29 maio 2008

Cartas a Um Poeta



Enquanto o País se abate lentamente, nas brumas de um místico nevoeiro, entre palavras ocas e falsas intenções, nada mais parece restar do que me refugiar nas “Cartas A Um Poeta” de Rainer-Maria Rilke.
Comecei por o ler apenas curiosa, e dei por mim a sublinhar as 92 páginas – impossível – teria de sublinhar todo o livro!
Procurar dentro de mim. Tentar desbravar a minha floresta oculta e alimentar a esperança de vislumbrar, quem sabe um dia, alguma coisa. Luta difícil e condenada à partida, cada vez mais condenada a cada dia que passa.Quererás mesmo saber quem és? Há que organizares a tua vida à volta da observação dos pormenores insignificantes e se isso não for suficiente convoca todas as riquezas da infância que a memória te guardou. Porque para o criador não há escassez, apenas Necessidade, Solidão e Silêncio.
Optei por o transcrever, a ele de quem se diz ter sido “o Poeta da Morte, o poeta da angústia, o poeta da solidão e da vida interior, o poeta das coisas, dos anjos e da vida da alma”.
Segundo Fernanda de Castro “ Muitos leitores pensam justificadamente, que esse carácter misterioso e patético da vida que falta cada vez mais à nossa literatura, é a própria base das meditações de Rainer_Maria_Rilke. E, contudo, para Rilke, a vida material com os seus vaivéns inúteis não tem a mínima realidade. Para ele só a vida interior conta, só os “acontecimentos” do subconsciente tem valor real, só as ideias abstractas tem existência concreta. O tempo não é uma medida. Ser artista é não contar. Para Rilke, o amor é uma lei que vai além do prazer e do sofrimento; a morte, “uma coisa magnifica”, simples etapa da vida eterna. Não pertenceu a nenhuma escola, não defendeu nenhuma teoria, não propôs nenhum sistema: foi, enfim, um criador a quem se pode aplicar a frase de Goethe: - “Viemos a este mundo para nos imortalizar”.

Paris, 17 de Fevereiro de 1903.

Meu caro senhor:
Acabo de receber a sua carta. Não quero deixar de lhe agradecer a grande e preciosa confiança que esta representa, mas pouco mais posso fazer. Não analisarei a maneira dos seus versos, porque sempre fui alheio a qualquer preocupação critica. Para penetrar uma obra de arte, nada, aliás, pior do que as palavras de crítica, que apenas conduzem a mal-entendidos mais ou menos felizes. Nem tudo se pode aprender ou dizer, como nos querem fazer acreditar. Quase tudo o que acontece é inexplicável é inexprimível e se passa numa região que a palavra jamais atingiu. E nada mais difícil de exprimir do que as obras de arte. – seres vivos e secretos cuja vida imortal acompanha a nossa vida efémera.
Dito isto, apenas posso acrescentar que os seus versos não revelam uma maneira sua.
Contém, é certo, germens de personalidade, mas ainda tímidos e escondidos. Senti-o, sobretudo , no seu último poema: A Minha Alma. Neste poema, qualquer coisa de pessoal procura encontrar solução e forma. E em toda a bela poesia A Leopardi se sente uma espécie de parentesco com este príncipe, este solitário. Contudo os seus poemas não tem uma existência própria…
Na sua carta encontrei uam explicação de certas insuficiências que já notara ao lê-lo, mas a que não me fora possível dar nome. Pergunta-me se os seus versos são bosn. Pergunta-mo a mim , depois, - depois de o ter perguntado a vários. Manda-os para as revistas. Compara-os a outros poemas e alarma-se quando certas redacções afastam os seus ensaios poéticos. Doravante (visto que me permite aconselha-lo), peço-lhe que renuncie a tudo isso. O seu olhar está voltado para fora: eis o que não deve tornar a acontecer. Ninguém pode aconselhá-lo nem ajudá-lo – ninguém! Há só um caminho: entre em si próprio e procure a necessidade que o faz escrever. Veja se esta necessidade tem raízes no mais profundo do seu coração. Confesse-se a fundo: “Morreria se não me fosse permitido escrever?”. Isto, sobretudo na hora mais silenciosa da noite, faça a si mesmo esta pergunta: - Examine-se a fundo até encontrar a mais profunda resposta. Se esta resposta for afirmativa, se puder fazer face a uma tão grave interrogação com um forte e simples “Devo”, então construa a sua vida segundo esta necessidade. A sua vida, mesmo na hora mais indiferente, mais vazia, deve tornar-se sinal e testemunho de tal impulso. Então aproxime-se da natureza. Experimente dizer, como se fosse o primeiro homem, o que vê, o que vive, o que ama, o que perde. Não escreva poemas de amor. Evite, de princípio, os temas demasiado correntes; são os mais difíceis. Nos assuntos em que tradições seguras, por vezes brilhantes, se apresentam em grande número, o poeta só pode fazer obra pessoal na plena maturação da sua força. Fuja dos grandes assuntos e aproveite o que o dia-a-dia lhe oferece. Diga as suas tristezas e os seus desejos, os pensamentos que o afloram, a sua fé na beleza. Diga tudo isto com uma sinceridade íntima, calma e humilde. Utilize, para se exprimir, as coisas que o rodeiam, as imagens dos seus sonhos, os objectos das suas recordações. Se o quotidiano lhe parecer pobre,, não o acuse: acuse-se a si próprio de não ser bastante poeta para conseguir apropriar-se das suas riquezas. Para o criador nada é pobre, não há sítios pobres, indiferentes. Mesmo numa prisão cujas paredes abafassem todos os ruídos do mundo, não lhe restaria sempre a sua infância, esse tesouro de recordações? Oriente nesse sentido o seu espírito. Tente fazer voltar à superfície as impressões submersas desse vasto passado. A sua personalidade fortificar-se-á, a sua solidão povoar-se-á, tornando-se nas horas incertas do dia, uma espécie de habitação fechada aos ruídos exteriores. ….
(cont.)

1 comentário:

Walmir Lima disse...

Grato pela agradável visita, "A Arroba das Palavras", desde Portugal, que mora em meu coração.
Volte sempre a visitar nosso grupo, a quem chamo de 'Bloguenígenas'.
Um abraço de 'O Centauro' a você e a Rilke, que nos aproximou.

Walmir