29 setembro 2010

Formigas








O Metro já não é só o que era. A tradição também o não é. Nem Bruxelas é apenas uma couve, nem o metro é apenas uma unidade de comprimento.
Aliás ocorre-me dizer que são várias unidades de comprimento, neste caso estandardizado,   ligadas entre si, imagino que por uma espécie de ganchos que encaixam uns nos outros. Quem movimenta todas estas unidades é o maquinista, espécie de toupeira que saí em de x em x tempo à luz do dia para carregar as baterias.
Mas não quero falar nem das toupeiras, mas  sim,  do carreiro de formigas, animais diligentes e que a maior parte da espécie humana decidiu imitar a nível comportamental.
Assusta-me a formatação a que assisto diariamente, transformamo-nos em formigas no carreiro, num vai e vêm constante; socialmente não interagem, mas multiplicam-se em centenas de conversas abstractas através de pequenos aparelhómetros que os colocam , aparentemente, em contacto com outras formigas do clã. É esta a sociedade que o homem moderno criou: rotinas diárias através de trilhos que, observados com um certo distanciamento,  me levam a pensar que a passos largos nos afastamos do equilíbrio natural,  e do meio onde durante milhões de anos,  evoluímos, rumo a um futuro cada vez mais escravizante.
Poucas crianças se vêem no Metro, muitos imigrantes das mais diversas origens, uma amálgama de chineses, paquistaneses, indianos, negros e ciganos – sem qualquer ordem discriminatória – para além disso uma classe média, enfraquecida, derrotada, tristemente empobrecida e envelhecendo precocemente .
Obedecemos a sinais sonoros em curto espaço de tempo, respondemos ao estímulo do abrir e fechar portas; já não existem revisores e sim fiscais, que com ar ameaçador nos fazem frente em alturas inesperadas pedindo-nos o santo e a senha para continuar no carreiro das formigas. Tudo isto é vagamente Kafkiano, sociedade civil em mutação. Um dia acordamos prisioneiros de nós mesmos,  feras de circo destinado a meia dúzia de privilegiados. Longe vai o tempo dos cristãos atirados às feras. No presente momento cada um de nós é uma pequena fera encarcerada no corpo de uma formiga. Muitas juntas poderiam devorar o sistema!
Hoje vi um adolescente a cantar sozinho, acho que treinava para ir aos Ídolos, tal era a cantoria, em redor algumas formigas riam cochichavam entre membros da tribo. Hoje também vi alguém de olhos vazios perdidos sabe-se lá onde. Velhos exóticos, adultos fora de moda, trajes feios e sem qualquer gosto. Não existem aromas de conhecidas marcas de perfume. No Metro há uma atmosfera pesada e suja.
Gosto apenas de sair e entrar na estação do Saldanha, onde corre uma ligeira brisa através das palavras do Mestre Almada Negreiros, autor das restantes frases espalhadas nos painéis da estação  “Em mim se cruzaram finalmente  todos os lados da terra”que pode continuar a ler-se, no poema Rosa dos Ventos.  

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