13 maio 2008

O trovador e a rosa





Há muitos, muitos anos, num pais distante, num reino perdido, existia um rei e uma rainha que tiveram uma filha.
Ambos eram estimados pelos seus súbditos que os viam como os legítimos senhores de uma terra abençoada.
Reza a lenda que, aquando do nascimento da princesa, uma garça branca como a neve, pousou mansamente no berço e deixou cair uma lágrima.
Avisou então, que chegaria um tempo em que essa pequena gota seria preciosa para salvação da princesa. Tal lágrima deveria ser guardada numa pequena caixa de cristal.
Muitos anos passaram, a princesa vivia feliz, como quase todas as princesas de conto de fadas, até que num dia quente de Agosto, quando o verão estava em pleno, exalando os seus odores de jasmim e lilazes, passeava pelos jardins do palácio e, eis que um ladrão a rapta e espanca até a deixar cheia de vergões. A princesa desmaiou, sózinha sem ninguém por perto para a socorrer, tendo-se transformado lentamente numa roseira .
Os anos passaram e, após exaustivas buscas, nunca conseguiram encontrar o rasto da princezinha.
Um dia , um trovador passeava-se pelos jardins e olhou com mais atenção para aquele pé de roseira, parecendo-lhe ver algo de diferente, algo que a distinguia das demais.
Regressou nos dias a seguir e , para seu enorme espanto , a cada dia que passava as folhas estavam mais viçosas , com um verde quase que irreal de tanto brilho que irradiavam. Mas, não existiam ainda botões de rosa, apenas pequeninos bagos verdes entumecidos de seiva. Quase todos os dias o trovador cantava para a sua bela roseira, regava-a com carinho, deixando-se seduzir pela beleza do seu caule , pequena haste de diamantes pontilhada de espinhos aguçados.
Passou cerca de ano e meio e em tempo de primavera, nasceu o primeiro botão de rosa, envolto em delicada fragância.
O trovador sentia-se fascinado, pensava mesmo em colher a sua rosa e levá-la para os seus aposentos, mas debatia-se com a dúvida e o receio que tal gesto apenas serviria para matar a flor.
Não resistindo à tentação, um dia ceifou-a pelo caule e colocou-a numa jarra de puro cristal em local onde a poderia ver sempre que desejasse. Aprisionada e fascinada pelo toque doce do trovador a rosa vivia feliz. Mas era apenas uma rosa e vivia dependente dos seus cuidados .
Acontece que era um trovador muito apreciado pelo rei, o único que com a sua música de encantar o fazia minorar um pouco a dor da sua filha desaparecida e, um dia houve em que, o rei lhe ofereceu a caixinha de cristal com a lágrima da garça, como mostra de gratidão pelos serviços prestados ao reino, já que agora velho e cansado nada mais esperava da vida e não tinha descendentes. Durante 7 longos anos o trovador tinha desempenhado um importante papel junto do rei e via assim chegado ao fim a sua importante missão recompensado com tão inestimável oferta.
Retirou-se para os seus aposentos e levando a caixa de cristal colocou-a junto da jarra onde a sua rosa vivia.
Contava-lhe aventuras de tempos idos, com tamanha nostalgia e pena de si próprio, saudades dos tempos idos de fulgor e luxo da corte, muitas vezes chorava silencioso.
A rosa chorava com ele, e a cada dia que passava ia empalidecendo, já não tinha mais a cor vermelha do rúbi, transformava-se mais e mais em cor de rosa chá, desmaiando a cada tom magoado do trovador.
Percebia finalmente, que era apenas uma rosa, um capricho nas mãos do trovador e, foi secando, secando, até que as suas pétalas uma a uma caíram perto da caixa de cristal.
Nada restando do viço inicial da sua rosa, apenas os espinhos que ele agora via e que lhe desagradavam imenso, pegou no monte de pétalas envelhecidas e guardou dentro da caixa de cristal, junto da lágrima da garça.
Na manhã seguinte, no chão dos seus aposentos viu um corpo de mulher adormecido!! Em estado de choque percebeu que era o corpo da princesa desaparecida há tantos anos, aquela por quem também ele se apaixonara e da qual guardava a recordação através dos magníficos quadros espalhados pelas paredes do palácio.
A lágrima da garça tinha-lhe insuflado um sopro de vida mas....era já demasiado tarde, porque o trovador tinha descurado a sua rosa, depois da sedução e do encantamento tinha vindo o abandono e a rosa definhou. Incapaz de sentir amor pela rosa, igualmente esta não conseguiu sobreviver e feneceu para sempre.
O amor tudo poderia suportar e a lágrima teria sido transformada em alegria, o que não sucedeu apenas porque a tristeza das recordações do passado tinha condenado o futuro a existir.
A partir desse momento, muitas rosas foram criadas em jardins de todo o mundo, mas nenhuma exalava o perfume desta e o reino acabou um dia envolto em bruma .
Hoje é apenas mais um país onde as rosas não são cuidadas

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