31 dezembro 2010

Homem do Leme - Xutos e Pontapés


http://olhares.aeiou.pt/st_foto3090447.html

Sozinho na noite
um barco ruma para onde vai.
Uma luz no escuro brilha a direito
ofusca as demais.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo do mar
jazem os outros, os que lá ficaram.
Em dias cinzentos
descanso eterno lá encontraram.

E mais que uma onda, mais que uma maré...
Tentaram prendê-lo, impor-lhe uma fé...
Mas, vogando à vontade, rompendo a saudade,
vai quem já nada teme, vai o homem do leme...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

No fundo horizonte
sopra o murmúrio para onde vai.
No fundo do tempo
foge o futuro, é tarde demais...

E uma vontade de rir nasce do fundo do ser.
E uma vontade de ir, correr o mundo e partir,
a vida é sempre a perder...

16 dezembro 2010

O nome das palavras

        
   








A Criação do Mundo - Michelangelo
No inicio, ou deveria dizer no principio, ( e porque nem todos os princípios são inicios) deram-me um nome estranho, não sabia eu naquela altura o que significava ter nome, fui aprendendo ao longo da vida , primeiro as letras e, depois sim, eis que um dia dei por mim a escrever o meu nome. Então sonhei!
       Foi aí que aprendi de facto a sonhar. Estava orgulhosa do meu nome, e muito mais do que isso, orgulhosa de  saber e poder escrever o nome de todas as coisas e de todas as pessoas.
      Imaginei assim um universo justo, onde tudo era realmente o que parecia. Nada como a mulher de César, que  na altura nem conhecia. Hoje continuo a não saber quem verdadeiramente  foi Pompeia Sula, não só porque já partiu, passou a fronteira para um outro espaço , sei lá eu bem onde , quimera, ilusão, oceano de infinitas finitudes. Sei apenas que se deveria sentia sozinha.  Mas agora  não me interessa nada disso! Tantos outros depois dela já partiram, e falta muito pouco para também eu deixar este lugar onde aprendi a escrever  o meu nome. Tenho cá uma ideia que, possivelmente,  até irei conhecer a mulher de César e outras mais que aguardam por mim.
      Encontrei na poesia a nascente de uma água cristalina, rio de palavras a escoarem-se em tumulto, chegando  doridas à foz; muitos  de vós poderão nunca entender, isto apesar de saberem ler e escrever os vossos nomes. Nunca me compreenderão, porque não basta saber escrever, é preciso sentir também o que se escreve, e é só sentindo através das palavras que nos escorrem lestas da mão que conseguireis provar ao mundo o facto de estardes  vivos, que não morrestes ainda. Muitos dir-me-ão que não precisam de provar nada ao mundo! Mentira! – respondo eu irada - sabendo que todos nós precisamos de provar, quanto mais não seja que estamos vivos. E não me venham dizer que só têm de provar a vós próprios o motivo da vossa existência. Isolados e sós dos outros nenhum de nós existe ! Fenecemos qual vegetal  na horta, sem o precioso líquido que nos encharca as raízes e alimenta o caule.
      Outros há, que nasceram e foram morrendo devagar, aos poucos, com um travo amargo a escorrer pelas comissuras dos lábios. Acontece a esses tais que produzem uma escrita surda, oca, desprovida de recheio. Não escrevo para carpir mágoas, escrevo porque aprendi no meu nome o sabor de uma causa maior, provar a mim mesma que afinal o Amor também pode existir a partir de  mim  só - sem a necessidade premente de correspondência.
     Um segredo compartilhado : - Amar é na sua essência querer o bem –estar do Outro, ainda que dentro de nós o caos se instale como se  um furacão  invadisse amiúde, é  no entanto, a oportunidade suprema de nos superarmos a nós próprios e de honrarmos o nome que aprendemos cedo a escrever.
Quando cada um de nós  se supera a si próprio consegue atingir desígnios divinos, homenageando o principio do Verbo.

14 dezembro 2010

V Império



Ousei sonhar-te um dia
D.Sebastião envolto em bruma
Mal sabia eu , que não mais
Sairias  da penumbra!
Por mais interstícios de sol
Que no arrabalde doirem
Os cachos de uvas negras
Transformando-as em néctar
Nunca  ó rei poderás substituir
Esse calor , espécie de alquimia
Que a tudo empresta a cor
O mel e o poder  esvair-se
Bago a bago
Nesta dor.

Quem ousou cometer tamanho crime
De te esconder de ti
Como não arranjaste  caminho
Para poderes chegar aqui?
Chamar-te-ás Sebastião, outro
nome , todos os nomes
Que caibam neste canto
Reino da saudade
quinto do Império
Que virá um dia
Em glória
Erguer da bruma
Os que se foram libertando
De todos os impérios
Terrenos, imperiosos
No sentir das gentes
Que sol a sol
Ousaram porfiar
Cegaram um dia
De olhos postos no mar
Ainda hoje lá estão
Transmutados no velho
do Restelo guardando a entrada da barra
qual comandante na proa
qual tocador com mestria
nas cordas de uma guitarra
que vai tangendo na dor
profecias de Bandarra!







12 dezembro 2010

Dança - Berlioz


Espécie de vendaval, esta ária
Que me cerca, que me envolve
Num trote rápido,  certeiro
Dispara as semi-colcheias
Com mestria de arqueiro.
Lá do escuro correm céleres
Em catadupa assertiva
O mi , o sol e o dó
Em escala repetitiva
É desfile, tropel
Folhas em furacão
Vem o maestro e acena
Joga as folhas no chão
Tubas! Clarins
Rufam ainda os tambores
Ouve-se a vassourinha
A varrer os seus amores
Ritmo, pausa, silêncio
Ratatatata, tão tão
Partitura a voar
Semi-colcheias no chão.
De novo eis que se solta
Lá do fundo um passo leve
Primeiro um, depois outro
Sapatilha de cetim, enlaçada
Na passada, tábua corrida
Pax-de-deux
bailarina
em passo de  bela-adormecida.
Mas onde estará o príncipe?
Vamos todas procurar, ali na densa floresta
onde as feras nos espreitam, corram meninas
corram, ao som deste cavalgar
lá vêm a fada madrinha
a todas nos irá salvar.
Cuidado com o lobo mau
e todo o seu salivar
dentes de frio marmore
que nos querem trucidar
e o som....oiçam....
lá do cimo, céu azul...
a corda do violino
a enviar o sinal
rasgam-se os horizontes
e da cortina de núvens
em salto descomunal
Vem o rei do reino perdido
montado no seu cavalo
ao fundo ouve-se um bramido
O Bem a vencer o Mal .










10 dezembro 2010

Ausências

O Beijo”, do austríaco Gustav Klimt
Tenho ficado à espera
Daquele teu beijo
Que não veio.
Já cansada das ruas
Das casas vazias
Cansada dos motivos
Sem razão aparente
Sempre a continuar
E desde ontem que
Estou assim cheia
Deste vazio
Acalentei-o tão doce
A pensar no beijo
Sei lá , fosse como fosse!
Não chegou a vir.
E porque há coisas
Que os outros não sabem,
Nem ousam saber
Ignoram apenas
Todo este querer.
E fiquei à espera
Olhando o caminho
Ainda a percorrer.
Quem me dera que fosse
Sei lá, como é !
Andam para aí a dizer
Que o caminho se faz
Caminhando,
Mas quem não têm pernas
Como faz para andar?
E quem não têm boca?
Como vai beijar?
Todo este caminho
E ainda falta tanto
tempo, espaço
A preencher
Vida para trilhar.
Tenho ficado à espera
Daquele teu beijo
Que não veio.
Sobra o cansaço
Esta ausência imensa
Do não partilhar.
E quem não tem boca?
Como vai beijar?