado de choque percebeu que era o corpo da princesa desaparecida há tantos anos, aquela por quem também ele se apaixonara e da qual guardava a recordação através dos magníficos quadros espalhados pelas paredes do palácio.
A lágrima da garça tinha-lhe insuflado um sopro de vida mas....era já demasiado tarde, porque o trovador tinha descurado a sua rosa, depois da sedução e do encantamento tinha vindo o abandono e a rosa definhou. Incapaz de sentir amor pela rosa, igualmente esta não conseguiu sobreviver e feneceu para sempre.
O amor tudo poderia suportar e a lágrima teria sido transformada em alegria, o que não sucedeu apenas porque a tristeza das recordações do passado tinha condenado o futuro a existir.
A partir desse momento, muitas rosas foram criadas em jardins de todo o mundo, mas nenhuma exalava o perfume desta e o reino acabou um dia envolto em bruma .
Hoje é apenas mais um país onde as rosas não são cuidadas

Oração



SENHOR,

fazei de mim um instrumento da Vossa paz.

Onde há ódio, que eu leve o Amor;

Onde há ofensa, que eu leve o Perdão;

Onde há discórdia, que eu leve a União;

Onde há dúvida, que eu leve a Fé.

Onde há erro, que eu leve a Verdade;

Onde há desespero, que eu leve a Esperança;

Onde há tristeza, que eu leve a Alegria;

Onde há trevas, que eu leve a Luz.

Oh Mestre, fazei que eu procure menos ser consolado do que consolar,

ser compreendido do que compreender, ser amado do que amar.

Porque é dando que se recebe,

é perdoando que se é perdoado,

é morrendo que se ressuscita para a Vida Eterna.


São Francisco de Assis


O dia cansa, Senhor. Para o que nesta vida me dás tantos dias como este, em que mal vou sabendo de mim, o que quer dizer: de “nós”. São tão cheios de coisas, de afazeres, de pessoas – que oram brincam, ora se entristecem por tão pouca coisa e se agitam como a onda do mar que sobe e se atira à praia, enrolando-se em mil e um grãos de areia (pensamentos) que nada mais são que os problemas que fabricam.
Fica ao meu lado Senhor e toca-me com a Tua luz, não me deixes cair na tentação de ver o mundo somente através do meu olhar e do meu sentir, despojai-me de toda a matéria e dai-me o entendimento necessário para que eu caminhe para a elevação.
Não deixeis que eu me perca neste caminho de sofrimento e escudai a minha alma.
Fazei-me entender o que significa dar a vida por alguém e, sobretudo inundai-me do Vosso Amor, pois sem ele nada serei.

12 maio 2008

Fazer a nossa parte neste mundo é:

Quem olha para fora, sonha, quem olha para dentro, acorda." C. G. Jung

E porque foi uma semana dura, uma luta entre o Universo e o Multiverso, uma das muitas batalhas sanguinolentas que existem dentro deste pedaço de matéria e outro tanto pedaço de alma, por vezes esfarrapada, quase que perdendo as asas, gostaria que tivessem a percepção que viver é um acto imperdível, Viver é sentir a paz do Deus que habita em mim e em cada um de nós neste nosso contínuo caminhar, aqui neste planeta, onde cada um - cada , "SER" - é parte única, integrante e especial.
Sentir que Deus habita e transforma o nosso "Ser", o nosso templo interior, através de nossas boas acções e pensamentos, onde criamos, conversamos, aprendemos e nos transformamos com paz e harmonia.

Quando cada "Ser" se conecta profundamente com o nosso "Deus" interior, ele expande e transforma o lugar onde vive e ajuda também a melhorar a humanidade, pois estamos todos de certa forma interligados.

Vamos então dar um novo sentido à vida, vamos olhar o mundo e as pessoas ao nosso redor com mais carinho e contribuição; somente quando reflectimos e agimos com consciência e propósito significativo, iremos transgredir e avançar qualquer "ordem"
negativa ou prejudicial. Vamos realmente olhar para nosso eu, mais "secreto" e abrirmo- nos sem medo, e com o coração aberto em silêncio ouvir nesse encontro, que só cada um pode fazer e sentir. É desta forma que poderemos encontrar a voz, o caminho interior e sentirmos a nossa verdadeira força.

Vamos usar o nosso pensamento e as nossas acções para dar uma "Ordem" relevante e animadora para nossa vida, em todas as áreas e assim, com entusiasmo, certeza e determinação, vamos dar o primeiro passo em direcção à transformação e ao conhecimento.
Deixar para trás o passado, cortar todos os sinais e símbolos que nos impeçam de viver o presente

Viver o presente, o novo, o agora, a cada momento e a cada dia, isso depende de um esforço e de uma atenção especial. Saber seguir, saber continuar, saber viver, buscar a sabedoria e usá-la em sintonia e orientação internas. Toda a reforma interior, ou mudança para melhor, depende da nossa busca e do nosso esforço sincero; estejamos sempre atentos e envolvidos com o que fazemos para mudar o nosso ser.
Sobretudo também é necessário muito cuidado na forma como tratamos o próximo, não o façamos morrer, cuidemos dele como gostaríamos que cuidassem de nós. Não façamos dos outros uma espécie de holograma fictício, projectando, e retirando as partes vitais, deixando-o depois jazendo no chão, exangue e sem alma.

"Sinta-se realmente nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo" como diz Fernando Pessoa, mas faça a sua parte neste mundo, e tenha certeza que não está aqui somente para receber ou trocar de carro todo ano, a sua vida tem um significado e um propósito.
Buscar o auto conhecimento é tarefa individual e esse propósito e significado cabe a cada um encontrar e escolher, e somente em harmonia e sintonia poderemos perceber se estamos realmente no caminho certo.

Então, com dedicação e alegria ajude também a construir um mundo melhor; com a solidariedade aprendemos que precisamos muito também uns dos outros e quão gratificante é realmente poder ajudar. E, incrivelmente, essa energia é imediatamente convertida em benefícios para nós mesmos quando fazemos sem nada esperar de volta e com o coração.
È mais um segredo este que vos deixo: Quando fazemos algo sem nada esperar e , cuidado, nada do que fazemos ou dizemos (mesmo quase nada é feito desta maneira)é feito sempre na perspectiva do ganhar algo em troca.
Fazemos sempre algo à espera do retorno, e se não somos correspondidos estão criadas as condições para o sofrimento e a dependência.

E essencial sentirmo-nos gratos e felizes com o que já temos e o que se tem conseguido, pois quando agradecemos tomamos posse de tudo que nos foi confiado e definitivamente acredito e confio; creia que merece e pode viver e usufruir de tudo de bom que existe e que sonha.

*Obrigada Maria e L.M. caminhar convosco tornou o caminho menos penoso

09 maio 2008

Sempre que a noite desliza e o dia corre

Porque desliza a noite
em céu azul, estrelado.
E porque corre o dia
em brancas núvens moldado.
porquê tanto sofrimento
se a noite a correr assim
traz ao dia novo alento.

E sempre desliza veloz
no azul do firmamento
este meu sonho acordado
diadema em tons de azul
pérolas em forma de lua
moldando nestas palavras
uma forma que é a tua.

ali, bem perto
do infinito
onde a bruma cristaliza
nasce todos os dias
o meu pedaço de brisa
que me traz ecos de ti
Sempre que a noite desliza
em céu azul estrelado.

06 maio 2008

Só a VERDADE nos liberta, mesmo correndo o risco de ser silênciada



CLICK NESTES LINKS

http://gnr.pog.com.br/videos.htm

http://www.worldslastchance.com/pdf/WLC_Portuguese.pdf

A Nova Ordem Mundial - The New World Order - Illuminati, Skull and Bones, Maçonaria, Sociedades Secretas, Governo Oculto, conspirações e muito mais. Documentário, que mostra o poder verdadeiro por trás dos governos e da política. Como age e manipula nos bastidores, criando caos, medo, guerra e controlando o crime organizado para então surgir como o salvador, oferecendo acabar com tudo isto, instalando um governo global.
A Nova Ordem Mundial - The New World Order - Illuminati, Skull and Bones, Maçonaria, Sociedades Secretas, Governo Oculto, conspirações e muito mais. Documentário, que mostra o poder verdadeiro por trás dos governos e da política. Como age e manipula nos bastidores, criando caos, medo, guerra e controlando o crime organizado para então surgir como o salvador, oferecendo acabar com tudo isto, instalando um governo global.
Vários vídeos e trailers, que trazem uma mensagem de alerta para a Humanidade. Que mostram como as pessoas são controladas, mantido na ignorância e rastreado até seus mínimos movimentos e acções através dos implantes dos microchips. Mostra quem está por trás. A Nova Ordem Mundial - The New World Order - Illuminati, Skull and Bones, Maçonaria, Sociedades Secretas, Governo Oculto, conspirações e muito mais. No final uma bela apresentação sobre o tamanho de nossas planetas, sistema solar, galáxia e universo, inclusive com imagens do Hubble

Os preparativos de longa data para o ataque aos torres do WTC - World Trade Center em 11 de Setembro. Para entender melhor quem realmente está por traz deste acontecimento, bem como as guerras que se desenrolarem desde então, veja também os vídeos acima, A Nova Ordem Mundial, os Illuminati parte 1 e 2.

Colo de garça (IV)





Sentia-me perdida. Sabia que era inevitável o momento seguinte - como uma espécie de fascínio maldito - no tempo que tinha parado , ele avançava para mim, como um felino que ataca a presa.
Os olhos brilhavam raiados de sangue, completamente cego e preso de um furor indescritível.
Sentia todo o meu corpo a retesar-se ,e as mãos a ficaram húmidas.
Encarei-o de frente, resignada. Abateu-se sobre mim, descarregando toda a ira e raiva.
A mão caía dura na minha pele, ardendo. (ainda consigo aguentar mais, afinal a dor é isto?), atrás de mim apenas e só a parede o último reduto, mas o olhar fugia para a porta da entrada , (se eu conseguisse lá chegar). Ao soco e ao pontapé deixei-me aprisionar ainda mais, agora já enrolada sobre mim mesma, apenas tentando proteger a cabeça. Mil pensamentos me passsavam em segundos: os meus filhos, a minha vida queimada, os anos desperdiçados, a juventude perdida, a segurança paterna.
Arrastando-me devagarinho - a próxima meta era a porta da casa de banho, lá estava o armário dos medicamentos - lá poderia acabar comigo e com o sofrimento.
Ardia-me o corpo todo, imenso e ensanguentado, partida, amarfanhada, humilhada. Num ímpeto , em desespero final, consegui erguer todo o peso morto de um corpo sem alma e vazio. Esgueirei-me de supetão para a casa de banho, fechei a porta à chave. Do outro lado as pancadas soavam fortes estremecendo as paredes.
Olhei-me no espelho, olhos vermelhos, rosto pisado escorrendo sulcos negros com marcas profundas no pescoço, (quem era eu afinal? Que fazia ali? Porque ficava dia após dia , deixando-me morrer assim?).
Do outro lado da porta a voz grazinava, martelada , violenta, acusatória, (tinha de saber esperar, ainda não era chegado o tempo da fuga).
E se fugisse agora? Maldito cárcere, carcereiro intemporal, voavas do tempo passado até ao presente (não tinha bastado a vez em que me degolaste? – tinhas de voltar para me fazer reviver o tempo em que me separaste dos meus filhos).
Quantas mais vezes vou ter que renascer e sofrer no corpo e na alma a tortura e a violência?
Olhei com desespero as pequenas pérolas brancas que tinha na mão, de um só gesto engoli rápido , sabendo que iria partir.
Hoje olho para baixo, e vejo o meu corpo jazendo envolto no frio da pedra de lioz, espécie de relicário, figurinhas em rosácea – Tanagras que a Dor revolve e sagra, degolada do mundo, alma vagueando de corpo em corpo, eternamente feminina, sempre …”Até ao fim do mundo”.

Pelo menos 17 mulheres morreram este ano devido a violência doméstica e 11 sobreviveram a tentativas de homicídio neste contexto. Os dados foram avançados pela União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR), que realça que são apenas resultados preliminares, contudo, mostram um aumento dos homicídios no contexto de violência doméstica, em relação ao ano anterior.
Maria José Magalhães, da direcção da UMAR, adiantou que duas destas mulheres foram mortas pelos filhos e uma das sobreviventes encontra-se ainda hospitalizada em estado grave. A responsável adianta que só este fim-de-semana morreram duas mulheres às mãos de maridos, ex-maridos, companheiros ou filhos.
Segundo os dados da UMAR, referentes aos primeiros 3 meses de 2008, a maioria das vítimas tem entre 55 e 65 anos e moram na região centro, embora haja muitas da zona norte. Destaque ainda para o facto de 30 por cento das mulheres assassinadas serem consideravelmente mais jovens, tinham entre 20 e 30 anos. As estatísticas mostram também que as vítimas pertencem a todas as classes sociais e de todas as habilitações literárias.
Os dados referem-se apenas aos casos divulgados pela comunicação social , já que, segundo a UMAR, as estatísticas oficiais demoram muito tempo a serem divulgadas, por vezes meses. Assim, é possível que o número de vítimas ainda seja superior.
«Mais príncipes do que o príncipe encantado»
As responsáveis da UMAR explicam que «é difícil para as mulheres saírem do ciclo de vitimização. Muitas temem pelas suas vidas e têm razão. Fugir é difícil e há sempre a hipótese de correr mal, além disso, pensam no futuro dos filhos, e muitas não têm condições de os sustentar».
Maria José Magalhães explica ainda que, «depois de um episódio de violência, os homens pedem desculpa e durante algum tempo são mais príncipes do que o príncipe encantado. A mulher perdoa, até porque está apaixonada, e começa mesmo a desvalorizar, mas da próxima vez é um bocadinho pior».
«O problema», adianta a responsável, «é que o homem julga-se dono de uma mulher só porque gosta dela, namora com ela, ou quer namorar. Aquilo que começa muitas vezes como um controlo do telemóvel, da roupa, e das pessoas com que a namorada fala ou está, torna-se mais tarde em violência». A situação acaba por chegar ao limite em que o agressor diz: «Se não és minha, não és de ninguém», explica.
«A mulher não pode sair deste ciclo sozinha»
Maria José Magalhães explica que «a mulher não pode sair deste ciclo sozinha» e realça a importância dos centros de atendimento terem uma resposta técnica qualificada. «O centro do Porto funciona desde Janeiro de 2007 apenas com voluntárias», realça Ilda Afonso, também da direcção da UMAR. O centro, que faz atendimento de emergência, funciona 24 horas por dia, todos os dias, «mas é muito difícil conseguir isto apenas com voluntários», garante.
A UMAR apela assim à «população em geral, à Segurança Social e ao Estado» para que ajudem a dotar estes centros dos meios humanos e infraestruturas necessárias ao atendimento das mulheres e das suas famílias.
A organização diz ainda que é preciso uma mudança de mentalidades. Para isso, implementou um programa, aplicado em escolas e bairros, para mostrar aos jovens que os problemas não se resolvem apenas com recurso à violência e para ensinar às jovens como detectar os primeiros sinais de violência.
Entre 12 e 18 de Maio, decorre na Faculdade de Psicologia do Porto o Ciclo de Cinema Feminista. Além de pretender alertar a população para os problemas das mulheres, servirá ainda para angariar fundos para os centros da UMAR