25 junho 2011

Espelho Partido
















Garota em rosa em frente ao espelho- autor desconhecido.
Pousou-lhe um gafanhoto de cor verde pálido em cima da página. Sacudiu-o com um estalar de dedos ágil,  procurando acertar, sem contudo  molestar. Um insecto, quase do tamanho de um alfinete de dama dos mais pequenos tinha o condão de lhe desviar o gesto e o pensamento.
Há quanto tempo estava ali, de olhar pousado no texto, revendo e revendo-se a si próprio, procurando descortinar vestígios para a lógica de procedimento do homem que estava por detrás da escrita que analisava atenta e demoradamente. Já tinha lido de todas as formas possíveis e imaginárias – achava ele - acabava por terminar uma página e logo outra e mais outra e a nenhuma conclusão chegava. A não ser chegar ao fim do livro.
Em vão tentava encontrar explicação para o comportamento que no outro vinha a observar dia após dia.
Estaria doente? - Poderia mesmo estar, com toda a certeza que sim - Era uma hipótese a considerar, talvez um comportamento esquizofrénico? Sofreria de algum tipo de complexo que desconhecia? Mais uma vez procurou nos manuais que lhe atafulhavam a secretária; esta já a tornar-se pequena para suster tantos livros. Quase que se perdia neles!
Andou enredado meses a fio, até que ocasionalmente se começou a questionar: - A patologia não seria mesmo e só sua? Não encontrava explicação para o comportamento do outro, restava-lhe avaliar-se a si próprio.
Iniciou um diário, registou nele todas as suas sensações, os desejos, as emoções e sentimentos.
Raras vezes saía, isolou-se.Sem darem por isso, observador e o observado começaram, em simultâneo a viver, cada um per si, ausentes de tudo e de todos.
Pela janela aberta chegavam os ruídos da cidade invadindo a contra-gosto a casa transformada em reduto onde nada nem ninguém entrava - nada nem ninguém entrava, quase assim seria - à excepção dos tais insectos de cores. Tinha começado pelo gesto mecânico de repelir um gafanhoto, até que em momento preciso e milenar, e sempre que os dois semi-cerravam os olhos ofuscados por um  sol a encher o horizonte de fagulhas amarelas, entra uma borboleta de asas de arco-íris que um deles tenta apanhar. Já não sei qual dos dois seria, com brusquidão, um deles, estendeu a mão e, quando deu pelo sucedido, o espelho estava caído no chão, estilhaçado.
O que tinha tentado capturar a borboleta, olhou os pedaços partidos no chão e ficou aterrorizado, em cada pedaço existia uma imagem multiplicada daquele que há tanto tempo observava.
Definitivamente sentia-se agora incapaz de diagnosticar a origem da patologia.

24 junho 2011

Labaredas



Inferno_autor-desconhecido_c-1510-20

Há uma fogueira a arder as horas  e os dias
Consome-me incessante
E tudo deita a perder
Nesta espera que abrasa
E faz da alma labareda
Coisa simples deveria ser a Vida
Mas queima, escalda-me inteira
E faz-me sentir perdida

22 junho 2011

O Vale das Sombras




Nada garante que Kublai Kan acredite em tudo o que diz Marco Polo ao descrever-lhe as cidades que visitou nas suas missões: “As pessoas que passam pela rua não se conhecem. Ao verem-se imaginam, mil coisas, (…) os encontros que poderiam verificar-se entre elas, as conversas, as surpresas, as carícias, as ferroadas."
(In As Cidades Invisíveis, de Ítalo Calvino)
Recebi finalmente a tua carta. Foi como uma onda que,  de mar encarnado  volveu para mim.
Senti nas palavras o cheiro da maresia e li nelas uma promessa renovada de vida. E porque o homem é um ser para a liberdade, deixei-te livre e assim livre voltaste de novo, estejas tu onde estiveres, voltarás sempre .
Por ti e por mim, tento diariamente religar-me e seguir  nessa inesgotável continuidade do Amor e Fraternidade. É um caminho áspero que exige que me  transcenda.
Nessa cidade onde tu estás, com vales de penumbra que se perdem na imensidão do tempo, tempo esse que também nós vamos gastando, e perdendo, sem saber que o tempo é precioso, por só ele nos dar a oportunidade única de mergulhar na fonte da vida e do ser;  é  dessa cidade,  de onde me relatas notícias de loucos , de espoliados de afectos, de homens e mulheres que alucinam cidade onde te imagino e  te construo , experimentando a minha consciência limitada ao que apenas conheço.
Contudo consigo ainda imaginar-te percorrendo os longos vales, subindo e descendo, em sucessivos cruzamentos com outras vidas, também elas cruzadas de outras , das tais vidas que se não dão. Estranho no entanto que afirmes que a vida não é coisa que se  dê, - continuas o mesmo ao não desejares perpetuar a ausência. E porque a ausência só é sentida quando não há vida, essa vida que te recusas a gerar.
Aqui, deste lado, essa tua ausência é uma constante. No  sofá continua a marca do teu corpo adormecido –lembras-te quando eu velava o teu sono , e ao acordares perguntava, ansiosa, se voltarias no dia seguinte? Respondias-me,  misterioso, que  virias sempre .
Mais tarde, numa outra carta escreveste que me  imaginavas ali, à esquina do luar  a pensar no futuro: mas o futuro é o caminho para o nada – acrescentavas tu,  quando te perguntava o que era o futuro, já que nem o presente eu sentia existir, porque,  nunca o foi - Presente.
No teu e meu silêncio feito de penumbras, há  uma chama  que brilha com  esperança, emergindo neste breve oceano da Palavra que me faz redescobrir o sentido mais profundo da Vida, fazendo de ti o elo de ligação entre o sonho e a poesia.
Só assim vives, e, ao contrário do que escreves, que não habito os teus sonhos,  tu habitas na minha poesia – um estado interior aberto ao imaginário, ao que é belo e ao que tento eternizar – tu !

21 junho 2011

Quarto 413


Quanto mais avançava pela vida fora, mais olhava para trás, vendo a vida por dentro, uma espécie de avesso da mesma; agarrando-se a maior parte do tempo, com desespero, às memórias que recusava partilhar. Agora  num momento de verdade extrema  olhava em redor e  via-se aprisionado, cheio de tubos e maquinetas  que lhe suportavam a vida. Havia  um estranho bip no compartimento, como se uma projecção de si próprio saltasse para o écran  esverdeado- aquilo era ele - ali representado num ondular, nem sempre constante. De tanto olhar acabava hipnotizado. Desviou o olhar que lhe saiu janela fora, em direcção à luz do dia.
Em contrapartida à lenta reacção física, a mente girava incessante, quase que atingindo velocidade supersónica.
Se fosse hoje...ah se fosse hoje e soubesse o que sei, as coisas que eu não faria,, o que eu não teria feito!- pensava ele.
A enfermeira  entrou no quarto à hora costumeira da medicação, a que ele se entregava dócil como se fosse  criança. Deixava-se conduzir sem qualquer oposição e olhava-a nos olhos, talvez procurando ainda uma réstia de verdade última –  olhando aqueles olhos negros , também eles habituados ao sofrimento, lembrou-se de um outro par de olhos que tinham ficado perdidos no tempo, perdição essa para que  também ele tinha contribuído. E a memória fixou-se aí, inteira como se pairasse  nela, na dona dos olhos negros.
Sacrificou-a em nome do egoísmo que o tinha pautado toda a vida, perdeu-se a si próprio e perdeu-a a ela. Agora já era tarde.
Desviou o olhar para o écran esverdeado e imaginou o relvado em frente ao rio.
Era lá que pairavam as suas lembranças.

20 junho 2011

No rescaldo piquenique do Continente


Há coisas que eu não entendo e, remando contra a maré, o que quer significar contra a orientação deste blogue, em  que 99,9% do seu conteúdo é sobre poesia,  hoje não resisti a veícular aqui, e desta forma, o meu mais completo desagrado pelo gigantesco  “Piquenique do Continente”.
Começo logo por contestar e, citando a Agência Noticiosa Lusa ” A acção de sensibilização dos consumidores, sob o lema "Optem pelo consumo de leite e de carne da produção nacional" consistia na distribuição gratuita de mil litros de leite, da linha de produtos brancos do mesmo hipermercado que promove o piquenique/festa.
O descarregamento do leite foi interrompido pela polícia que ordenou a saída do veículo do local.
A ordem foi acatada pela associação que, no entanto, se retirou do local sob protesto.
Ainda assim os dirigentes da associação distribuíram algumas dezenas de litros de leite a transeuntes ou pessoas que iam para o piquenique na avenida. 
A Associação Nacional de Produtores de Leite e de Carne (APLC) foi  impedida de oferecer mil litros de leite junto ao Marquês de Pombal para protestar contra a venda de leite importado nas grandes superfícies.
Há algo aqui que não joga bem! Por um lado incentivam o consumo de produtos nacionais mas por outro....
Quanto à “quinta” instalada na Avenida da Liberdade, acho deplorável  a ideia do local e passo  enumerar :
Findo o concerto do conhecido cantor de música “pimba”, uma onda gigantesca de multidão, lançou-se avenida acima no que me pareceu-me ser uma manifestação de , na sua grande maioria, saloios ( e não querendo ofender os verdadeiros saloios) a passearem-se entre canteiros de couves , alfaces e tomates, como se estes fossem objectos estranhos vindos de um outro planeta. Saliento que, apesar da proibição e fiscalização manifestamente insuficiente para tamanha avalanche de “Portugal no seu melhor” a passagem dos “saloios” equivalia a arrancarem o mais que pudessem todos os vegetais existentes, não obstante os avisos de que tal não era permitido e que todos os produtos seria doados a instituições de solidariedade social. Em vão! O povo tem orelhas moucas! Muitos dos canteiros ficaram despidos do alecrim, da salsa, do hortelã; as alfaces eram retiradas, vindo atrás o torrão, as meloas apanhadas , mesmo verdes, as maças retiradas das árvores, a lista seria exaustiva, poucos foram os canteiros que ficaram intactos, e mesmo estes “salvaram-se” por terem perto a  vigilância de firmas de segurança! No mínimo ridículo!! Até vi as batatas serem  trincadas crúas , pasme-se!!!
Óbvio que nem os pobres animais escaparam do sossego e tranquilidade do meio onde foram arrancados, o que recusei determinantemente ver, uma porca com as suas crias recém-nascidas, rodeada pela bestiaria  que apontava delirante, como se nunca na vida tivesse visto um suíno ao vivo e a cores. Cabras, ovelhas, patos , galinhas tudo animais extra-terrestres !Desgraçados animais!!
Ora até aqui pareço-vos estar  do contra , mas não é bem assim; acho que a ideia até  é boa, mas façam-no em Monsanto ou no Parque da Bela Vista!!  Mas... que sejam os nosso produtores a trazerem os  produtos; a  e a comercializá-los e não uma grande superfície comercial como o Continente; tudo isto não passa de uma gigantesca operação de marketing muito bem orquestrada, a tal ponto que até a RTP – que deveria significar serviço público – passa um dia inteiro a transmitir em directo!!! Eu pasmo com tudo isto! Tudo somado quanto se gastou? E finalmente a quem aproveitou? Argumentam que muitas das crianças não sabem a génese dos produtos, não sabem de onde vem o frango ou a vaca... pois muito bem e papel didáctico das escolas? É que não é só distribuir Magalhães....para além de que, os pais ao educarem os filhos deveriam elucidá-los sobre o “campo” e a “cidade” sob pena de vermos meio milhão de pessoas em plena avenida de uma capital da Europa a olhar para os tomates, alfaces e cebolas, como se da primeira vez se tratasse!!!
E termino com esta constatação....aqui há uns dias atrás fui ao mencionado hipermercado, procurei pelas cenouras nacionais.... não havia...
Tenho dito!



17 junho 2011

O que é Nacional é bom


Escrevinhei um poema, que guardei no fundo da gaveta, já lá vai um bom par de anos. Supostamente  não era para ser lido. Recentemente fui à procura do dito e vi que o papel tinha sido roído por algum insecto bibliófilo, não sobrou uma única letra.  Com  a minúcia possível e munida de lupa procurei em todas as gavetas o autor de semelhante atentado. Por fim, encontrei  o dito bicho e acusei-o do crime de posse de propriedade intelectual. Eis que o malandro me transmitiu que tinha registado os direitos da poesia na Sociedade Portuguesa de Autores. Quanto ao suporte em papel alimentou-se do mesmo e procriou uma nova geração de bibliófagos: deu á luz mais outros tantos animais, que espalhados pelo mundo fora tem conseguido sobreviver à custa do papel escrito. Da próxima vez que tal suceder, em vez de atilar uma qualquer letra, cilindro-o  por inteiro mesmo correndo o risco de deixar o poema sem um til.Tenho ainda uma solução final: convidar para coabitação alguns morcegos vindos ali dos lados de Mafra. Tudo isto para vos dizer que o que é nacional é bom, não só o pão da mencionada localidade, como também os morcegos que habitam o Convento, já para não referir os bibliófilos espalhados pelo continente ( e ilhas). 
@ Reservados todos os Direitos de Autor

14 junho 2011

Caça ao Poema










O Sono de Vénus e Cupido

Estou cansada, aqui sentada
Farta de magicar, vã tentativa
De um poema modelar.
Apetece-me fugir, até tenho
A porta aberta!
Foge, levanta-te e foge
Vais ver que a alma desperta.
Oh, se fugir, não consigo
Acabar este poema,
Fica a rima incompleta.
O que será uma pena!
Anda lá, não importa!
Sai porta fora e respira
Não te esqueças, que
 há gente a sonhar  como tu.
Escolhe um alvo, olha-o bem
Estica o arco e atira a flecha
Solta o braço
Leve mas com segurança
Acerta-lhe no miocárdio
Logo abaixo das três camadas
De pele branca e luzidia
Não te esqueças da couraça
Que usamos todos os dias!
Quando acertares em alguém
Terás caçado o poema.
Podes agora sonhar
Como quem sonha pedaços
De renda antiga
Feitos de colchas das mães
Deita-te só, e descansa
segura dentro de ti
O poema aprisionado
Aquele que te sacia
E te mantém renovado.





12 junho 2011

O fluído misterioso









Vénus
Ando à procura do poema
Sem métrica e sem  método
Desordenado e caótico
Mas que faça algum sentido
E que não seja neurótico

Ando à procura do poema
Daquele que já foi vivido.
Não quero o poema dorido
Tão pouco o poema sofrido
Quero cantar a alegria
Do poema renascido
Se alguém sentir na poesia
Esse misterioso fluído
Entenderá por si mesmo
Que a vida tem um sentido.
E que através  da poema
Nada será proibido

08 junho 2011

Trago em mim todos os rios do mundo

William Turner - Ausschnitt

Esta noite o mar inundou-me os olhos
Trago em mim todos os rios do mundo
Vulcões de lava irrompem estilhaçando marés
A espuma desfaz-se no cais sob o signo do eterno
Caminho peregrina por sobre a nuvem densa
Há uma dor nova que me diz que ainda existo
Na bagagem do destino levo a bruma da memória
Já não cabe aqui dentro a tempestade
Abatem-se as fragas ao raio
Vergo-me sob o peso da luz que me cegou
E adormeço no cansaço do desejo não consumado.
Amar é deixar correr todos os rios do mundo em nós
Deixá-los ir, livres, soltos, para que regressem em forma de nuvem.
@Reservados todos os Direitos de Autor

07 junho 2011

Fragmentos

Aniquila-me a ideia da morte e da felicidade
Tanto me destruo nesta oscilação
E o pensamento pende
Entre razão e emoção
Tenho um carrasco a vigiar
Ali na parede, entre o vão de uma janela
Dá as horas, dita-me o dia
E de noite abro as portadas
E esgueiro-me através dela.

Nesta espera angustiante
Entre morte e felicidade
Nunca sabendo quando
Quase sempre a enlouquecer
Vejo a soma dos meus dias
Num soturno entardecer.

06 junho 2011

A última gota de espuma



William Turner-Fishermen at Sea
No teu corpo existem velas que fogem de mim
Com elas afastas os alvores da madrugada
E navegas à bolina
Sem nunca chegar ao fim
Na manhã aberta ao sol
Rasgam-se as trevas
Com o grito das gaivotas
Que te perseguem
Iluminas o mar com um véu de espuma
Cada vez mais longe.
Afogo-me aqui e agora
Quando deixo de ver na linha do horizonte
A última onda que te levou
A última gota de espuma
Que sorvi, sem saber contudo
Que não haverá mais mar.
Abro o poema em cada dia maldito
Nego e renego o dito
Reinvento o horizonte sem brisa
Lá ao fundo está um barco parado
E na areia da praia jaz o grito.

04 junho 2011

Esta Lisboa que eu amo.

E o paraíso existe aqui
Nas ruas da minha cidade
Nas sete colinas adormecidas
Nas mouras encantadas
Nas estórias ao luar
Nos sons da minha cidade
Há rouxinóis a cantar
Nos murmúrios, nos pregões
No suave marulhar
Há o rio a deslizar
Manso e aveludado
Leva os navios ao mar
Lisboa, menina e moça
A mais bela capital
Esta Lisboa que eu amo
Princesa de Portugal.

03 junho 2011

Segredos

Tenho bem guardado um segredo,
De tão guardado que está
De tão secreto que é
Que já nem me lembro dele
No dia em que to contei
Jurei que esqueceria
Guardado dentro de mim
Prometi que não diria.
Mas como posso eu viver
Cerceada de mistério
Sem nunca poder dizer
O que guardo aqui no peito
Este amor de caso sério
E de tão serio que é
Que me vai custar a vida
Amar-te assim em segredo
E sentir-me tão perdida.
.

Melodias





Somos as aves de fogo por sobre os campos celestes" - acrílico s/ tela s/ platex -Costa Brites - Março 2000


Há um disco a tocar em tons de azul
Enquanto que lá fora o dia avança
Em momentos de silêncio lento
No verde da letra agitada
O meu olhar é um pássaro
Que faz em ti o ninho do sonho.

02 junho 2011

O pardal de Belém

Alguém lhe ligou a combinar um jantar a dois. Estava um bom fim de tarde, o Tejo a vazar ,debaixo de um imenso véu azul matizado de laranja. O calor apertava ali para os lados da estação fluvial de Belém. Era giro deixar aqui o carro e íamos de barco a Porto Brandão ou à Trafaria disse ela, mas de imediato estancou à pressão o passo que a levava em direcção à bilheteira. Reparou que no asfalto quente estava uma ave minúscula, rosada, sem vestígio de penas e, dentro da sua fragilidade piava incessantemente:- Deixa, vamos embora, já está quase morta, e é tão pequenina, que vais tu fazer com ela?

Prosseguiram o trajecto entrando na embarcação, olhavam alternadamente as duas margens do rio, captando imagens aqui e ali, guardando pedaços de um tempo ocioso , oscilando o barco e oscilando ela também ,entre bombordo e estibordo fugindo-lhe a ela o pensamento para avezita caída no chão.

Jantaram, e de regresso d repetiram o caminho feito três horas antes. Desta feita, de volta à estação fluvial de Belém

Precisamente no mesmo local, três horas depois , a ave continuava viva e a chamar pelos pais. Era noite cerrada. Num impulso, ela baixou-se, pegou-lhe com ternura, aconchegou-a na mão, ouvindo o pipilar suplicante de ajuda. Trouxe-a para casa. Na madrugada do novo dia acordou bem cedo, eram 5 e meia da manhã, procurou seguir o ritmo das aves que acordam com os primeiros alvores. Procurou alimentá-lo, continuava vivo e era decididamente um lutador!

Faltou ao emprego, pediu um dia de férias e ficou-se pela casa, perdida em tantos pensamentos, tanta reflexão sobre a fragilidade da vida, a tenacidade e sobretudo pasmava-se ela própria com a paciência que é necessária para com mil gestos criar uma tão frágil e minúscula criatura. Procurou na internet sites sobre criação de aves, comprou papa para crias na loja de animais e de 30 em 30 minutos, mais coisa menos coisa, alimentava-o. Quantos cuidados, quantos voos!

Ligou a uma amiga e disse-lhe que devia estar a ficar doida por apanhar um pardal no chão e ausentar-se do emprego. E afinal de nada serviu! A meio da tarde o pardal morreu e ela deu por si a chorar, frustrada por não o ter conseguido salvar.