Não voltarei a esse corpo;
e não sei
se aqueles que o vestiram antes e depois
de mim souberam nele o verdadeiro calor e lhe conheceram os perigos,
os labirintos,
as pequenas feridas escondidas.
Não voltarei provavelmente a sentir a respiração palpitante desse corpo,
desse lugar onde as ondas rebentavam sempre crespas junto do peito,
do meu peito também,
às vezes.
Uma noite outro corpo virá lembrar essa maresia,
o cheiro do alecrim bruscamente arrancado à falésia.
E eu ficarei de vigília para ter a certeza de quem me recolheu,
porque os cheiros tornam os lugares parecidos,
confundíveis.
Quando a manhã me deixar de novo sozinha no meu quarto trocarei os lençóis da cama por outro, mais limpos.
Maria do Rosário Pedreira
Nasceu em Lisboa em 1959. Licenciou-se em Línguas e Literaturas Modernas na Universidade Clássica de Lisboa. Foi professora de Português e Francês durante cinco anos, actividade que a influenciou a escrever para jovens. Ingressou posteriormente na carreira editorial, desempenhando actualmente as funções de editora. Publicou poesia, ficção e literatura juvenil. Recebeu os prémios Sebastião da Gama, Poême, Maria Amália Vaz de Carvalho, Verbo/Semanário e uma menção honrosa no prémio Ruy Belo
1 comentário:
"Se tu viesses ver-me hoje à tardinha"
Se tu viesses ver-me hoje à tardinha,
A essa hora dos mágicos cansaços,
Quando a noite de manso se avizinha,
E me prendesses toda nos teus barcos...
Quando me lembra: esse sabor que tinha
A tua boca... o eco dos teus passos...
O teu riso de fonte... os teus abraços...
Os teus beijos... a tua mão na minha...
Se tu viesses quando, linda e louca,
Traça as linhas dulcíssimas dum beijo
E é de seda vermelha e canta e ri
E é como um cravo ao sol a minha boca...
Quando os olhos se me cerram de desejo...
E os meus braços se estendem para ti...
(Florbela Espanca)
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