30 junho 2010

Fantasias

















Hoje apeteceu-me escrever formas e conteúdos diferentes dos constantes aqui, contrariando bastante a orientação deste blog. Tem alturas que escrever poesia cansa, apenas porque a inspiração nem sempre me visita.
Enquanto tomava um duche que pensaria ser  rápido M.  confrontava-se com ideias contraditórias que lhe afluíam ao pensamento. Quase tantas quantas as gotas de água que lhe escorriam pela pele morena.          
      Deixou que o banho se prolongasse, e enquanto encostada ao painel de azulejos,   sentia  o jacto de água quente que lhe desenhava rios imensos a espraiarem-se pelo corpo. Não havia dúvida que o gel de banho e a sua mão faziam milagres, uma espécie de estranho exorcismo acalmavam-lhe os sentidos e preparavam-na para  a noite que parecia adivinhar-se  fascinante.
     De olhos fechados, tacteou a toalha felpuda e macia que lhe abraçou o corpo  quase por inteiro. Por breves segundos sentiu-se hesitante, não sabia o que fazer, seria capaz de arriscar jogar aquele estranho jogo, que há tanto tempo se arrastava? Olhou-se finalmente no espelho e perguntou em voz alta:
-         Quem és tu? Que queres fazer da tua vida? – dentro dela existiam agora duas vozes, uma delas desconhecida  por sinal.
-         Vai! Segue em frente! Estou cansada de te dizer que só “se perdem as que caiem no chão”!
-         Sim, mas essa frase, esse conceito é banal,  vulgar ! Tu sabes que não sou assim!.
-         Ora, não és, dizes tu! mas tens por vezes pensamentos que te impelem a isso !!
-         Não, não, sabes que não, sabes que no fim me arrependo e penso que é tempo perdido que me vou   conspurcando nesses momentos que , no fim me deixam vazia!
-         Olha !...faz como melhor entenderes, a decisão é tua, como é costuma dizer-se,  “quem faz a cama nela se deita”, é contigo, decide-te mulher!!! Já não me ouves mais hoje!
      Abri a porta do  armário branco da casa de banho,  retirei de dentro  as  poções mágicas, um creme de textura maravilhosa,  e , sobretudo aquele gel  malicieux do Thierry Mugler que me fazia crepitar, que me fazia despertar e insuflava ânimo para prosseguir.
      Vesti-me.
       Um vestido preto um nadinha acima da curva do joelho, todo ele em franjinhas que dançavam em redor de mim; meias pretas e cinto de ligas, sapato alto e nada de bijutarias, colares ou brincos - nada de brincos  porque nem as orelhas tenho furadas, um orgulho meu, sentir-me assim diferente de muitas mais – estranha moda essa de ter orifícios não naturais no corpo, como se fosse uma espécie de tribo africana .
      Gosto de coisas simples e discretas, um leve toque aqui e ali,  uma leve exuberância contida. O perfume sim! Algo que é importante, mas não mais do que eu por inteiro. Tal como a maquilhagem, sem ser montra ou cara de palhaço  – tanta mulher que não sabe aplicar uma sombra ou mesmo uma base. Enfim!
     Em mim levava apenas o vestido, nada mais do que isso; ah! E as meias pretas com costura atrás,  presas nas coxas com o tal cinto de ligas da Victoria’s Secret uma peça de lingerie fabulosa.
     Chamei o elevador, entrei, olhei-me ao espelho –  gostei de ver um inesperado brilho nos meus  olhos escuros. Algo enigmático, nem eu sabia o quanto.       Desconhecia-me por inteiro.
     E parti com destino ao desconhecido que me aguardava algures. Era uma noite cálida de verão que nos trouxe um ao outro para junto do rio, após um convite há tanto tempo sonhado. Trocámos o primeiro olhar e tu de imediato sorriste  desse jeito que só tu sabes, como menino travesso que olha de soslaio algo que lhe agrada e que não sabe se pode ter. Estremeci interiormente, um pouco insegura pelo inusitado da situação. Não sei se tomámos café ou chá, ou uma qualquer outra bebida, par ao caso é irrelevante.
     Lembro-me, isso sim,  que caminhámos juntos conversando sobre tudo e sobre nada. Toda eu, por inteiro, tomava consciência  do meu corpo, de cada centímetro de pele, de cada gesto, de cada olhar indirecto.
Vigiávamo-nos mutuamente, num jogo de rato e gato.
E o prémio éramos nós dois.  E sem saber de onde, nem quando, o beijo surgiu ali mesmo -  atrás de mim já não existia espaço para recuar - em pensamento rápido optei por  enfrentar e, em simultâneo entregar-me . Era aquele beijo com que eu sonhava, doce, misturado com o aroma da tua pele que  inebriava e me deixou anestesiada.
Dei por mim a sentir as tuas  mãos; mãos que subiam, mãos que exploravam num vaivém lento que contribuía para que a pulsação subisse de igual modo; as minhas coxas já não eram apenas parte de mim, eram o preâmbulo da loucura, num misto de boca e língua, ambos partimos à desfilada com um caudal que já não nos permitia parar mais. Algo mágico, uma espécie de botão , de interruptor tinha sido dedilhado, corda de viola, tecla de piano, ignição – a chave tinha sido descoberta.
A porta abriu-se e tu entraste devagarinho em mim - fui casa, fui abrigo fui movimento no espaço, foguetão, vai e vem cada vez mais frenético.
Juntos subimos todos os possíveis patamares,  olhando sempre  nos olhos um do outro. Demos as mãos e soltámos os corpos para além do rio, e fizemos do mar o êxtase e da areia da praia o descanso merecido.
À beira da  falésia, clareava o dia, o mar acordava preguiçoso;   do interior do carro vinha aquela música do Johnny Nash -   I can see clearly now..
Até hoje guardo esta memória, ou desejo de a concretizar, já nem sei bem !
Ficaste-me a dever a realização desta minha fantasia. Tantas vezes te pedi que fosse assim.
Talvez por isso te busque incessantemente, Quem sabe um dia eu saia de casa rumo ao desconhecido e te encontre algures.
Por agora....deixo apenas que a água me escorra pela pele morena. Quando sair do duche, vou espraiar-me nua no sofá à tua espera. Perder-me por aí... sem rumo.





29 junho 2010

Pulsar
















Nascem estes versos meus
Deste sentir tão profundo
Que transforma assim em dor
tudo que me chega do mundo.
E só sinto quando vivo
A dor que não quero sentir
Mas é neste caminhar
Que está todo o meu porvir.
E cismo, quieta, olhando
o vasto mundo em redor.
Ergo os olhos para o espaço
E nesta estranha empatia
Chega-me o pulsar das estrelas
Que traduzo para Poesia.

19 junho 2010
















A Morte é a única regra para a qual não existe excepção.
Saramago dizia que  a  nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida.
Eis o exemplo de um homem Inteiro que cumpriu o seu designio, vivendo em plenitude todas as excepções que a Vida lhe concedeu - tornou-se assim num ser verdadeiramente  excepcional.
Soube parar o Tempo. "A vida é assim, faz-se muito de coisas que acabam, Também se faz de coisas que principiam, Nunca são as mesmas."
"Quero encontrar a ilha desconhecida, quero saber quem sou quando nela estiver." - Partiu em paz, submetendo-se  à única regra para a qual não existe excepção. Hora de chegada à ilha : 12:45 do dia 18 de Junho de 2010.

16 junho 2010

Palavras aos meus ouvidos.



















Ninfas e Sátiro - Adolphe William Bouguereau
Viveria eu eternamente
se te soubesse em mim
um corpo sempre presente.
Só para ti viveria
este tudo, e muito mais
nunca de ti ser ausente.
Toda eu me daria
inteira
ao que nunca mais virá
Estranho desígnio este
viver assim só
morrendo,
aceitar sem esperança
tudo aquilo que não entendo.
Ah! Se te pudesse acordar
com gestos simples, sentidos,
e olhasses para mim.
E se te visse a sorrir,
a murmurar de mansinho
palavras aos meu ouvidos.
Levantarias o véu,
a seguir confessarias
que no fundo deste abismo
encontrarias o céu.

14 junho 2010

Fomos tão poucas vezes Um...


Cortesia de  TerritorioScuola


Fomos tão poucas vezes um
Que me perdi a pensar
Que nunca soube contar
Quantas vezes fomos dois
E agora o que somos?
Vais-me dizer depois?
Diz-me, porque já não sei
A cada noite que passa
Espreito pela vidraça
Invento-te nos meus braços
Sozinha no meu regaço
Com as minhas mãos vazias
Cheias deste cansaço.
Fomos tão poucas vezes um
Que me perdi a pensar
Que me perdi a chorar
Vais-me dizer depois
O porquê deste compasso?

10 junho 2010

Quanto não daria eu...
















Giordano Luca: O Rapto da Europa
Os dedos escorrem lentos
Pela textura do corpo
Dunas imensas
Areal extenso, seco
Ardências febris
Sem tardes nem manhãs
Quanto não daria
Por uma chuva de mel
Noites de lascívia doce
Em que cada poro
Bebesse com avidez
O que vindo de ti fosse.

Tudo menos esse fel.