29 julho 2012

O Vale da Sombra da Morte

O território português está com mais de 80% de seca. De facto choveu muito pouco. E eu sinto-me seca, já não consigo escrever. Pintar deixei de o fazer há muito tempo. A vida desgasta-nos e desgosta-nos. Ontem foi um dia de cão - daqueles que são abandonados "por causa da crise". Supostamente era dia de aniversário.
Se olharem com atenção aí por uma qualquer rua há sempre um animal famélico de rabo encolhido entre as pernas, acossado pela raça humana - os tais que se dizem seres superiores e com inteligência. É assim que me sinto.
Mas afinal o que é isso de inteligência com tanta guerra que há no Planeta? E a tortura? Apedrejam mulheres até à morte, violam crianças, estripam , manipulam prostituem.
Por tudo isto e muito mais a minha poesia secou.
Outrora alguém me seduziu, encantou e falou-me de St Exupery. Não sei para quê!!!
Afinal eram só palavras. E o mundo está cheio de palavras ocas e desprovidas de conteúdo.
Em nome do Amor e da Amizade cometem-se verdadeiras atrocidades; sobretudo muita violência psicológica.
Depois queixam-se eles e elas que esse mesmo Mundo está virado do avesso. Quem com ferros mata, com ferros morre!
Pudera! Com Q.I. emocionais tão baixos como pode a raça humana ir avante?
Um dia o homem acabará com tudo o que o rodeia; lá diz a velhinha frase : "A 2000 chegarás , de 2000 não passarás".
A Vida  é uma passagem rápida demais para ser desperdiçada. Do meu meio século, os últimos 7 anos - que alguns dizem ser um ciclo - foram um desperdício de investimento afectivo.
Ainda não estou louca, mas para lá caminho! Em mim está a vir à superfície o  lado mais negativo e perverso: uma mulher despeitada  pode escolher o lado mais negro da vida.
Vamos ver quem vence esta batalha. Se Deus ou o Diabo!
Romúlo de Carvalho dizia - e bem - que não acreditava no ser humano. Pois bem, eu também não! E sabe Deus como eu confiava , como de tudo fazia para praticar o bem , usar valores e princípios.
Entrei em regime de tufão pelo vale da sombra da morte.

28 julho 2012

As árvores morrem de pé*


 

       Parece não fazer sentido que o Tempo sopre a vida como se  fossem  folhas secas que esvoaçam .
       Assim pensava ela  enquanto lhe  sobrava tempo mais que suficiente para se enredar num emaranhado de pensamentos que não chegavam a lado nenhum.
      Algures ele existia e  imaginava o poema perfeito, sem promessas. Ela acreditava que ambos sentiam de igual forma.  Entre eles existia um amor sem passado e sem futuro - tinha sido isso que ele lhe dissera.
        Por vezes ela lamentava não conseguir ser original ao expressar o que sentia. Mas o importante mesmo era sentir. Estava viva e corria-lhe no corpo a seiva.
       Outrora um par de namorados  havia esculpido  um coração no seu peito: durante muito tempo  escorreram daquela laceração pequenas gotas  de cor âmbar . Enquanto existir eternidade a marca perdurará. Ficou uma data inscrita que o tempo deformou: Julho de 1959.
      Com a chegada  do verão as crianças costumavam abraçá-la fazendo uma roda em seu redor  - ouvia as suas cantilenas : fui ao jardim da Celeste... giroflé, giroflá...  
      Pela tardinha as mães embalavam os filhos na sombra fresca do seu corpo.
      Quando a lua estava de atalaia ela descobria a sombra dos amantes num só corpo, uma espécie de frémito que  contagiava e a fazia ondular.
      Nas mãos guarda ainda um ninho vazio. Talvez na próxima primavera voltem as aves  e a sua vida se encha de música - pensa ela.
      Mas por agora aguarda serena olhando o horizonte. As suas vestes de cor verde confundem-se com azul  do mar, enquanto não chegam os primeiros ventos do Outono para lhe secar a alma como se  esta fosse  um amontoado de  folhas .
     Muitas luas já voaram no céu desde que  ela era  semente -  germinou no Inverno , foi crescendo na Primavera e em pleno Verão havia finalmente um tenro borboto a rebentar. Nunca se esqueceu da mão que a deitou à terra.
      Fica  a saudade dessa mão que lhe embalou o berço de madeira. E porque as árvores morrem de pé…também ela assim morrerá dando ao tempo pedaços de alma transformadas em folhas secas.

* Aos meus pais e à sombra que me persegue

18 julho 2012

Máscaras


 
Esqueci-me dos meus olhos dentro da alma
E agora sem saber de que tamanho sou
Porque nada enxergo
Nem onde o caminho por onde vou
Porque fujo eu do silêncio que me norteia
Daquele silêncio que me pode fazer  feliz
De que me serve a lucidez nas horas de desvario
De que me serve olhar sem ver
Sem compreender todo este imenso vazio?
E quero tanto a este meu desejo
Mesmo que não o queiras tu
Vou –te possuindo assim
Sem saber  para onde caminho
Onde estou
Nem tão pouco para onde vou
Mas invento-te ainda maior
Quanto mais vale  esquecer-me dos meus olhos
Dentro desta alma perdida
De que olhar em redor  e nada ver
A não ser a vida a passar
Eternamente repetida
Sempre com a máscara posta
Sempre de mim escondida.

15 julho 2012

I Will Survive



Opiário (poema), de Álvaro de Campos

(Hoje seria Sedoxil  e o Mário seria outro , bem como a viagem...), mas lá diz a Glória: Sobreviverei!) E o que terá uma coisa ver com a outra?
No poema Opiário, Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando Pessoa) escreve quadras, estrofes de quatro versos, de teor autobiográfico, se apresentando amargurado e insatisfeito. Ainda sob influência simbolista, há preocupação com a métrica e com a rima.

Este é o único poema da primeira fase de Campos, a fase da morbidez e do torpor (Decadentismo). Exprime o tédio, o enfado, o cansaço, a naúsea, o abatimento e a necessidade de novas sensações. Traduz a falta de um sentido para a vida e a necessidade de fuga à monotonia. É marcado pelo romantismo e simbolismo (rebuscamento, preciosismo, símbolos e imagens).

Álvaro de Campos declara-se decadente, quando se refere ao Opiário.

O poema imita-lhe desde a nostalgia de além, a morbidez snob de um saturado de civilização, a embriaguês do ópio e dos sonhos de um Oriente que não há, o horror à vida, o realismo satírico de certas notações, até ao vocabulário entre precioso e vulgar, às imagens, símbolos, estilo confessional brusco, amimado e divagativo, ao ritmo dos decassílabos agrupados em quadras.

Opiário foi oferecido a Mário de Sá-Carneiro e escrito enquanto navegava pelo Canal do Suez, em março de 1914.

É antes do ópio que a minh'alma é doente.
Sentir a vida convalesce e estiola
E eu vou buscar ao ópio que consola
Um Oriente ao oriente do Oriente.

Esta vida de bordo há-de matar-me.
São dias só de febre na cabeça
E, por mais que procure até que adoeça,
já não encontro a mola pra adaptar-me.

Em paradoxo e incompetência astral
Eu vivo a vincos de ouro a minha vida,
Onda onde o pundonor é uma descida
E os próprios gozos gânglios do meu mal.

É por um mecanismo de desastres,
Uma engrenagem com volantes falsos,
Que passo entre visões de cadafalsos
Num jardim onde há flores no ar, sem hastes.

Vou cambaleando através do lavor
Duma vida-interior de renda e laca.
Tenho a impressão de ter em casa a faca
Com que foi degolado o Precursor.

Ando expiando um crime numa mala,
Que um avô meu cometeu por requinte.
Tenho os nervos na forca, vinte a vinte,
E caí no ópio como numa vala.

Ao toque adormecido da morfina
Perco-me em transparências latejantes
E numa noite cheia de brilhantes,
Ergue-se a lua como a minha Sina.

Eu, que fui sempre um mau estudante, agora
Não faço mais que ver o navio ir
Pelo canal de Suez a conduzir
A minha vida, cânfora na aurora.

Perdi os dias que já aproveitara
. Trabalhei para ter só o cansaço
Que é hoje em mim uma espécie de braço
Que ao meu pescoço me sufoca e ampara.

E fui criança como toda a gente.
Nasci numa província portuguesa
E tenho conhecido gente inglesa
Que diz que eu sei inglês perfeitamente.

Gostava de ter poemas e novelas
Publicados por Plon e no Mercure,
Mas é impossível que esta vida dure.
Se nesta viagem nem houve procelas!

A vida a bordo é uma coisa triste,
Embora a gente se divirta às vezes.
Falo com alemães, suecos e ingleses
E a minha mágoa de viver persiste.

Eu acho que não vale a pena ter
Ido ao Oriente e visto a índia e a China.
A terra é semelhante e pequenina
E há só uma maneira de viver.

Por isso eu tomo ópio. É um remédio
Sou um convalescente do Momento.
Moro no rés-do-chão do pensamento
E ver passar a Vida faz-me tédio.

Fumo. Canso. Ah uma terra aonde, enfim,
Muito a leste não fosse o oeste já!
Pra que fui visitar a Índia que há
Se não há Índia senão a alma em mim?

Sou desgraçado por meu morgadio.
Os ciganos roubaram minha Sorte.
Talvez nem mesmo encontre ao pé da morte
Um lugar que me abrigue do meu frio.
Eu fingi que estudei engenharia.
Vivi na Escócia. Visitei a Irlanda.
Meu coração é uma avòzinha que anda
Pedindo esmola às portas da Alegria.

Não chegues a Port-Said, navio de ferro!
Volta à direita, nem eu sei para onde.
Passo os dias no smokink-room com o conde -
Um escroc francês, conde de fim de enterro.

Volto à Europa descontente, e em sortes
De vir a ser um poeta sonambólico.
Eu sou monárquico mas não católico
E gostava de ser as coisas fortes.

Gostava de ter crenças e dinheiro,
Ser vária gente insípida que vi.
Hoje, afinal, não sou senão, aqui,
Num navio qualquer um passageiro.

Não tenho personalidade alguma.
É mais notado que eu esse criado
De bordo que tem um belo modo alçado
De laird escocês há dias em jejum.

Não posso estar em parte alguma.
A minha Pátria é onde não estou.
Sou doente e fraco.
O comissário de bordo é velhaco.
Viu-me co'a sueca... e o resto ele adivinha.

Um dia faço escândalo cá a bordo,
Só para dar que falar de mim aos mais.
Não posso com a vida, e acho fatais
As iras com que às vezes me debordo.

Levo o dia a fumar, a beber coisas,
Drogas americanas que entontecem,
E eu já tão bêbado sem nada! Dessem
Melhor cérebro aos meus nervos como rosas.

Escrevo estas linhas. Parece impossível
Que mesmo ao ter talento eu mal o sinta!
O fato é que esta vida é uma quinta
Onde se aborrece uma alma sensível.

Os ingleses são feitos pra existir.
Não há gente como esta pra estar feita
Com a Tranqüilidade. A gente deita
Um vintém e sai um deles a sorrir.

Pertenço a um gênero de portugueses
Que depois de estar a Índia descoberta
Ficaram sem trabalho. A morte é certa.
Tenho pensado nisto muitas vezes.

Leve o diabo a vida e a gente tê-la!
Nem leio o livro à minha cabeceira.
Enoja-me o Oriente. É uma esteira
Que a gente enrola e deixa de ser bela.

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que um raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que o não veja!

Ora! Eu cansava-me o mesmo modo.
Qu'ria outro ópio mais forte pra ir de ali
Para sonhos que dessem cabo de mim
E pregassem comigo nalgum lodo.

Febre! Se isto que tenho não é febre,
Não sei como é que se tem febre e sente.
O fato essencial é que estou doente.
Está corrida, amigos, esta lebre.

Veio a noite. Tocou já a primeira
Corneta, pra vestir para o jantar.
Vida social por cima! Isso! E marchar
Até que a gente saia pla coleira!

Porque isto acaba mal e há-de haver
(Olá!) sangue e um revólver lá pró fim
Deste desassossego que há em mim
E não há forma de se resolver.

E quem me olhar, há-de-me achar banal,
A mim e à minha vida... Ora! um rapaz...
O meu próprio monóculo me faz
Pertencer a um tipo universal.

Ah quanta alma viverá, que ande metida
Assim como eu na Linha, e como eu mística!
Quantos sob a casaca característica
Não terão como eu o horror à vida?

Se ao menos eu por fora fosse tão
Interessante como sou por dentro!
Vou no Maelstrom, cada vez mais pró centro.
Não fazer nada é a minha perdição.

Um inútil. Mas é tão justo sê-lo!
Pudesse a gente desprezar os outros
E, ainda que co'os cotovelos rotos,
Ser herói, doido, amaldiçoado ou belo!

Tenho vontade de levar as mãos
À boca e morder nelas fundo e a mal.
Era uma ocupação original
E distraía os outros, os tais sãos.

O absurdo, como uma flor da tal Índia
Que não vim encontrar na Índia, nasce
No meu cérebro farto de cansar-se.
A minha vida mude-a Deus ou finde-a...

Deixe-me estar aqui, nesta cadeira,
Até virem meter-me no caixão.
Nasci pra mandarim de condição,
Mas falta-me o sossego, o chá e a esteira.

Ah que bom que era ir daqui de caída
Pra cova por um alçapão de estouro!
A vida sabe-me a tabaco louro.
Nunca fiz mais do que fumar a vida.

E afinal o que quero é fé, é calma,
E não ter estas sensações confusas.
Deus que acabe com isto! Abra as eclusas —
E basta de comédias na minh'alma!

14 julho 2012

Re-Ligação


 

A vida é uma pauta onde cabem quase todas as partituras.
Os símbolos das notas musicais somos  nós, executando, em função de uma unidade qualquer de tempo ,sons que se perdem na infinidade das memórias.
Há um tempo e um compasso que regulam a vida. E tudo no universo é matemática.
E tudo no Universo é música.
E tudo não passa de relações simples entre números inteiros.
Quantas páginas de partituras já foram rasgadas?
E eu não existo pela metade do número; os meus 5 dedos de cada mão formam duas pautas
O positivo e o negativo
E procuro os símbolos para nelas estancar o vazio que escorre com voz de silêncio.
E porque o silêncio também pode ser musica
E  só em silêncio consigo ouvir
Hoje escolho  um sistema matemático pleno de números inteiros e encho o silêncio
Perdida a alma,  a alma que não tem fórmula, não tem som e não cabe em nenhuma partitura.
Há quem esteja surdo, cego e mudo, sem pauta sequer num profundo vale de sombra .

14-07-2012
Maria João Nunes



“Se Deus é por nós, quem será contra nós? Aquele que nem mesmo a seu próprio Filho poupou, antes o entregou por todos nós, como nos não dará também com ele todas as coisas? Quem intentará acusação contra os escolhidos de Deus? É Deus quem os justifica. Quem é que condena? Pois é Cristo quem morreu, ou antes quem ressuscitou dentre os mortos, o qual está à direita de Deus, e também intercede por nós. Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? Como está escrito: Por amor de ti somos entregues à morte todo o dia; Somos reputados como ovelhas para o matadouro. Mas em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. Porque estou certo de que, nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as potestades, nem o presente, nem o porvir, nem a altura, nem a profundidade, nem alguma outra criatura nos poderá separar do amor de Deus, que está em Cristo Jesus nosso Senhor” (Rm 8.31b-39)
Sendo assim, “ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam” (Sl 23.4).

08 julho 2012

O Caminho




Esgaravatando dentro de mim, à procura
Procurando-me, sem contudo encontrar
Profanando cantos obscuros, onde o riso
nunca ri. Tal como Prometeu aguilhado.
Oito longos anos a um leito amarrado.
O mesmo tempo tenho levado, procurando
Enquanto a alma num crepúsculo
Se enche de sombras viscerais e
numa estranha voragem, perco-me de todos
e a história vai-se escrevendo, inútil.
Igual a si própria e à de muitos, a ninguém aproveita.
Pois todos me desconhecem e não sabem o meu nome.
Amanhã dirão que não existi,  porque não toquei
A alma de ninguém.
Nasci do ventre de minha mãe e do caminho a percorrer
Até esse me ordenaram que deveria esquecer.

Maria João Nunes
08-07-2012