28 julho 2012

As árvores morrem de pé*


 

       Parece não fazer sentido que o Tempo sopre a vida como se  fossem  folhas secas que esvoaçam .
       Assim pensava ela  enquanto lhe  sobrava tempo mais que suficiente para se enredar num emaranhado de pensamentos que não chegavam a lado nenhum.
      Algures ele existia e  imaginava o poema perfeito, sem promessas. Ela acreditava que ambos sentiam de igual forma.  Entre eles existia um amor sem passado e sem futuro - tinha sido isso que ele lhe dissera.
        Por vezes ela lamentava não conseguir ser original ao expressar o que sentia. Mas o importante mesmo era sentir. Estava viva e corria-lhe no corpo a seiva.
       Outrora um par de namorados  havia esculpido  um coração no seu peito: durante muito tempo  escorreram daquela laceração pequenas gotas  de cor âmbar . Enquanto existir eternidade a marca perdurará. Ficou uma data inscrita que o tempo deformou: Julho de 1959.
      Com a chegada  do verão as crianças costumavam abraçá-la fazendo uma roda em seu redor  - ouvia as suas cantilenas : fui ao jardim da Celeste... giroflé, giroflá...  
      Pela tardinha as mães embalavam os filhos na sombra fresca do seu corpo.
      Quando a lua estava de atalaia ela descobria a sombra dos amantes num só corpo, uma espécie de frémito que  contagiava e a fazia ondular.
      Nas mãos guarda ainda um ninho vazio. Talvez na próxima primavera voltem as aves  e a sua vida se encha de música - pensa ela.
      Mas por agora aguarda serena olhando o horizonte. As suas vestes de cor verde confundem-se com azul  do mar, enquanto não chegam os primeiros ventos do Outono para lhe secar a alma como se  esta fosse  um amontoado de  folhas .
     Muitas luas já voaram no céu desde que  ela era  semente -  germinou no Inverno , foi crescendo na Primavera e em pleno Verão havia finalmente um tenro borboto a rebentar. Nunca se esqueceu da mão que a deitou à terra.
      Fica  a saudade dessa mão que lhe embalou o berço de madeira. E porque as árvores morrem de pé…também ela assim morrerá dando ao tempo pedaços de alma transformadas em folhas secas.

* Aos meus pais e à sombra que me persegue

2 comentários:

Álvaro Lins disse...

O que posso dizer!? - Que tu escreves e eu "escrevinho"!
Belíssimo!

A ave vai voltar ao ninho:)!
Bjo

OceanoAzul.Sonhos disse...

Que força tem a sua escrita!
Continue a escrever com a alma.

beijos
cvb