03 agosto 2010

Sinais do Caminho - O meu muito obrigada a quem me trouxe de volta









Ilusões perdidas - Charles Gleyre.

O mar da Vida não está cartografado. Navegamos a maior parte das vezes à deriva. É um facto!
Neste  tempo que me foi concedido  a bordo, vivo  os dias e as noites que se sucedem sem interrupção. Noites de temporal , borrasca tamanha, alternando com noites  de brilho, lua cheia, redonda, imensa. Dias calmos, qualquer um diria,  dias arrastados, entediantes.
 No mês de Julho recebi sinais que não posso ignorar. Um deles foi o falecimento do Prof. Couto Viana. Introduzo aqui um dos seus poemas, convencida de que seja o ultimo. Na altura não soube ler os sinais...

Os poetas não deviam morrer no hospital. ( Digo eu)

“-Porque não chegas a velho,
Menino de mais de oitenta?
Nunca te vês ao espelho?
Essa imagem não te assenta?

-Não me assenta, na verdade.
Por dentro é que eu conto os anos.
Por fora o tempo e a saudade
Causam danos.

-Porque não sentes que vem,
Com passo lento e fatal,
Alguém
Lembrar-te os oitenta e tal?

-Sinto, sim! Mas com coragem:
Já tenho a mala aviada,
Pra iniciar a viagem
Ao tudo a partir do nada.

Na bagagem, o menino:
Que a velhice é para os velhos
E não se alcança o destino
De joelhos.

Não suporto nenhum se
( O coração não duvida)
E vou-me embora antes que
Me adiem mais a partida.

Poema inédito de António Manuel Couto Viana
(9.05.2010)
Viana do Castelo 24.Jan.1923 – Lisboa 08.Jun.2010

Em meados de 8 de Julho  Deus acordou-me – andava eu adormecida no batel.
Permitiu   que eu lesse para além do que está escrito. De que modo? Colocou-me um anjo no caminho para me abrir a mente. Esse anjo falou-me de sonhos, de viagens, barcos, caminhos a percorrer;  em simultâneo  mostrou-se  impiedoso, frio e distante. E eu não compreendia o sentido. Acreditava  que os anjos são seres benfazejos, surgem na nossa vida para nos proteger e alertar, quando partem não nos magoam e não deixam um rasto de destruição.
Em noite de lua cheia o anjo devolveu-me a minha alma, essa que eu tinha entregue algures. Tinha ficado combinado que na Eternidade ela me seria devolvida. Desejei no entanto que esse trato fosse anulado e, que de alguma forma, voltasse a reavê-la. Tal sucedeu de facto. Mas não foi tão linear assim. Ao receber de volta o que nunca deveria ter dado, tive de renascer com todas as implicações que tal processo acarreta.
Dei por mim a olhar a luz de um imenso candeeiro. À minha volta , caras ansiosas aguardavam que eu regressasse do limiar, do portal onde estive. É que eu tinha ido atrás do anjo. Ao contrário do poeta, ainda não estou pronta a partir. E também não quero esperar o meu destino de joelhos.
Depois desse regresso à vida, vieram-me parar às mãos os últimos livros de um caminheiro em final de trilho. Percebi a sua ânsia, a busca pela LUZ no CAMINHO.
Sou uma das fiéis guardiãs do templo que CV construiu. Muitos dos seus tesouros me passaram pelas mãos. Sinto o perfume dos seus livros envolvendo-me .
Para mim foi-me reservada a leitura da chave do caminho. Uma parte essencial do acervo está diante dos meus olhos.
No entanto, foi preciso que um anjo impiedoso me fustigasse com a ponta da asa.
Estou a começar a aprender que a vida é como uma ária musical. O intervalo entre as notas é que conta, não as notas em si.
Obrigada a António Manuel Couto Viana.
Obrigada ao anjo impiedoso.

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