27 julho 2009

O combóio

Segue a alma, inquieta
Ao sabor do condutor
Em arremesso constante
Numa paisagem tremida
Que nos faz ficar para trás
Pedaços de uma vida.

Ainda não chegámos lá
E já sentimos, dormente
A saudade da partida
Espelhada no cristal
Uma sombra surge
Refundida e tripartida
O tempo rola a correr
Entra a lembrança na treva
Para mais à frente ofuscar
Em arrozais e searas
Com o vento a murmurar
Pouca-terra, pouco-mar.
Ainda não chegámos lá.
E o Tempo sempre a correr
Que Saudade sinto agora,
Alma em fogo, vai marcando
Uma estrada pelo caminho
Espécie de éter volátil
Que percorre o seu destino
E o Tempo sempre a correr.Pouca-terra, pouco-mar.
Ainda há pouco parti.
Tenho urgência no chegar.

17 julho 2009

Poemas de Amor e Vida

A ave domesticada vivia numa gaiola. A ave livre vivia na floresta.
Encontraram-se um dia. Era do seu destino.
A ave livre grita: “Ó meu amor, voemos para a floresta!”
E a prisioneira murmura: “Vem cá tu dentro, viveremos juntas.”
A ave livre diz: “Como posso entre grades estender as minhas asas no frémito dum vôo?”.
“Ai de mim, diz a outra, onde encontrar eu poiso na vastidão do céu?”
A ave livre torna: “Ó meu amor, entôa, os cantos das florestas!”
E a prisioneira diz: “Ficai junto de mim. Ensinar-te-ei as canções que aprendi.”
A ave da floresta, responde: “Não! Não! Os cantos não se ensinam!”
E a prisioneira: “Ai de mim, não conheço os cantos da floresta!”.
O amor e o desejo, vão par a par no seu peito, mas nunca poderão voar juntas, a par.
Contemplam-se através das grades e em vão procuram conhecer-se uma à outra.
Batem as asas, queixosas e cantam:” Vem mais perto de mim, meu amor!”
A ave livre diz: “Não posso, tenho medo das portas do teu cárcere.”
E a prisioneira chora: “Minhas asas morreram já não sabem voar!”.

In Antologia de Autores Portugueses e Estrangeiros; Poesia de Rabindranath Tagore ; Ed. Confluência.

14 julho 2009

"Aquele" ser Humano na entrada do Metro do Rossio

Ignoro o seu nome, mas adivinho-lhe as dores
Todos os dias o olho, todos os dias o vejo
Abandonado e perdido, dele próprio
E dos outros, que deixaram que se perdesse.
Deitado sobre a sombra fresca
Dos corredores da cidade, entranhas do sub mundo
Estéril matriz, que vomita vazios de solidão
E eu fugitiva desse apelo, não oiço o silêncio do grito
Vou passando em intermináveis silêncios
Esperando que o destino mude o rumo
Juntos na dualidade/simbiose homem/cão
Ambos desditosos, ambos a pedir atenção
Deixam passar os homens, enquanto a noite
Avança em segredo, e as estrelas se abatem sobre eles.
Quantos pensamentos? Quantas lágrimas?
Quantos abraços ao cão?
Por não poder abraçar mais ninguém
Sozinho, sem pai e sem mãe,
Adormece, embalado pelo vento
Esquecendo a solidão.

13 julho 2009

Memórias

Tenho guardado no meu bolso
Um bocadinho do rio
Umas gotas do oceano
Mil brilhos
Ondulações
E este som do piano.
Eco de velhas canções
Uma canção azul
Com o brilho do luar.
Uma outra
Em tons de verde
Que me fazem recordar
Duas asas lado a lado
Num alegre esvoaçar
Andorinhas junto ao chão
Em alegre chilrear
Anunciando o verão
Que teimava em chegar.
pensava eu...que chegava
Mas nunca chegou a vir
Restaram-me as memórias
Das andorinhas , ao partir
E um pedaço de estrela
Que em cada noite roubo
Para me alumiar a alma
Baú de velhas memórias
Onde conservo a vida
Guardada em papel de seda
Com saquinhos de alfazema
E no meu bolso
Escorre o rio, o riso
A fonte, o pranto
Afogo-me em tanto mar
Que nenhum lenço de mão
Consegue fazer secar.

13-07-2009

Eros, Agape e Philia

"Amor: eros, agape e philia
Na sequência do texto Amizade versus Amor e do comentário que fizeram a gentileza de postar, voltei novamente ao tema deixando aqui um texto que encontrei no blogue "B-Logos", do Walter Neto que achei bastante interessante e que serve para comentar o Homem sem Sombra ....mais tarde voltarei ao tema...."Perdi o sono a pensar (melhor dizendo – viajando) sobre o que seria esse tal de amor. Difícil definir algo que se sente mais do que se fala, que se sonha mais do que se vive, que se deseja acima de um querer simples e imediato. A principal dificuldade está exatamente em que o amor não é algo concreto. Enquanto sentimento ele é abstrato, alguns alegadamente dizem ou imaginam que seja até elevado. Os nossos avós culturais – os gregos – tinham três palavrinhas para definir amor. O amor, para eles poderia ser amor-eros, aquele amor sensual, possessivo, egoísta. Eros é o amor que a sacerdotisa celebrava no templo em êxtase sensual. Eros, era portanto homenageado por uma mulher que se prostituía. Era o deus que não exigia sangue, mas o acto sexual que ali se transformava em acto religioso.No outro extremo, existia o amor-agape. O amor voluntarioso, sagrado, imaculado. O amor-agape é um amor que sai de si mesmo em beneficio do outro. É o amor que pode até negar o amante, desde que afirme o amado.Os primeiros cristãos tomaram agape emprestado e o fundiram na imagem de Jesus de Nazaré. A imagem do homem (ou Deus como desejarem) que se nega a si mesmo, toma uma cruz e morre perdoando é materialização de agape. Agape é perdão, aceitação, serviço em favor do outro, negação de si mesmo, amor incondicional, amor angélico. Tão angélico que se torna amor distante da nossa humanidade imperfeita.Entre agape e eros, os gregos percebiam um terceiro tipo de amor. Philia é o amor amizade, o amor bem querer, nascido da simpatia mútua e crescido na fidelidade. É o amor que tem algo de altruísmo no bem querer e algo do egoísmo ao exigir algumas condições para esse bem querer. Philia estende-se para além do humano e ama até o inanimado e o abstrato. Assim, fala-se em amor à liberdade, amor ao ideal. Como exemplo disso, Platão chega a afirmar que o filósofo é aquele que ama (philia) a verdade.Mas serão eros, agape e philia três amores distintos como distintos são os termos gregos para designá-lo?O ponto de vista que pretendo demonstrar aqui é que não. Todos esses termos são dimensões ou condições psicológicas de um mesmo e único amor. As barreiras que impedem o trânsito entre um e outro não são factuais, são meramente construções culturais interiorizadas sem uma reflexão mais profunda de nossa parte.O amor-philia, da amizade entre pessoas de sexos diferentes ou não, pode facilmente transitar a amor eros na concretização de desejos sensuais, empurrados para baixo do tapete por toneladas de cultura repressora. São desejos que existem – portanto reais - apesar da nossa vontade de vê-los como impuros. Assim, não se devia perguntar: estamos confundindo as coisas? Não há confusão alguma! São apenas três dimensões, ou termos, para o mesmo e único amor. Ao contrario, deveríamos perguntar: estamos transitando no nosso amor?Já consigo ouvir uma objeção a esse meu pensamento. Essa objeção seria a de que quando se “confunde” philia com eros a chance de se perder a philia, ou seja, de se jogar uma bela amizade fora, é gigantesca. Insisto que não seja assim porque o trânsito entre um e outro é bidirecional. Tanto se vai da amizade ao sensual quanto do sensual para a amizade (não é o segundo caso que acontece tanto em relacionamentos que, após vários anos, perde completamente a paixão sem perder o afecto?).
O único impedimento para esse trânsito é somente o nosso medo adolescente de não termos maturidade suficiente para continuar aceitando o outro sem as cobranças de posse típicas do eros. Nesse caso realmente fica difícil manter um amor-amizade com base no transformar o outro em algo a ser possuído como “meu”. Como eu disse anteriormente, isso, no entanto, não é um impedimento real, mas uma degradação do amor para o lado ruim de eros (esse lado ruim não é de forma alguma o sexo – mas a posse).O trânsito entre philia e agape penso ser ponto pacífico. Por isso não gastarei linhas com esse.Resta-me analisar o trânsito entre eros e agape. E que maravilhoso exemplo desse trânsito nos dão aqueles casais simpáticos de idade avançada sentados no banco da praça a conversar, andando de mãos dadas pela rua (mãos que se deram em philia, eros e agora encontram agape). Esse exemplo, entretanto, não é exclusividade de casais com uma longa vida a dois, mas de casais que amadureceram seu amor da posse à doação. Não é privilégio de casais velhos, mas de casais maduros que conseguiram alcançar a plenitude do amor em eros, em philia, e em agape, abolindo o lado ruim de eros (a posse), de agape (a negação do eu), e de philia ( a superficialidade).Casais maduros são o melhor argumento (a guisa de prova) que posso dar da unicidade do amor nas suas três dimensões.Apesar de termos os nossos momentos de cada uma destas dimensões, penso que o ideal é mantermos a vontade de, no todo, vivermos um amor pleno. Amor esse que não será jamais conquistado sem muito suor e, quem sabe, algumas lágrimas, mas que recompensará nosso coração igualmente carente de afeto, doação e sensualidade."

10 julho 2009

Mamã!!!.....
Já sei onde acaba o céu! Acaba onde começam os países!!
( Da autoria da minha sobrinha fada Oriana com 5 anos)

Ectoplasma ....

Descobri-te ansiosamente
Entre olhares mudos
Olhares de silêncio
Corri para ti e abri-te
Rèptilmente

Ondulei no teu corpo
Sem som , lentamente
Com as palavras despidas
Construi-te na mente

A sós
Comigo mesma
De punhos cerrados
Doridos, magoados
Gritando inutilmente

Apenas o som vazio
De uma forma pungente
Um deserto a arder
Imenso.....
Tecendo oásis
Entre a poeira do tempo
As palavras incendiaram-me
E a sós, exorcizei assim
mais um tormento.

10-07-2009

06 julho 2009

Renascer


Ophelia- John Everett Millais (Pintor - Ilustrador Inglês (Pré-Rafaelismo) 1829-1896)

A vida crê que nos aprisiona
Entre as margens do rio.
Criando a ilusão de viver,
Nessas margens brancas
Perdidas entre vales sombrios
Penas de amor e desamor
Como folhas que se abatem
no reflexo traiçoeiro da aguada que segue
Em direcção ao horizonte,
céu sublime, onde se cruzará
com as vagas alterosas
na linha onde nasce o Belo e o Sublime
Em tons de azul oriente.
Renasce lá a lua branca, gigante,
Ungida desde o principio da terra
Coada com fino linho do Egipto
E faz-me adormecer, sonhando
Com aloés, mirra e canela
E assim eis que morro mais um dia,
Encurtando o espaço e o tempo
Diminuindo o abismo que me separa
Dos que de madrugada me procuram
Tornando sublime nascer
sem começar a morrer .
Poder acreditar que a Verdade existe,
para me levar nas suas longas asas
Do Conhecimento da fonte eterna da Vida.

06-07-2009