23 setembro 2010

Outono

Tarde mansa de Outono. O  casario de paredes caiadas de branco a ferir a vista. Os murmúrios das gentes a povoar a cidade. Um risco de som na atmosfera. Calmaria imensa. A paz, a pacatez de um sítio onde a cada passo se nasce e se morre.
O céu coberto de pequenas nuvens de algodão. Tudo parece feito de equilíbrio.
Até o som do berbequim algures ecoa em mim  sons meus velhos conhecidos. Trazem-me o aroma dos pomares carregados de fruta madura, dos fios de água a passar na horta, cheiro de terra molhada, o zumbir das abelhas, a quinta do velho senhor que acumulava embalagens vazias ao monte. No velho solar havia uma janela que dava para o tanque onde nadavam carpas gigantes à mistura com enguias, também ali as gentes da aldeia lavavam alguma roupa, tendo por sombra os lilases que se esboroavam lentamente à medida que o verão avançava. Tardes mansas, tão diferentes das de agora. Hoje já não sou a criança de tranças negras que tecia sonhos imensos. Os contos de fadas tem uma época na nossa vida que nos fazem sentir que o mundo inteiro nasceu para nós; está ali inteiro,  apenas à espera que lhe estendamos a  mão para o tornar nosso. Uma brisa do tamanho do sobro de asas de borboleta invade-me, pequenos frios, pequenos medos. Como será o amanhã?
Recordo o aroma das uvas maduras,  formigas polvilhando o solo seco e arenoso. Ao longe o imenso brilho da prata convidava-me a adormecer na areia, sonhava eu com uma cidade assim, como a de hoje. Não contei foi com o golpe de asas e o desvio de rota das andorinhas. Há muito que partiram e levaram a minha alma com elas.

1 comentário:

Graça Pereira disse...

Minha Querida
Acho que é um Outono que eu pensaria da mesma maneira...salvo, " as dezenas e dezenas de lâminas de barbear a um canto do velho solar"...
Os contos de fada...tão distantes! Os mesmos sons que me chegam nem sei de onde... E as andorinhas que partiram...sem me levar!!
Quetenhas um Outono doirado...
Beijo
Graça