Garota em rosa em frente ao espelho- autor desconhecido.
Pousou-lhe um gafanhoto de cor verde pálido em cima da página. Sacudiu-o com um estalar de dedos ágil, procurando acertar, sem contudo molestar. Um insecto, quase do tamanho de um alfinete de dama dos mais pequenos tinha o condão de lhe desviar o gesto e o pensamento.
Há quanto tempo estava ali, de olhar pousado no texto, revendo e revendo-se a si próprio, procurando descortinar vestígios para a lógica de procedimento do homem que estava por detrás da escrita que analisava atenta e demoradamente. Já tinha lido de todas as formas possíveis e imaginárias – achava ele - acabava por terminar uma página e logo outra e mais outra e a nenhuma conclusão chegava. A não ser chegar ao fim do livro.
Em vão tentava encontrar explicação para o comportamento que no outro vinha a observar dia após dia.
Estaria doente? - Poderia mesmo estar, com toda a certeza que sim - Era uma hipótese a considerar, talvez um comportamento esquizofrénico? Sofreria de algum tipo de complexo que desconhecia? Mais uma vez procurou nos manuais que lhe atafulhavam a secretária; esta já a tornar-se pequena para suster tantos livros. Quase que se perdia neles!
Andou enredado meses a fio, até que ocasionalmente se começou a questionar: - A patologia não seria mesmo e só sua? Não encontrava explicação para o comportamento do outro, restava-lhe avaliar-se a si próprio.
Iniciou um diário, registou nele todas as suas sensações, os desejos, as emoções e sentimentos.
Raras vezes saía, isolou-se.Sem darem por isso, observador e o observado começaram, em simultâneo a viver, cada um per si, ausentes de tudo e de todos.
Pela janela aberta chegavam os ruídos da cidade invadindo a contra-gosto a casa transformada em reduto onde nada nem ninguém entrava - nada nem ninguém entrava, quase assim seria - à excepção dos tais insectos de cores. Tinha começado pelo gesto mecânico de repelir um gafanhoto, até que em momento preciso e milenar, e sempre que os dois semi-cerravam os olhos ofuscados por um sol a encher o horizonte de fagulhas amarelas, entra uma borboleta de asas de arco-íris que um deles tenta apanhar. Já não sei qual dos dois seria, com brusquidão, um deles, estendeu a mão e, quando deu pelo sucedido, o espelho estava caído no chão, estilhaçado.
O que tinha tentado capturar a borboleta, olhou os pedaços partidos no chão e ficou aterrorizado, em cada pedaço existia uma imagem multiplicada daquele que há tanto tempo observava.
Definitivamente sentia-se agora incapaz de diagnosticar a origem da patologia.