Alguém lhe ligou a combinar um jantar a dois. Estava um bom fim de tarde, o Tejo a vazar ,debaixo de um imenso véu azul matizado de laranja. O calor apertava ali para os lados da estação fluvial de Belém. Era giro deixar aqui o carro e íamos de barco a Porto Brandão ou à Trafaria disse ela, mas de imediato estancou à pressão o passo que a levava em direcção à bilheteira. Reparou que no asfalto quente estava uma ave minúscula, rosada, sem vestígio de penas e, dentro da sua fragilidade piava incessantemente:- Deixa, vamos embora, já está quase morta, e é tão pequenina, que vais tu fazer com ela?
Prosseguiram o trajecto entrando na embarcação, olhavam alternadamente as duas margens do rio, captando imagens aqui e ali, guardando pedaços de um tempo ocioso , oscilando o barco e oscilando ela também ,entre bombordo e estibordo fugindo-lhe a ela o pensamento para avezita caída no chão.
Jantaram, e de regresso d repetiram o caminho feito três horas antes. Desta feita, de volta à estação fluvial de Belém
Precisamente no mesmo local, três horas depois , a ave continuava viva e a chamar pelos pais. Era noite cerrada. Num impulso, ela baixou-se, pegou-lhe com ternura, aconchegou-a na mão, ouvindo o pipilar suplicante de ajuda. Trouxe-a para casa. Na madrugada do novo dia acordou bem cedo, eram 5 e meia da manhã, procurou seguir o ritmo das aves que acordam com os primeiros alvores. Procurou alimentá-lo, continuava vivo e era decididamente um lutador!
Faltou ao emprego, pediu um dia de férias e ficou-se pela casa, perdida em tantos pensamentos, tanta reflexão sobre a fragilidade da vida, a tenacidade e sobretudo pasmava-se ela própria com a paciência que é necessária para com mil gestos criar uma tão frágil e minúscula criatura. Procurou na internet sites sobre criação de aves, comprou papa para crias na loja de animais e de 30 em 30 minutos, mais coisa menos coisa, alimentava-o. Quantos cuidados, quantos voos!
Ligou a uma amiga e disse-lhe que devia estar a ficar doida por apanhar um pardal no chão e ausentar-se do emprego. E afinal de nada serviu! A meio da tarde o pardal morreu e ela deu por si a chorar, frustrada por não o ter conseguido salvar.
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