29 janeiro 2010

Cartas a Um Jovem Poeta

“Só existe uma solidão. É grande e difícil de suportar. E quase todos nós conhecemos horas em que de bom grado a cederíamos a troco de qualquer convivência, por muito trivial e mesquinha que fosse; até pela simples ilusão de uma pequena coincidência com qualquer outro ser, mesmo com o primeiro que aparecesse, ainda que assim resultasse talvez menos digno. Mas acaso sejam estas, precisamente, as horas em que a solidão cresce – pois o seu desenvolvimento é doloroso como o crescimento das crianças e triste como o início da Primavera – ela, sem embargo, não deve desconcertá-lo, pois o único que, por certo, nos faz falta é isto: Solidão, grande e íntima solidão. Mergulhar em si mesmo e, durante horas e horas, não encontrar ninguém…Isto é o que importa conseguir. Estarmos sós, como estivemos sós quando éramos crianças, enquanto á nossa volta andavam os grandes de um lado para o outro, enredados em coisas que pareciam importantes e grandes, só porque eles se mostravam muito atarefados, e porque nós não entendíamos nada dos seus afazeres.
“Ora bem, se um dia os adultos acabarem por descobrir quão pobres são as suas ocupações, e como as suas profissões são vazias e falhas de qualquer nexo com a vida, porque não seguir, então, olhando todas essas coisas com os olhos da infância, como se fosse algo exterior e estranho? Porque não olhar tudo de longe, da profundidade do nosso próprio mundo, desde os extensos domínios da nossa própria solidão, que é também trabalho e dignidade e ofício?”.
(Rilke, “Cartas a Um Jovem Poeta”, sexta carta, de 23 de Dezembro de 1903)

22 janeiro 2010

Cogito, ergo sum


Vénus beijada por Cúpido - Agnolo Bronzino (1503-1572)
Se soubesse
O que gostava de saber
se gostasse do que sei
sabendo com isso
aquilo que não sei
contudo nunca soube
o som e o gosto
do Amor
Entre outras coisas
só a cor e o cheiro
da dor.
Vermelha e negra
ácida e cáustica
desconheço outro sabor.
Rasguei-me
reinventando
o que pensei
o que gostava de saber
e quando soube
apenas quis
não ser.

21 janeiro 2010

Margens

As margens do meu rio
são feitas de palavras
que aprendi a deixar ir
como se fossem fragas
tão lentas nesse partir.

Deixo-as correr, seguem
pelo leito empedrado
ora singelas e calmas
ou em tropel revoltado.

Cantam-me as águas do rio
um adeus de bruma leve
um bramir de ventania
arrastam atrás de si
a espuma da poesia.

20 janeiro 2010

Palavras


perrault_leon_jean_basile_flechas_cupido
Dizem....
Que o Poeta sente
E sente só
Quando vive
E sofre só.
E nascem
As palavras
E sobem
Com forma
De anjo
Perdido.
Nunca chegam
Nunca partem
Nunca passam
De um gesto
Sofrido.
Lento
Palavras
Com asas
De anjo
Caído.

18 janeiro 2010

Este é o meu País ( outrora marinheiros )

Cada um de nós anda fechado
Cada vez mais encerrado
Na sua torre de marfim
Eternos bastiões
De uma solidão sem fim.

São ameias e torreões
Castelos de desencantar
Terras a perder de vista
Onde não se avista o mar

Junto á costa é só ruínas
Dos pobres mortais
Que se perderam assim
Sem vilões e heroínas
Ao correr dos vendavais

Na curva do horizonte
Jaz a ponte levadiça
Eternamente fechada
Contra os muros de caliça
A cair na paliçada
Ilusão de segurança
Triste moira encantada
Que espalhas contra o vento
As cinzas do pensamento
Vives vazia e sonâmbula
A carpir o sofrimento.

11 janeiro 2010

Às vezes não me conheço
Nem a mim, nem a ti.
Existe mais medo que coragem
Nesta forma de desconhecido
Fingindo que sim.
Que para ti e para mim
Tudo faz todo o sentido.
Tanta mentira assumida
Quando a verdade era
Mais fácil de ser vivida.

07 janeiro 2010

Vendaval

Anda! Vem ouvir o vento
A cantar
No alto do choupal
Vem ouvir o canto
Das marés
E como passa o vento
A assobiar no convés.
Vês tu como ele ceifa
As ondas
E lima as fragas
Fugindo pelos penhascos
Escapulindo-se rápido
Como tu dos meus abraços

Olha o vendaval
Que anda no meu coração
As velas da alma desfraldadas
Brancas de tanta emoção
Acabando destroçadas
Rotas, sujas, rasgadas
Abandonadas na praia
Onde o vento as faz voar
Transformando-as em asas
Que no ombro te vão pousar.
Anda! Vem ouvir o vento
A cantar.

05 janeiro 2010

Pobre Louco

Tanto tempo, quando se nasce
Uma infinidade de dias.
Para depois transformar
Em tantas horas vazias.

Queixas-te assim,
Amargo e revoltado?
Pobre louco, não vês tu
Que o tesouro da vida
Dia a dia o tens estafado!

Lembras-te de ontem?
De quando recusaste rir
Sentir, que estavas vivo?
De que te serve esse corpo
Que te transforma em mendigo.

Andas no mundo a pedir
Disfarçado de mortal
Não esqueças o destino
Fadado de ideal.

Dá-me a tua alma
Entrega o teu corpo
é dando que se recebe
E um dia,
dos muitos que perdeste
Sentirás que foi tão pouco.
Perceberás então
a vida passou
E tu não a viveste.
Pobre louco!