31 dezembro 2010

Homem do Leme - Xutos e Pontapés


http://olhares.aeiou.pt/st_foto3090447.html

Sozinho na noite
um barco ruma para onde vai.
Uma luz no escuro brilha a direito
ofusca as demais.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo do mar
jazem os outros, os que lá ficaram.
Em dias cinzentos
descanso eterno lá encontraram.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo horizonte
sopra o murmúrio para onde vai.
No fundo do tempo
foge o futuro, é tarde demais...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

16 dezembro 2010

O nome das palavras

        
   








A Criação do Mundo - Michelangelo
No inicio, ou deveria dizer no principio, ( e porque nem todos os princípios são inicios) deram-me um nome estranho, não sabia eu naquela altura o que significava ter nome, fui aprendendo ao longo da vida , primeiro as letras e, depois sim, eis que um dia dei por mim a escrever o meu nome. Então sonhei!
       Foi aí que aprendi de facto a sonhar. Estava orgulhosa do meu nome, e muito mais do que isso, orgulhosa de  saber e poder escrever o nome de todas as coisas e de todas as pessoas.
      Imaginei assim um universo justo, onde tudo era realmente o que parecia. Nada como a mulher de César, que  na altura nem conhecia. Hoje continuo a não saber quem verdadeiramente  foi Pompeia Sula, não só porque já partiu, passou a fronteira para um outro espaço , sei lá eu bem onde , quimera, ilusão, oceano de infinitas finitudes. Sei apenas que se deveria sentia sozinha.  Mas agora  não me interessa nada disso! Tantos outros depois dela já partiram, e falta muito pouco para também eu deixar este lugar onde aprendi a escrever  o meu nome. Tenho cá uma ideia que, possivelmente,  até irei conhecer a mulher de César e outras mais que aguardam por mim.
      Encontrei na poesia a nascente de uma água cristalina, rio de palavras a escoarem-se em tumulto, chegando  doridas à foz; muitos  de vós poderão nunca entender, isto apesar de saberem ler e escrever os vossos nomes. Nunca me compreenderão, porque não basta saber escrever, é preciso sentir também o que se escreve, e é só sentindo através das palavras que nos escorrem lestas da mão que conseguireis provar ao mundo o facto de estardes  vivos, que não morrestes ainda. Muitos dir-me-ão que não precisam de provar nada ao mundo! Mentira! – respondo eu irada - sabendo que todos nós precisamos de provar, quanto mais não seja que estamos vivos. E não me venham dizer que só têm de provar a vós próprios o motivo da vossa existência. Isolados e sós dos outros nenhum de nós existe ! Fenecemos qual vegetal  na horta, sem o precioso líquido que nos encharca as raízes e alimenta o caule.
      Outros há, que nasceram e foram morrendo devagar, aos poucos, com um travo amargo a escorrer pelas comissuras dos lábios. Acontece a esses tais que produzem uma escrita surda, oca, desprovida de recheio. Não escrevo para carpir mágoas, escrevo porque aprendi no meu nome o sabor de uma causa maior, provar a mim mesma que afinal o Amor também pode existir a partir de  mim  só - sem a necessidade premente de correspondência.
     Um segredo compartilhado : - Amar é na sua essência querer o bem –estar do Outro, ainda que dentro de nós o caos se instale como se  um furacão  invadisse amiúde, é  no entanto, a oportunidade suprema de nos superarmos a nós próprios e de honrarmos o nome que aprendemos cedo a escrever.
Quando cada um de nós  se supera a si próprio consegue atingir desígnios divinos, homenageando o principio do Verbo.

14 dezembro 2010

V Império



Ousei sonhar-te um dia
D.Sebastião envolto em bruma
Mal sabia eu , que não mais
Sairias  da penumbra!
Por mais interstícios de sol
Que no arrabalde doirem
Os cachos de uvas negras
Transformando-as em néctar
Nunca  ó rei poderás substituir
Esse calor , espécie de alquimia
Que a tudo empresta a cor
O mel e o poder  esvair-se
Bago a bago
Nesta dor.

Quem ousou cometer tamanho crime
De te esconder de ti
Como não arranjaste  caminho
Para poderes chegar aqui?
Chamar-te-ás Sebastião, outro
nome , todos os nomes
Que caibam neste canto
Reino da saudade
quinto do Império
Que virá um dia
Em glória
Erguer da bruma
Os que se foram libertando
De todos os impérios
Terrenos, imperiosos
No sentir das gentes
Que sol a sol
Ousaram porfiar
Cegaram um dia
De olhos postos no mar
Ainda hoje lá estão
Transmutados no velho
do Restelo guardando a entrada da barra
qual comandante na proa
qual tocador com mestria
nas cordas de uma guitarra
que vai tangendo na dor
profecias de Bandarra!







12 dezembro 2010

Dança - Berlioz


Espécie de vendaval, esta ária
Que me cerca, que me envolve
Num trote rápido,  certeiro
Dispara as semi-colcheias
Com mestria de arqueiro.
Lá do escuro correm céleres
Em catadupa assertiva
O mi , o sol e o dó
Em escala repetitiva
É desfile, tropel
Folhas em furacão
Vem o maestro e acena
Joga as folhas no chão
Tubas! Clarins
Rufam ainda os tambores
Ouve-se a vassourinha
A varrer os seus amores
Ritmo, pausa, silêncio
Ratatatata, tão tão
Partitura a voar
Semi-colcheias no chão.
De novo eis que se solta
Lá do fundo um passo leve
Primeiro um, depois outro
Sapatilha de cetim, enlaçada
Na passada, tábua corrida
Pax-de-deux
bailarina
em passo de  bela-adormecida.
Mas onde estará o príncipe?
Vamos todas procurar, ali na densa floresta
onde as feras nos espreitam, corram meninas
corram, ao som deste cavalgar
lá vêm a fada madrinha
a todas nos irá salvar.
Cuidado com o lobo mau
e todo o seu salivar
dentes de frio marmore
que nos querem trucidar
e o som....oiçam....
lá do cimo, céu azul...
a corda do violino
a enviar o sinal
rasgam-se os horizontes
e da cortina de núvens
em salto descomunal
Vem o rei do reino perdido
montado no seu cavalo
ao fundo ouve-se um bramido
O Bem a vencer o Mal .










10 dezembro 2010

Ausências

O Beijo”, do austríaco Gustav Klimt
Tenho ficado à espera
Daquele teu beijo
Que não veio.
Já cansada das ruas
Das casas vazias
Cansada dos motivos
Sem razão aparente
Sempre a continuar
E desde ontem que
Estou assim cheia
Deste vazio
Acalentei-o tão doce
A pensar no beijo
Sei lá , fosse como fosse!
Não chegou a vir.
E porque há coisas
Que os outros não sabem,
Nem ousam saber
Ignoram apenas
Todo este querer.
E fiquei à espera
Olhando o caminho
Ainda a percorrer.
Quem me dera que fosse
Sei lá, como é !
Andam para aí a dizer
Que o caminho se faz
Caminhando,
Mas quem não têm pernas
Como faz para andar?
E quem não têm boca?
Como vai beijar?
Todo este caminho
E ainda falta tanto
tempo, espaço
A preencher
Vida para trilhar.
Tenho ficado à espera
Daquele teu beijo
Que não veio.
Sobra o cansaço
Esta ausência imensa
Do não partilhar.
E quem não tem boca?
Como vai beijar?



17 novembro 2010

Outono

Rolos de folhas caídas
Secas, velhas, esquecidas
Entrincheiram o asfalto
A terra deste passeio
Onde adormecem sós
Os que ficaram no meio
Da tempestade passada
Do rasto da noite escura
À espera da madrugada
Do som da cotovia
Do cantar da alma
Encantada
Do canto da moura perdida
E no banco do jardim
Aquele ali solitário
Que espera um dia a visita
De um pássaro ensolarado
Que pouse, que descanse
Do seu voar fatigado.

Ana,
Vou voltando, devagar, conforme me dói cá dentro onde um estranho designio que me causa este sofrimento.
Alguém um dia me tocou e me deixou assim, neste sentir sem sentir, a esperar da vida a morte que  tarda em vir.
Talvez aí eu encontre a paz que há muito tempo perdi, talvez na morte encontre a vida que na vida não vivi.

09 novembro 2010

Pausa


Tenho mantido algum silêncio, pelo tempo exaustivo de trabalho que me desgasta, e também pelo tempo de reflexão que me acompanha.

Este blogue começou por ser uma 'folha de afectos'... marcas profundas de sentires e sentimentos que me doíam e me asfixiavam.

Assim, mesmo sem eu querer, tornou-se um lugar de culto. Aqui escrevi em noites tantas vezes do amanhecer, fragmentos de muito de mim... alegrias, tristezas, saudade, morte, prazeres estéticos, e tantos outros aspectos de que me rodeio nas noites de invernia ou de outono, como esta de luar escondido a anunciar que os tempos de bruma se aproximam.

Vários ciclos de vida se fecharam ao longo destes anos. Alguns aceitei ou optei por fechá-los... outros se fecharam abruptamente, deixando marcas de mágoas no meu âmago que necessito 'curar' ou apenas 'fingir' que esqueço!

Não vou dizer que termino por aqui... para depois voltar! Tenho visto isso e não quereria deixar passar uma falsa mensagem!

Prefiro dizer que não sei... com fortes probabilidades de não voltar.

Mas aqui virei, carinhosamente, algumas noites, tal rito de amor sentido, reler o que escrevi e os afectos que despertei nos que me visitaram.
Alguns depositaram promessas de grandes amores que deixaram rapidamente morrer... mas mesmo assim, eu guardo em mim tais íntimas e doces palavras. Pertencem-me porque me foram dadas!

Afinal, eu preferiria a vida, lá fora! Pessoas, as que me gostariam, um olhar nos olhos, um tocar, afagar... quando assim se sente e necessita! Sinto-me bem quando demonstram que 'me' gostam!


"Eu nunca guardei rebanhos,
Mas é como se os guardasse.
Minha alma é como um pastor,
Conhece o vento e o sol
E anda pela mão das Estações
A seguir e a olhar.
Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.
Mas eu fico triste como um pôr de sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria no fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janella.

[...]



Alberto Caeiro, 'O Guardador de Rebanhos', 08.03.1914

19 outubro 2010

Fórmula Secreta

Terei eu alguma vez ofendido a morte
Que foge de mim deste modo?
Insiste a vida em apostar
Neste sopro, réstea de fulgor
De inspiração
Se expiro é porque vivo e sinto
Ainda o bater do coração
Máquina que me consome oxigénio
E me faz rolar em auto-estrada.
Lá atrás fica o risco branco
Marca indelével da ofensa
Que faz com que fujas de mim
E me obrigues a viver.

Nas bermas amontoam-se agora
Pedaços de gente que nunca nada ofendeu
Nem tão pouco a morte.
Esta,  tratou de as levar , célere.
Enfeitam-se  com frios pedaços
De mármore, por cima das almas
Encaixotadas em branco e negro.

Ah! Mas o sol brilha em fiapos de ouro quente
Eu sinto que as minhas pálpebras  se fecham
Com doçura,
É tão bom sentir-te no meu corpo!
Cadência de inspirar e expirar, lenta
Morna,
Esta sensação de estar bem comigo e contigo
Saindo de mim, aprendi a dar-me.
E não espero nada  - fórmula secreta - 
Da vida, que ela não me queira dar.

18 outubro 2010

Declaração

"Porque os versos não são, como as gentes pensam, sentimentos ( esses têm-se cedo bastante), - são experiências. Por amor de um verso têm que se ver muitas cidades, homens e coisas, têm que se conhecer os animais, têm que se sentir como as aves voam e que se saber o gesto com que as flores se abrem de manhã. " (...) in Os Cadernos de Malte Lauris Brigge, Rainer Maria Rilke, pref e versão portuguesa de Paulo Quintela, 1955, Coimbra. 
Certifico que todas as palavras aqui escritas
Foram antes testadas,
Mesmo que a rima não rime
Que fique despedaçada
Em cada palavra que escrevo
Existe por detrás dela
A consciência plena
De um punhado de vontade
Que luta e sente
Sofre , e se dá
Em cada hora de vida
Por si própria e pelos outros
Que deixam ficar o rasto
Nas palavras aqui escritas
Certificando-me a vida
Por entre alegria e desditas
Das tais palavras que aqui deixo
Assim deste modo escritas

Alma

Alguém ontem  me disse
Que gostava mais da minha alma
D’outrora.
Fiquei a meditar, sem saber que responder
A minha alma mudou-se?
Ou mudou?
Assim como se não sente a morte
Quando vem
Alguém me matou a alma
E eu não dei por nada?
Ainda me vejo ao espelho.
Ainda lá estou.
Mas a minha alma, essa...
Nem a respiração lhe adivinho
Queria tanto ter os teus olhos aqui
Sem ter que perder os meus.
Talvez  assim a poesia fizesse sentido
E a alma não se perdesse
Num espelho embaciado de gelo.

16 outubro 2010

Constelações
















Fizera com que ela se Imaginasse  com corpo de animal . Há seres brutos e há criaturas brutalizadas. Existem animais e bestas. Seres humanos bestiais, sem conotação positiva e animais humanizados. Ele tinha alturas em que se bestializava de tal forma que só lhe apetecia a ela socar até à exaustão as estrelas das Híades distribuídas em forma de V e que representavam o seu nariz .
Respirou fundo, colocou no prato do cd o concerto nº2 para piano, de Chopin, esta era com certeza uma boa opção, o único bálsamo possível para tentar esquecer quem,  em tom inconsequente,  lhe dizia que a espicaçava, sem ela compreender o porquê de tamanha sorte. Sentia as farpas cravadas no dorso. Nesse momento tinha abandonado a postura de canino fiel e submisso e sentia uma estranha revolta a invadir-lhe a mente.
Na sua imaginação desferiu-lhe um golpe directamente na Aldebaran, ignorava onde ficava a outra estrela, aliás nunca tinha conseguido ver o animal em toda a sua plenitude. Sabia que estava obliterado, seccionado, cortado em partes e , tal como uma vulgar sardanisca, regenerava parte da cauda, sempre que lha cortavam. Mas não tinha coração! Estranha besta esta que possuía no alto da sua cabeça um objecto chifrudo, feito de consecutivas calcificações que dava pelo nome de Alnath tinha-a  este atingido no ponto mais vital do seu ser, estava pronta a morrer mal viessem as primeiras chuvas, emprestaria o seu corpo ao rio e seguiria margens abaixo, nem chegaria a esperar pelo equinócio da Primavera.
Decidiu enrolar-se me si própria e ficar sozinha a chorar a desdita, afinal ninguém era digno de possuir o melhor que dentro dela existia.  Os capotes abandonados na arena ensanguentados de tanta luta eram bem o exemplo que o homem não compreendia  o sofrimento que causava ao seu redor; egoísta criatura criava barreiras, e sempre que pressagiava o perigo, refugiava-se atrás de meia dúzia de tábuas de madeira.
Mas pior do que isto era a ilusão…a transferência de emoções e sentimentos para outros animais que nem sequer eram do seu clã. Ela sabia, afinal como mulher que ainda aparentava ser, que o que restava de Aldebaran, apenas se dirigia para outras constelações…lamentável…mas é assim a vida planetária de certas bestas que por cá proliferam.

15 outubro 2010

Trindades

Tu és o mistério de nós dois
Que me condicionas a ser
Existindo neste excesso
Que me vai fazer perder
Esta estranha loucura
Da forma como me sinto
Vou morrendo entediada.
Vendo deslizar as sombras
Em cada dia que finda
e as tardes ensolaradas
Que se vão tão lentamente
Vestindo  de anoitecer.


14 outubro 2010

Coisas simples

Quando alguém como eu é confrontado com o branco de uma folha de papel, sente, mesmo sem querer, a responsabilidade de a impregnar de vida. E porque nas palavras existe vida. Letra a  letra, mau grado a comparação, funciona aqui a caneta, ou o teclado, como uma estranha agulha que norteia e vai bordando com delicadeza. O trabalho final que se pretende pode resultar bem, o inverso também poderá acontecer.
É das teias da alma, das vivências, do caminho percorrido que vamos buscar o fio condutor, poderá ser material singelo, ou ( ocorre-me agora)  fio de ouro ou prata tal como aquele com que antigamente se bordavam os paramentos. Resultava sempre bem, belas peças de arte que ficaram religiosamente guardadas  nos arcazes das sacristias.
Pois tal como esses delicados paramentos, existem aqui ideias bordadas , gravadas nas mais diversas cores e que correspondem a emoções e sentimentos que guardamos na nossa matriz como seres humanos.
Hoje quero falar de gestos simples. Quero sobretudo agradecer desta forma um testemunho de amizade singela que me chegou de terras de Alcobaça, uma espécie de sinal, quem sabe um emissário de Pedro e Inês para que eu não esmoreça, que por muito que a vida seja escrita com fio de burel, haverá sempre quem nos traga uma encomenda de novelos da mais pura seda para que possamos trabalhar as letras e as palavras dessa forma quase acetinada.
Desta forma, ergo em cadinho de cristal, um delicioso néctar  que me embalou docemente  pela tarde fora,  compartilho o sorriso e as palavras, que teci com amizade, agradeço ao emissário e desejo, mais diria, antes sonho, que um dia  consiga eu bordar na folha singela de um livro o meu obrigada pela força que me transmitiu.
Nem sempre a vida faz sentido, outras sim. Gestos simples, como tal perfeitos e isentos,  são gratificantes  para quem dá e para quem recebe. Aqui fica,  não o equivalente a um lenço de namorados, mas a uma alva toalha de chá, repleta de finas iguarias, chávenas de porcelana, e bolinhos de gengibre e canela .
Obrigada Petrarca

12 outubro 2010

As tuas mãos















Olho-te sem que tu saibas
Esses rios azulados
Que passam  nas tuas mãos
Pedaços de vida marcados
Gosto de me demorar
Baixinho
Sem que tu saibas
Os meus olhos
Nessas marcas
Que tanto queria tocar
Crescem-me os olhos
A alma
A dor
O silêncio que já guardo
De te amar em desamor
Subo ainda um pouco mais
E vai pairar  meu olhar
Como águia no espaço
Na curva do teu pescoço
No desenho que aí fica
Imaginário perdido
De me deixares aninhar
Num desejo sem sentido.
Volto triste deste dia
Sempre que a tarde cai
Fico-me assim rendida
Sem poder soltar um ai.

11 outubro 2010

Diga bom dia com....SICAL

Este mundo é, de facto, um mundo de contrastes. Diariamente constato tal facto.
Eis aqui um exemplo por mim presenciado; poderia ser um simples acto isolado, mas acontece deste modo que vos relato  nas mais variadas circunstâncias, em diversas escalas e níveis, no tempo e no espaço.
Estamos em crise, crise de valores, crise financeira, crise...crise...crise; mas não para todos!
A REDEESPAÇO, S.A, é a designação comercial para os quiosques que publicitam e vendem a conhecida marca de café SICAL onde, todos os dias  passo a determinada hora para tomar o meu café acompanhado do folhado de Chaves – pequenos vícios que me insuflam um pouco de energia pela manhã. Muitos dias, muitos meses a frequentar o mesmo local e acaba-se sempre por ter algum convívio com os empregados do estabelecimento em questão. Eu gostava de ser atendida pelo  Igor, um brasileiro de 18 anos , sempre alegre e bem disposto que sabia já de antemão qual o meu gosto ao entrar no referido espaço. Pois o Igor foi transferido para uma outra dependência , parece que do Campo Grande. De quando em vez fazem rotação dos funcionários, não sei se será para não criarem “maus” vícios, não cheguei de facto a entender. Mas vou amiúde observando , neste meu exercício rotineiro, quase tudo o que me rodeia.
Hoje pela manhã vi, com alguma discrição, não fosse o meu olhar atento, um tabuleiro de bolos e outros géneros destinados ao  consumo alimentar a irem para o lixo! Fiquei atónita e questionei, mas será que vão mesmo para o lixo??? Numa época de crise, de pobreza envergonhada, de fome que a cada dia que passa mais se faz sentir, existe por aí tanta gente que de bom grado aceitaria as ditas sobras . Quantas crianças vão de manhã para a escola sem um único pedaço de pão no estômago? Quantos velhos estão em casa apenas com uma magra côdea e um café aguado?
Desperdiça-se comida desta maneira, nem os próprios empregados a podem levar para casa, tudo ali é racionado, que eu bem vejo, a sopa tem determinada medida para ser servida ao cliente, mas se...no final do dia sobrar...deita-se fora!!
Então é assim, deste modo,  que nunca chegaremos a uma sociedade equilibrada, seja de consumo ou não! É este mais um exemplo, a uma pequena escala, de desaproveitamento dos bens e dos recursos à disposição , não equitativa, do ser humano. Não me refiro aqui à fome em África, á guerra no Iraque, aos desequilíbrios gerados pelo Homem, não preciso de sair muito fora de portas, basta estar atento e perceber que nós somos os maiores predadores existentes à superfície do planeta, Até se justificaria se, apenas matássemos para comer; mas não – matamos por prazer e desrespeitamos tudo e todos ao nosso redor. A cada dia que passa,  desaparece mais e mais a noção de que os valores e princípios são essenciais para uma melhor qualidade de vida. Seja numa loja da SICAL, seja em outro qualquer espaço, vale tudo menos tirar olhos!

30 setembro 2010

Retratos de Lisboa

Tardes lisboetas na zona da Baixa são um pouco o espelho da Nação. Largo de S.Domingos pejado de estudantes caloiros em praxes sem sentido, embriagados em sonhos e copos de ginginha, à mistura com emigrantes oriundos das sete partidas do mundo. Estes últimos transaccionam de tudo um pouco, (passaportes,  diamantes,  telemóveis e cartões furtados,) ao incauto que por ai se movimenta. O sol vai bafejando estas gentes, tornando-lhes a vida menos penosa, não obstante a dívida externa que diariamente aumenta,  em cerca de 100 euros por cada português aqui nascido e criado.
Chega-me  os sons da rua das Portas de Santo Antão, um grupo de quatro cabo-verdianos toca e encanta os passantes com mornas que adoçam a pedra da calçada à portuguesa; desta feita o mais jovem, filho de um dos elementos do grupo,  uns 4 anos  de existência, marca o ritmo e ginga ao som do batuque. Não deixo de sentir ternura e sorrio ao ver ao a sua espontaneidade de criança, num mundo de adultos sem  nexo aparente. No entrada  de certa instituição das redondezas, sentados nos degraus de pedra , em amena cavaqueira decorre a  conversa entre vários elementos: um "segurança", o vendedor  de castanhas  e  gelados,  (embora no mês de Setembro intercale com férias, fruto da mudança de estação, não demorará a chegada de Outubro e o cheiro da dita castanha assada), juntam-se-lhe o motorista do edifício ao lado, o construtor civil e o empregado de mesa que saiu às quatro da tarde – falam de futebol e da politiquice rafeira.
Alguns turistas  imobilizam-se em    frente ao estabelecimento da  ginginha das Portas de Santo Antão, num círculo alargado,  copo de plástico na mão, assistem atentos ao concerto improvisado distingue-se o som de “Angoláaaaa.... angoláaa”. Melodias plenas de nostalgia, alguns, parcos euros caiem nas caixas das violas, onde uma t-shirt aberta com os dizeres “Cabo Verde” convida a deixar o  contributo.
As esplanadas estão cheias de gente ociosa, desfrutando não sei que belezas arquitectónicas citadinas,  porque esta mesma  cidade continua  decrépita e suja.
Deambulando pelo Largo de S. Domingos, cruzamo-nos com gentes ligadas ao debate público, uma espécie de “Corredor do Poder” popular,  de microfone na mão com a finalidade de convidar a população a participar e a dizer de sua justiça  apresentando ideias e sugestões para melhorar a vida política do País;  há mendigos dormindo placidamente um sono que seria de justos, não fosse as injustiças da vida, obrigando a  que qualquer pedaço de chão sirva de leito.
E existem os pombos às centenas, sobrevoando tudo e todos em busca de cada migalha milimétrica, fazendo uma guerra silenciosa com os pardais da cidade.
Dia após dia a cidade vai sobrevivendo, um marulhar imenso de gentes que  entra e sai para trabalhar. A Praça D.Pedro IV , por volta das sete da noite começa a ficar vazia e à noite as ruas da Baixa tornam-se isoladas e perigosas,  abrigo de marginais, toxicodependentes  e sem-abrigo que todos os dias aumentam por aqui.Também deste lado do Rossio um grupo de músicos da América-Latina costuma animar as tardes, em frente à entrada da estação do Metropolitano, findando a tarde, fazem as malas e carregam a carrinha para outras paragens.  São estes alguns dos muitos retratos de Lisboa.

29 setembro 2010

Formigas








O Metro já não é só o que era. A tradição também o não é. Nem Bruxelas é apenas uma couve, nem o metro é apenas uma unidade de comprimento.
Aliás ocorre-me dizer que são várias unidades de comprimento, neste caso estandardizado,   ligadas entre si, imagino que por uma espécie de ganchos que encaixam uns nos outros. Quem movimenta todas estas unidades é o maquinista, espécie de toupeira que saí em de x em x tempo à luz do dia para carregar as baterias.
Mas não quero falar nem das toupeiras, mas  sim,  do carreiro de formigas, animais diligentes e que a maior parte da espécie humana decidiu imitar a nível comportamental.
Assusta-me a formatação a que assisto diariamente, transformamo-nos em formigas no carreiro, num vai e vêm constante; socialmente não interagem, mas multiplicam-se em centenas de conversas abstractas através de pequenos aparelhómetros que os colocam , aparentemente, em contacto com outras formigas do clã. É esta a sociedade que o homem moderno criou: rotinas diárias através de trilhos que, observados com um certo distanciamento,  me levam a pensar que a passos largos nos afastamos do equilíbrio natural,  e do meio onde durante milhões de anos,  evoluímos, rumo a um futuro cada vez mais escravizante.
Poucas crianças se vêem no Metro, muitos imigrantes das mais diversas origens, uma amálgama de chineses, paquistaneses, indianos, negros e ciganos – sem qualquer ordem discriminatória – para além disso uma classe média, enfraquecida, derrotada, tristemente empobrecida e envelhecendo precocemente .
Obedecemos a sinais sonoros em curto espaço de tempo, respondemos ao estímulo do abrir e fechar portas; já não existem revisores e sim fiscais, que com ar ameaçador nos fazem frente em alturas inesperadas pedindo-nos o santo e a senha para continuar no carreiro das formigas. Tudo isto é vagamente Kafkiano, sociedade civil em mutação. Um dia acordamos prisioneiros de nós mesmos,  feras de circo destinado a meia dúzia de privilegiados. Longe vai o tempo dos cristãos atirados às feras. No presente momento cada um de nós é uma pequena fera encarcerada no corpo de uma formiga. Muitas juntas poderiam devorar o sistema!
Hoje vi um adolescente a cantar sozinho, acho que treinava para ir aos Ídolos, tal era a cantoria, em redor algumas formigas riam cochichavam entre membros da tribo. Hoje também vi alguém de olhos vazios perdidos sabe-se lá onde. Velhos exóticos, adultos fora de moda, trajes feios e sem qualquer gosto. Não existem aromas de conhecidas marcas de perfume. No Metro há uma atmosfera pesada e suja.
Gosto apenas de sair e entrar na estação do Saldanha, onde corre uma ligeira brisa através das palavras do Mestre Almada Negreiros, autor das restantes frases espalhadas nos painéis da estação  “Em mim se cruzaram finalmente  todos os lados da terra”que pode continuar a ler-se, no poema Rosa dos Ventos.  

23 setembro 2010

Outono

Tarde mansa de Outono. O  casario de paredes caiadas de branco a ferir a vista. Os murmúrios das gentes a povoar a cidade. Um risco de som na atmosfera. Calmaria imensa. A paz, a pacatez de um sítio onde a cada passo se nasce e se morre.
O céu coberto de pequenas nuvens de algodão. Tudo parece feito de equilíbrio.
Até o som do berbequim algures ecoa em mim  sons meus velhos conhecidos. Trazem-me o aroma dos pomares carregados de fruta madura, dos fios de água a passar na horta, cheiro de terra molhada, o zumbir das abelhas, a quinta do velho senhor que acumulava embalagens vazias ao monte. No velho solar havia uma janela que dava para o tanque onde nadavam carpas gigantes à mistura com enguias, também ali as gentes da aldeia lavavam alguma roupa, tendo por sombra os lilases que se esboroavam lentamente à medida que o verão avançava. Tardes mansas, tão diferentes das de agora. Hoje já não sou a criança de tranças negras que tecia sonhos imensos. Os contos de fadas tem uma época na nossa vida que nos fazem sentir que o mundo inteiro nasceu para nós; está ali inteiro,  apenas à espera que lhe estendamos a  mão para o tornar nosso. Uma brisa do tamanho do sobro de asas de borboleta invade-me, pequenos frios, pequenos medos. Como será o amanhã?
Recordo o aroma das uvas maduras,  formigas polvilhando o solo seco e arenoso. Ao longe o imenso brilho da prata convidava-me a adormecer na areia, sonhava eu com uma cidade assim, como a de hoje. Não contei foi com o golpe de asas e o desvio de rota das andorinhas. Há muito que partiram e levaram a minha alma com elas.

Aço

Sentindo o  aço frio da faca, da navalha, da adaga, escolho qual dos instrumentos quero.
Um deles será temperado de modo diferente,  cavando profundo sulco de agonia. Instante decisivo entre vida e morte. Pergunto-me porque é a vida tão frágil, que depende assim de uma lâmina pequena e afiada. Fronteira ténue entre o grito e o gesto. A  mão é uma arma, constato. ( também a palavra, dizem outros). Em tempo contado, certo mesmo, acrescento,  nasci humana, e  uma vez mais, o fino estilete me libertou da morte e para a vida! Seria possível nascer eu, apenas se me abocanhasses que nem animal ferido? Rasgar-me-ias nesse instante. Talvez mais valesse tal modo? Pergunto-me! Estrangular-me-ias?
Desde aí passei a gritar, oscilando entre o silêncio e o murmúrio das vagas alteradas; há quem lhe chame muitas coisas, mas o seu nome acaba por nunca ser um nome, nem tão pouco lhe chamo de ninguém.
Só eu continuo aqui a sentir-me dia a dia mais surda aos apelos, aos chamamentos ignóbeis dos outros que desejam lacerar sem o convencional frio do aço. Matem-me! Mas façam isso rápido, como quem corta o cordão umbilical; façam-me soltar o grito novo, que me insufle  uma alma inteira. A vida , essa já a conheço. Façam com que renasça na morte! É pedir muito?
Fino bisturi este que me modela o corpo, passeia-se docemente neste invólucro tépido.
Eras tu que ousavas, pobre louco, desfazer a minha vida em ti?
Muitos são os que em jeito de desgraça iminente, ousam sonhar com as certezas – lembra-te agora que os rios continuam a correr indiferentes à agonia da terra.
Assim eu vejo-te como um rio, estreita linha de água, aço destemperado sob a minha realidade que se escoa.
Vai, segue, desagua na linfa e faz-me espraiar numa imensidão de vermelhos rubis a mancharem a tua vã consciência.   

21 setembro 2010

Encanto

Não me deixaria eu desencantar se encanto não houvesse.
Quando deixar de acreditar no encanto, desencantar-me-ei. Este estranho movimento de vai-e-vem constante, se existe é porque assim sinto, entre cálculos menos certos que me vão preenchendo a soma dos meus dias. Cresço agora a um ritmo diferente, já não sou a pequena célula que luta para se multiplicar, faço de mim o possível para que dos teus gestos nasça um poema, único fruto deste despojo que é o amor.
És carne e anjo que alvoroça e alvorece  em frémito dentro deste profundo poço onde eclode o raio de luz nocturna.
E assim me vou encantando, à tua espera. Sempre!

20 setembro 2010

Desde ontem que já morri e renasci mil vezes. Neste dia em que me espero encontrar, perco-me sempre que me procuro. Andam meus olhos vendados, mal nasce o sol adormeço cega do brilho de tanta luz laranja.
Ontem eu não queria mais viver e pensei  que o melhor era mesmo fechar a cortina e deixar os outros continuarem sem mim. A vida é um eterno equívoco, metamorfose de embrião em crisálida, seguindo-se-lhe o nascimento da bela borboleta que vai fenecer breve.
Enquanto vou voando, olho aqui de cima, deste tapete  de pólen – não estás em lugar algum, tudo perece menos as ondas do oceano que  vão submergir o colorido veludo das minhas asas.
Como consigo eu possuir-te sem que te dês? Algures, nesta meia-fusão já não sei se sou eu, ou se és tu que existes.
Outros voos amanhã realizarei; serás um pedaço de tudo, carlinga, nuvem, açor, talvez até parte de mim que não sei se também existo.
E no céu, riscado de branco, passa um super sónico que agarro com a ponta dos dedos. Efémero como tudo o mais!

18 setembro 2010

Meu menino de oiro vieste até mim .

O meu amor por ti manter-se-à para além da vida e da morte - Imutável porque és parte de mim, enquanto um de nós existir, nenhum dos dois morrerá e por que tu vieste... em Setembro aninhar-te no meu coração.

17 setembro 2010

Palavras aradas

Este cansaço de tudo
esta vida tão sem rumo
este arado com que lavro
o pensamento soturno.
Porquê, perguntar-me-ão?
Nem eu vos sei responder
Apenas vou lavrando  terra
para a semente crescer.
Algures em alforge escondido
guardo um pouco de alento
quando chegar a primavera
deitarei por minhas  mãos
um pouco dessa ilusão
que a terra fará florescer.
E ganhar novo sentido.

06 setembro 2010

Pingo de mel

È  de manhã cedo, acordo com o alarido na rua.  Meto a cabeça de fora, pela pequena janela de guilhotina da cozinha. A porteira do prédio onde vivo, pensa que é dona da única figueira que existe no bairro, zela que nem cão feroz, receia que lhe roubem os figos pingo de mel que nascem durante o verão. Imagino que mal deve dormir de noite. Implico com esta figura de olhar sinistro, arredondada – como os figos -,  cabelos brancos, bata de cornucópias e chinela prateada no pé. Senta-se no banco do pequeno terraço e lê  revistas cor de rosa e azuis, outras manchadas de vermelho, falam por vezes da vida de outros figos.
Hoje de manhã decidiu embirrar com o homem que vende figos à entrada do centro comercial, este faz uma constante ronda pelas cercanias,  limpando as figueiras todas. Desta vez  apenas tinha colhido  meia dúzia de folhas da árvore. 
-         Para que quer você as folhas?
-         Ora! Para os figos ficarem mais apresentáveis, mais bem embalados, com estas folhinhas verdes , que lavo na casa de banho do centro comercial. As minhas freguesas gostam de olhar a mercadoria bem embalada.
-         Você anda-me mas é  a roubar os meus figos!!
-         Ó senhora!! Então não sabe que vou pela linha do caminho de ferro fora, quase até Braço de Prata, junto à linha, é daí que trago os figos madurinhos e bons.
     ( velha rabujenta)  - exclamou entre dentes, mas que eu ouvi,  e sorri interiormente, de cabeça esticada fora da janela de guilhotina da cozinha, enquanto observava a tentativa , desta vez gorada.
Passaram mais uns longos minutos e  assistindo eu ao combate pela posse dos frutos apetecíveis, era ver qual dos dois era mais manhoso. Já a dona da bata de cornucópias dizia que chamava a policia.
- Então chame! Os figos não são seus!
- Ó homem largue-me a porta!
Jurei que, só para chatear , nessa noite também eu iria aos figos!! Ao bater da meia-noite, eis me de prontidão, acompanhada pelo meu cão, fiel escudeiro e confidente das horas boas e menos boas, saquinho de plástico na mão. Deu-me um prazer enorme roubar os figos da porteira! Ainda bem que ela só lê revistas cor de rosa...

Marasmo

Já não sei de mim
Onde me perdi
Nesta réstia de saudade
Tanto enfado nas palavras
Que não saem a contento
Escorre-me negra a tinta
Da cor deste sentimento
Perdida me vou achando
No caminhar da pena
A fugir deste tormento
 Da ternura dos outros
Que observo em silêncio
Do toque que já não toco
Do grito que já não dou
De mulher bem comportada
Que não sente, que não tem
A quem roubaram a vida
E que não é de ninguém
Mais vale ficar calada!
Adormecer no marasmo
De viver esta existência
Com gritos mudos de pasmo.

02 setembro 2010

As palavras da Poesia










 



Calíope - Deusa da Poesia 

Quando aqui dentro me dói
Quando o silêncio me envolve
Num silêncio tumular
Peço baixinho ao anjo
Para a minha alma guardar.

Eis que nasce mais um dia
Num dourado alvorecer
Espaireço esta tristeza
Saudade que tenho tua
De nunca te poder ter.

Restam-me as palavras
Com que te estou a escrever
Faço delas a poesia
Com receio de algum dia
Poeta não vir a  ser.

27 agosto 2010

Uma história de encantar.


















(Imagem retirada da net)
Ao contrário de outras histórias de encantar, esta não se inicia com “era uma vez um príncipe...” ou com uma princesa adormecida, nem tão pouco  um príncipe com título herdado de seu pai que  possuía um reino imenso cativo nas mãos de um grão-vizir ou de um estranho feiticeiro ou mágico. Nada disso!
Parte da história  que aqui narro, tem inicio  num  dia em que o verão se preparava para fazer as malas e  rumar a outros horizontes, sem poder precisar o dia, mas algures em local secreto nasce o príncipe. Quando foi baptizado, vaticinaram-lhe longa vida e  coragem de guerreiro, sempre defendendo todos aqueles por quem se sentia responsável.
Na época ( e porque estas criaturas mágicas existem), uma fada tocou-lhe na fímbria do pequeno chambre bordado pacientemente pelas mãos da rainha sua mãe,  e murmurou numa fala quase inaúdivel, uma  quase oculta profecia : - Principezinho...  para encontrares o caminho da felicidade terás de olhar a planície e o sol a descer no acaso,  por muitos e muitos anos; todos os dias ele te dará conta de uma página do seu livro – ouve com atenção o que  tem para te ensinar! Depois, anos mais tarde, já adulto,  subirás a norte e encontrarás uma outra provação, mesmo que sintas receio, olharás o rio que passa por ti ao longe e, de novo,  saberás interpretar a missiva que as suas águas transportam.
Viverás num castelo, que as tuas próprias mãos construíram, mas que se tornará de dia para dia na tua própria prisão.
Tudo o que  confidencio aqui , nesta linguagem incompreensível para muitos, fará parte das provas a prestar para que te  tornes num digno representante de uma raça de  valentes guereiros, não pela linhagem de sangue , mas pela nobreza de carácter. Todo este percurso  será necessário para a  tua aprendizagem.
Haverá um fosso, de águas escuras e pestilentas, agitadas por demónios e criaturas horrendas, mas algo te será dado em determinado  dia, para que sintas confiança em ti mesmo e o atravesses seguro.
...
Passaram então os anos em voragem vertiginosa, o príncipe que já não era menino, tinha recebido da Senhora da Lua, pequenos fios de prata que lhe suavizavam o rosto, fazendo-o resplandecer pelo reino fora; a tal ponto que ofuscava as águas do rio e as ondas do mar. No seu peito vivia espelhado o brilho da  mesmo planeta e o aveludado da neve.
Num outro condado vizinho, havia uma princesa aprisionada, apenas tinha permissão de ver o brilho das estrelas, o sol tinha-lhe sido retirado por um homem vingativo e cruel que dominava todo território.
Todas as noites a princesa suspirava à luz da lua, desejando que o príncipe tivesse coragem para atravessar o fosso que rodeava o castelo. Quando havia lua-cheia, encontravam-se os  num tempo proibido aos dois. Era necessário ter cuidado com as forças que dominavam o príncipe! Só libertando-se um , o outro também poderia ser liberto!
Ambos cativos! Até que um dia, surgiu uma esperança renovada, uma espécie de criptograma para desvendar as páginas de um livro aberto, oculto numa praça a arder – chamavam-lhe a praça da Babilónia! Muitas gentes por ali passavam, mercadores, marinheiros, prostitutas , ladrões de almas e vendilhões do templo.
Havia que conservar a pureza e chegar ao mencionado livro sem  nenhum dos dois se deixar contaminar pelo chão lamacento que pisavam.
Muitas vezes a princesa deixava-se atemorizar, receando que o seu príncipe não conseguisse superar todas as provas. Mas sabiam que teriam de ter confiança um no outro.
Havia um espelho que os tinha visto aos dois, enlaçados e unidos como rocha e onda, como mar e terra, como planície e água. A princesa lembrava-se disso!! E queria voltar lá! Ouvir o príncipe dizer : - aqui é a minha casa, e tu és a minha princesa.
Vão rolar os dias, as semanas e os meses, um dia virá um dragão alado que entregará ao príncipe a parte restante da profecia, num tempo devido, sem descurar os que lhe são queridos e sob sua guarda e protecção; nesse dia o sol volta a brilhar para os dois e os risos e sentidos encherão quartos de tinta cor de laranja! Dormirão juntos no trigo dos campos maduros do verão.
E parte-se do principio que serão felizes para sempre....

19 agosto 2010

Voar

Há em mim um deus que dança
Que me anima, que me insufla
Este pedaço de querer
Este pedaço de esperança.
Quando entra e vem só ele
Fazendo jorrar as fontes
Quando do céu caiem gotas
Que lavam  os horizontes
A terra inteira ressoa
E se levantam dos montes
Os murmúrios ao ouvido
Do desejo renovado
De te sentir no meu corpo
O teu de seiva molhado
E renasces tu em mim
Eu por ti abro-me em flor
Quando és deus que dança
Esta dança do amor.
Somos do mundo senhores
Nessa frenética luta
De consumar o desejo
Que a só a nós  catapulta.
Eu sou arco e tu flecha
Disparada contra o vento.
Ergo-me ao firmamento
E tu levantas as mãos
E ensinas-me a voar
As minhas são tuas asas
E ficamos a pairar.



Un Parfum du Fin du Mond















A Morte do Pássaro de Fogo - Pintura à Óleo 1963 - Estilo: Expressionista ( pertença de Ivam de Almeida Garrett)
Dis, m'en veut surtout pas si ma chanson a un parfum de fin du monde.
Dis, on se reverra un café désert sans les cafés, les gares comment faire pour se retrouver demain
On s'endormira puisque tout sera le grand sommeil
Dis, T'en fait surtout pas si je vois déjà
Le premier oiseau d'un après guerre sur un fil de fer qui s'est barbelé au coeur des années
Now that I know your ins, that I guess my outs,
You're a part of me, couldn't do without you.
Dis, on se reverra un café désert sans les cafés les gares comment faire pour se retrouver demain.
Tu m'endormiras I may go to sleep
Je serai prêt
Hey don't you worry now
Si je vois déjà le premier oiseau d'un après guerre
Soon there'll be a pair lequel restera m'en veux surtout pas
Letra  de Michel Legrand

(Ah! Se eu fosse contar minha história....o mundo ficava mais triste. Mas há sempre um amanhã em que a alegria canta no galho verde de uma árvore.Hoje sou pássaro calado. Mal a madrugada chegue, visto as asas da cotovia e canto para te acordar.)

http://www.youtube.com/watch?v=zTtVFZOD_io&p=3A642C62F3646029&playnext=1&index=48

17 agosto 2010

Iniciação
















  
A Deusa Dionéia

Sinto-te agora  no aroma dos pomares!
Quando as minhas mãos saem para te colher
e te transformas em pantáculo.
E  trincas o verde doce da maçã.

Juntos somos quatro rios, correndo livres
Vela branca a ondular.
E somos luz a viajar , profecia realizada
sem máscara, fantasia consumada.
Em cima estamos nós, em baixo
e no centro.
Bem dentro de mim, cá dentro.
Dentro de ti, eu sou.
 Isís celeste, coroada
pelas tuas mãos tocada ( pela gnosis)
Voando com asas de águia.
Em baixo és arco-iris,  núvem
coluna de fogo a arder dentro de mim
Pássaro, deus, eu columbina, tu
arlequim.
E juntos fomos tudo, dois e um!
E o três até ao infinito.
E na minha pele ressoa agora
o eco, a imagem, o som
e de nós fizemos templo!
E de nós fizemos rito!

16 agosto 2010

Ego sum qui sum.

Se fordes cegos como Sansão, quando sacudirdes as colunas do templo, as ruínas vos esmagarão.
Para mandar na natureza, é preciso ter-se tornado superior à natureza pela resistência às suas atrações.
Se vosso espírito está perfeitamente livre de todo preconceito, toda superstição e de toda incredulidade, mandareis nos espíritos.
Se não obedecerdes às forças fatais, as forças fatais vos obedecerão.
Se fordes sábios como Salomão, fareis as obras de Salomão.
Se fordes santos como Cristo, fareis as obras do Cristo. Para dirigir as correntes da luz móvel, é preciso estar fixo numa luz imóvel.
Para mandar nos elementos, é preciso ter dominado seus furacões, seus raios, seus abismos e suas tempestades.
  • É preciso saber para ousar.
  • É preciso ousar para querer.
  • É preciso querer para ter o Império.
  • E para reinar, é preciso calar.



"Câmaras de Consciência"
Na sequência, a disposição das 12 Horas de Apolónio de Tiana:

Primeira Hora: "Os demónios entoam em conjunto louvores a Deus. Eles perdem a maldade e a ira”.
Segunda Hora: "Mediante a dualidade, os Peixes do zodíaco louvam a Deus. As serpentes ígneas enrolam-se em torno do caduceu e o relâmpago torna-se harmonioso”.
Terceira Hora: "As serpentes do caduceu de Hermes se entrelaçam três vezes. Cérbero escancara sua tríplice goela e o fogo entoa louvores a Deus pelas três línguas do relâmpago”.
Quarta Hora: "Na quarta hora a alma regressa da visita aos túmulos. É o momento em que as quatro lanternas mágicas dos quatro cantos do círculo são acesas. É a hora dos encantamentos e das ilusões”.
Quinta Hora: "A voz das Grandes Águas entoa ao Deus das Esferas Celestiais”.
Sexta Hora: "O Espírito permanece impassível. Ele vê o monstro infernal vir ao Seu encontro e está sem medo”.
Sétima Hora: "Um fogo que dá vida a todos os seres animados, é dirigido pela vontade de homens puros. O Iniciado estende a mão e o sofrimento transforma-se em paz”.
Oitava Hora: "As estrelas conversam entre si. A alma dos sóis responde ao suspiro das flores. A corrente da harmonia faz todos os seres da natureza se harmonizarem entre si”.
Nona Hora: "O número que não deve ser revelado”.
Décima Hora: "A chave do ciclo astronómico e do movimento circular da vida dos homens”.
Décima Primeira Hora: "As asas dos Génios movimentam-se com um misterioso rumorejar. Eles voam de esfera a esfera e levam as Mensagens de Deus de mundo a mundo”.
Décima Segunda Hora: "Aqui se realiza, pelo Fogo, a Obra da Luz Eterna”
Estas doze horas simbólicas, análogas aos signos do Zodíaco mágico e aos trabalhos alegóricos de Hércules, representam a série das obras da iniciação.
é preciso, pois, primeiramente;
1.° — Dominar as paixões más e forçar, conforme a expressão do sábio Hierofante, os próprios demónios a louvarem a Deus.
2.° — Estudar as forças equilibradas da natureza e saber como a harmonia resulta da analogia dos contrários. Conhecer o grande agente mágico e a dupla polarização da luz universal.
3.° — Iniciar-se ao simbolismo do ternário, princípio de todas as íeogonias e de todos os símbolos religiosos.
4.° — Saber dominar todos os fantasmas da imaginação o triunfar de todos os prestígios.
5.° — Compreender como a harmonia universal se produz, no centro das quatro forças elementares.
6.° — Tornar-se inacessível ao temor.
7.° — Exercitar-se na direcção da luz magnética.
8.° — Aprender a prever os efeitos pelo cálculo de ponderação das causas.
9.° — Compreender a hierarquia do ensino, respeitar os mistérios do dogma e calar-se diante dos profanos.
10.° — Estudar a fundo a astronomia.
11.° — Iniciar-se pela analogia às leis da vida e da inteligência universais.
12.° — Operar as grandes obras da natureza pela direcção da luz.
Eis aqui, agora, os nomes e as atribuições dos génios que presidem às doze horas do Nuctemeron.
Por estes génios, os antigos hierofantes não entendiam nem deuses, nem anjos, nem demónios, mas sim forças morais ou virtudes personificadas.


http://hadnu.org/dogma-e-ritual-de-alta-magia/suplemento-do-ritual/o-nuctemeron-de-apolonio-de-thyana

Tejo

10 agosto 2010

O Ladrão de Estrelas

O Tejo tem esta noite uma gargantilha de diamantes.
Quem lha ofereceu foi a linha do horizonte, que se deitou sobre ele. Espécie de colo de novela negra, uma Auá ebúrnea.
Vaidoso,  calmo e vagabundo.
Todos o olham e não é de ninguém.
Das margens, avisto de quando em quando, um fino estilete a marca-lhe as entranhas, pequeno batel
de luz vermelha a fazer lembrar um  rubi
que desliza sereno, talvez uma ínfima gota de sangue que jorre dolorosa.
Reflexos ígneos de um Conde de Monte Cristo, uma mão de finado que se ergue  da escuridão.
Sei pela luz que passa, e que risca o firmamento,  que  alguma estrela cadente se enamorou do rio e desce rápida ao seu encontro. Outras há que brilham ainda seguras lá no cimo. Ainda  distantes, ainda longínquas. Não importa onde estejam; um dia  um tempo virá,  em que todas as estrelas do meu  infinito virão banhar-se nele e o Tejo será  um eterno luzeiro a brilhar no caminho- Solitário, vagabundo e  seguindo até à foz. Sempre de uma beleza que se fosse humana seria insuportável, guardando o brilho das pratas. É talvez por isso que ainda não sou estrela cadente. É talvez também e ainda por isso, que me assemelho mais a um fino estilete. E rasgo-te a espaços amiúde, tentando entender de que é feito o teu veludo aquífero. E continuo a não entender o porquê deste equilíbrio entre nós dois. Tu aí altivo a correres-me aos pés e eu na margem a tentar agarrar-te os sonhos que levas para o mar.

09 agosto 2010

Phantera




















A meu favor
Tenho o verde secreto dos teus olhos
Algumas palavras de ódio algumas palavras de amor
O tapete que vai partir para o infinito
Esta noite ou uma noite qualquer

A meu favor
As paredes que insultam devagar
Certo refúgio acima do murmúrio
Que da vida corrente teime em vir
O barco escondido pela folhagem
O jardim onde a aventura recomeça.

Alexandre O'Neill

05 agosto 2010

Tu exististe mesmo?

Este blogue está aberto apenas a leitores convidados:  - a marca da impiedade.

"Há palavras que nos beijam como se tivessem boca" Alexandre O' Neill

Outras palavras há que nos queimam como brasa.
Na pele fica a marca indelével dosvidannia e na alma o desejo que a barca chegue e justifique a partida.  

Sonhei eu com versos dourados?
Poesia que vinha do além
Sonhei que Antero a tinha escrito
Que  os tinha destinado a mim.
Sonhei ontem,
Hoje procurei ansiosa, pelas páginas
Marcadas
Nada encontrei,
Será que enlouqueci
Ou então sonhei
Mas onde estão esses versos dourados
Que ontem certamente li?

"Antero de Quental suicidou-se porque a Vida se lhe apresentou indecifrável, nas tragédias, nas dores, nas desigualdades de destinos, que à sua filosofia positivista se afiguravam insanáveis injustiças. Depois do seu acto irreparável, verificou com assombro que a morte onde julgara mergulhar não existia e que a sua consciência continuava a viver com mais intensidade do que nunca (...) "

DEUS
(...)
Eu devia buscá-lo onde Ele mora:
Na sua perfeição da Natureza
E no esplêndido encanto  e na beleza
Do Céu, do Mar, da Luz, da Fauna e Flora.
Eu podia em cada hora
Nessa vida: no Amor e na Pureza,
Na Paz e no Perdão e na Tristeza
E até na própria Dor depuradora.

Mas eu andava cego e nada via;
E a Vaidade escolheu para meu guia
A Ciência falaz, enganadora!

Se o Guia fosse a Fé ou a Bondade,
Vê-lo_ia daí na Imensidade,
Como, em verdade, O vejo agora.
in  A Poesia do Espírito, Félix Bermudes , Lisboa 1958

03 agosto 2010

Sinais do Caminho - O meu muito obrigada a quem me trouxe de volta









Ilusões perdidas - Charles Gleyre.

O mar da Vida não está cartografado. Navegamos a maior parte das vezes à deriva. É um facto!
Neste  tempo que me foi concedido  a bordo, vivo  os dias e as noites que se sucedem sem interrupção. Noites de temporal , borrasca tamanha, alternando com noites  de brilho, lua cheia, redonda, imensa. Dias calmos, qualquer um diria,  dias arrastados, entediantes.
 No mês de Julho recebi sinais que não posso ignorar. Um deles foi o falecimento do Prof. Couto Viana. Introduzo aqui um dos seus poemas, convencida de que seja o ultimo. Na altura não soube ler os sinais...

Os poetas não deviam morrer no hospital. ( Digo eu)

“-Porque não chegas a velho,
Menino de mais de oitenta?
Nunca te vês ao espelho?
Essa imagem não te assenta?

-Não me assenta, na verdade.
Por dentro é que eu conto os anos.
Por fora o tempo e a saudade
Causam danos.

-Porque não sentes que vem,
Com passo lento e fatal,
Alguém
Lembrar-te os oitenta e tal?

-Sinto, sim! Mas com coragem:
Já tenho a mala aviada,
Pra iniciar a viagem
Ao tudo a partir do nada.

Na bagagem, o menino:
Que a velhice é para os velhos
E não se alcança o destino
De joelhos.

Não suporto nenhum se
( O coração não duvida)
E vou-me embora antes que
Me adiem mais a partida.

Poema inédito de António Manuel Couto Viana
(9.05.2010)
Viana do Castelo 24.Jan.1923 – Lisboa 08.Jun.2010

Em meados de 8 de Julho  Deus acordou-me – andava eu adormecida no batel.
Permitiu   que eu lesse para além do que está escrito. De que modo? Colocou-me um anjo no caminho para me abrir a mente. Esse anjo falou-me de sonhos, de viagens, barcos, caminhos a percorrer;  em simultâneo  mostrou-se  impiedoso, frio e distante. E eu não compreendia o sentido. Acreditava  que os anjos são seres benfazejos, surgem na nossa vida para nos proteger e alertar, quando partem não nos magoam e não deixam um rasto de destruição.
Em noite de lua cheia o anjo devolveu-me a minha alma, essa que eu tinha entregue algures. Tinha ficado combinado que na Eternidade ela me seria devolvida. Desejei no entanto que esse trato fosse anulado e, que de alguma forma, voltasse a reavê-la. Tal sucedeu de facto. Mas não foi tão linear assim. Ao receber de volta o que nunca deveria ter dado, tive de renascer com todas as implicações que tal processo acarreta.
Dei por mim a olhar a luz de um imenso candeeiro. À minha volta , caras ansiosas aguardavam que eu regressasse do limiar, do portal onde estive. É que eu tinha ido atrás do anjo. Ao contrário do poeta, ainda não estou pronta a partir. E também não quero esperar o meu destino de joelhos.
Depois desse regresso à vida, vieram-me parar às mãos os últimos livros de um caminheiro em final de trilho. Percebi a sua ânsia, a busca pela LUZ no CAMINHO.
Sou uma das fiéis guardiãs do templo que CV construiu. Muitos dos seus tesouros me passaram pelas mãos. Sinto o perfume dos seus livros envolvendo-me .
Para mim foi-me reservada a leitura da chave do caminho. Uma parte essencial do acervo está diante dos meus olhos.
No entanto, foi preciso que um anjo impiedoso me fustigasse com a ponta da asa.
Estou a começar a aprender que a vida é como uma ária musical. O intervalo entre as notas é que conta, não as notas em si.
Obrigada a António Manuel Couto Viana.
Obrigada ao anjo impiedoso.

22 julho 2010

Os sinais no caminho

















Descer......e.......subir amanhã.
Estou cansada.
O olhar fugiu-me  novamente.
Já passou pelos campos dourados,  pelo aroma da canela e do caril .

 Segue pela nuvem sinuosa  do asfalto azul e pousa num galho de árvore.
Deixa uma nesga da vidraça aberta
Se acordares de madrugada ouve-me a cantar. Se a minha asa continuar ferida, chegarei pela tardinha, transformada em canto de cigarra.
Chegarei sempre!
Conforme desço também subirei, a menos que a Eternidade chegue antes de mim.

20 julho 2010

Tese e antítese


A consciência torna-se num formigueiro doloroso, por vezes flui , mas acabo por a perder.
Já não posso ter a pretensão do absoluto – tomei consciência disso.
Cheguei ao limiar do templo, debato-me entre margens: odio e amor. Entrei em conflito, como se fosse barco sem remos.
Sofro hoje,  porque tudo ontem foi inútil.Continuo na senda, deixando um rasto no pó do caminho. Olho para trás e vejo as pegadas marcadas no chão. Estão lá!
Quis conhecer todos os teus segredos. Debalde.
Agora que não te conheço, sei-os de cor, finalmente. Libertei-me de ti.
Ousei dar. A cada gesto meu, fugias sempre mais e mais.  Amar-te para além do corpo,  sem artifícios , sem véu,  e  porque o corpo só, não importava. A alma, essa sim.Era tudo.
Encontrei sempre qualquer coisa tua nos outros; nunca tu me encontraste a mim.
Agora só me resta desmistificar o mundo. A fantasia tornou-se cruel. Dói-me, mas é a única coisa que de ti me ficou.
Escrevo-me assim, mas não sou eu, sou a outra que ficou perdida no tempo. Descobri que o amor foi um estranho vício,  por ti sou criminosa,  pago a pena de ter amado. Cumpra-se o destino que me foi destinado.
Fui tese, sou agora antítese. Sou dissonante sem síntese. Tu nunca existes!Não como eu te sonhava. .
É na incoerência que me fixo,   viver este  meu tempo, que  é também o teu, pese embora,  que não o vivas como é imperativo. A lei da Morte te libertará um dia, eternamente serás prisioneiro do que ficaste a dever-lhe a ela Vida. "Morre lentamente quem não vive...".