Só o que escrevo existe de mim
Tudo o mais é o menos que me falta
talvez nem mais nem menos
uma medida que desconheço.
Consiste assim a soma dos dias
na diferença entre valores
e oscilo,
mudo de linha
arquitecto o mundo inteiro
em palavras que vou rendilhando
e não me esqueço das aves do céu
dos peixes do mar
das espuma a galgar sob o vento
por cima das ondas do mar
da águia a pairar no ar
vejo até, pasmada, inenarráveis mundos
feitos deste meu sonhar
E vou tão fundo cá dentro
quanto me é permitido
busco e rebusco, procuro inventar
o sentido.
Algo me impele, me balança
me instiga, como se criança
Aquela mesma ali, de negra trança.
Só o que escrevo existe de mim
e rola letra a letra , como se fora
esfera, bola , arco circunferência
e lá dentro pinto de uma imensa cor
de verde esperança.
E nascem os campos, e nasce uma flor
e rola o poema, enchendo o riacho
e mais uma palavra que acrescento
parece uma pedra pronta a despenhar-se
do alto penhasco.
E abro estas asas minhas, e solto o desejo
fecho os meus olhos, respirando fundo
peço um desejo...
sou asa, sou pedra, nuvem, grão de areia
teia de aranha, raio de luar
e rola o poema e rola o pensamento
que nenhum mortal consegue aprisionar.
Maria João Nunes ( inédito) 18/08/2012
Uma Morte Dentro Da Morte
«(...)Morrem de quê, afinal os poetas,
mesmo os que morrem às mãos dos poetas?
Morrem do que calam, não do que dizem.
Porque a poesia ou diz tudo, ou arrisca-se a ser
uma morte fingida dentro da própria morte.»
in O Livro Branco da Melancolia, José Jorge Letria, Quetzal editores