19 agosto 2012

Lá dentro pinto de uma imensa cor de verde esperança

 
Só o que escrevo existe de mim
Tudo o mais é o menos que me falta
talvez nem mais nem menos
uma  medida que desconheço.
Consiste assim a soma dos dias
na diferença entre valores
e oscilo, 
mudo de linha
arquitecto o mundo inteiro
em palavras que vou rendilhando
e não me esqueço das aves do céu
dos peixes do mar
das espuma a galgar sob o vento
por cima das ondas do mar
da águia a pairar no ar
vejo até, pasmada, inenarráveis mundos
feitos deste meu sonhar
E vou tão fundo cá dentro
quanto me é permitido
busco  e rebusco, procuro inventar 
o sentido.
Algo me impele, me balança
me instiga, como se criança
Aquela mesma ali, de negra trança.
Só o que escrevo existe de mim
e rola letra a letra , como se fora
esfera, bola , arco circunferência
e lá dentro pinto de uma imensa cor
de verde esperança.
E nascem os campos, e nasce uma flor
e rola o poema, enchendo o riacho
e mais uma palavra que acrescento
parece uma pedra pronta a despenhar-se
do alto penhasco.

E abro estas asas minhas, e solto o desejo
fecho os meus olhos, respirando  fundo
peço um desejo...
sou asa, sou pedra, nuvem, grão de areia
teia de aranha, raio de luar
e rola o poema e rola o pensamento
que nenhum mortal consegue aprisionar.


Maria João Nunes ( inédito) 18/08/2012


Uma Morte Dentro Da Morte

«(...)Morrem de quê, afinal os poetas,
mesmo os que morrem às mãos dos poetas?
Morrem do que calam, não do que dizem.
Porque a poesia ou diz tudo, ou arrisca-se a ser
uma morte fingida dentro da própria morte.»
in O Livro Branco da Melancolia, José Jorge Letria, Quetzal editores


14 agosto 2012

Obrigada....



«Não vivemos como mortais, porque tratamos das coisas desta vida como se esta vida fora eterna. Não vivemos como imortais, porque nos esquecemos tanto da vida eterna, como se não houvera tal vida.»
Padre António Vieira, Sermão  de Quarta-Feira  de Cinzas

 

Talvez não seja preciso ir tão longe. Todas as coisas simples estão à distância de um  pequeno gesto . O segredo é purificar o corpo e a mente.

E não há Verdade em lugar nenhum do Mundo. A Verdade apenas existe dentro de nós.
Tudo o que desejo é em mim, nasce-me desta força de gerar um outro eu igual ao que aprisiono.
Precisamente porque o conheço.
Ousarei algum dia não mais querer saber, para não mais desejar?
Poderei encontrar algures a  calma, o bem-estar de um dia de fim de Verão, onde tudo parece harmonizar-se.
Parece...não sei se assim será;  outro eu esvoaça algures, parado na beira do caminho, na sebe de arbustos espinhosos que dão frutos doces.
As árvores oscilam tocadas pelo vento e soltam sons ; lembram  golfinhos a comunicarem.
Luzia a luz quente do sol e as abelhas agitavam-se em zumbidos dourados....

(....) continua...... Será?



11 agosto 2012

(I) Realidades


Metades
 

Imagino a realidade como se fora uma laranja.
Ontem havia pensado em maçã.
Faço-lhe pequenos cortes transversos
Entalho o sonho e imagino a arte
Não atingi nunca a perfeição
E arte é o fim, tal como a morte
Sendo a vida o caminho, ando eu aqui
A entalhar, a modelar este enigma
Sempre constante que ainda não descobri
Não sei se é um pensamento de sonho
Onde me perco.
Se sonho que me acho no pensamento
E a minha laranja continua dividida em duas metades
E uma sem a outra vai mirrando
Mas quando busco algo, as coisas já não são
Como no sonho, como no pensamento.
Deslocam-se, fogem-me das mãos
Escorre-me o sumo entre os dedos
Escorre-me o doce da boca, entre os lábios
Nasce um pedaço de desejo, mesmo ali
A cair por mim abaixo.
Eu não devia ter feito cortes transversais
Porque só mais lá para o fim é que serei perfeita
E eu não quero morrer assim.

11/08/2012
Maria João Nunes ( Inédito)

10 agosto 2012

Aprendendo a voar...




Cresceram-me asas novas
Nasceu-me o desejo
de sonhar tudo o que posso
E eu desejo querer ser
inata ânsia de tudo absorver
E este par de asas novas
vai-me fazer voar,
aumento-me a mim própria
e daqui deste terraço
como dizia Pessoa
"Tudo o que sonho ou passo
tudo o que falha ou finda
é como um terraço
sobre outra coisa ainda
essa coisa é que é linda."

E vou esvoaçar por aí
com estas asas coloridas
...
que importa que a verdade esteja para lá do terraço
se eu posso olhar para lá?...
Hoje não tenho mais fome de sonhos!

03 agosto 2012

"Que dias há que na alma me tem posto um não sei quê, que nasce não sei onde, vem não sei como, e dói não sei porquê." - Luiz Vaz de Camões

No coração, talvez, ou diga antes:
Uma ferida rasgada de navalha,
Por onde vai a vida, tão mal gasta.
Na total consciência nos retalha.
O desejar, o querer, o não bastar,
Enganada procura da razão
Que o acaso de sermos justifique,
Eis o que dói, talvez no coração.

José Saramago, in "Os Poemas Possíveis"


E este Blogue chegou ao fim!