25 março 2009

Ariadne






Cai a tarde, mansa
Deliciosa poesia
Que nos consola
Da dureza de viver
E nos sorri, como criança
Fica o meu olhar, assim
Parado, melancólico
Enquanto o ocaso morre
Devagar, em cinzas
Desfeito.
O sol adormece, em mim
Em sombra, no meu peito.
Quadro de:
"John William Waterhouse (6 de abril de 1849 – 10 de fevereiro de 1917) foi um pintor neo-clássico e Pré-rafaelita do Reino Unido, famoso por seus quadros representando personagens femininas da mitologia e da literatura.
Filho de artistas, as suas primeiras incursões na pintura foram influenciadas pelo neoclassicismo vitoriano, pelo pré-rafaelismo e mais tarde sentiu-se atraído pelos impressionistas franceses. Se no princípio da carreira se dedicou a temas da Antiguidade Clássica, mas tarde debruçou-se por temas literários, sempre com um estilo suave e misterioso, repleto de romancismo, que o permitem enquadrar no simbolismo.O seu quadro mais famoso é The Lady of Shalott, um estudo Elaine de Astolat, Este quadro teve três versões: de 1888, 1896 e de 1916".

22 março 2009

Conheço e posso sentir
O vento e o sol
Mas não conheço o teu corpo
Enublado
Pela alma
São dias de eterno
Inverno
Que terminam em luto
Sem mortalha para abraçar
Apenas surge uma miragem ao longe
Uma espécie de deserto
Onde adormeço em mim
Sonhando que és areia
Que me envolve e me sepulta
Em nós.

A propósito do Dia Mundial da Poesia ou...como nascemos ingénuos e morremos envenenados.

Só quem consegue ser poeta é quem consegue sentir a dor, e porque o poeta é O fingidor - do latim aquele que inventa, que fabula, que fantasia, que molda- e não Um fingindor. "Fingir é conhecer-se", é dar-se a conhecer na sua ingenuidade, esperando do Outro o mesmo- mas poucos tem alma de poetas, poucos entendem a poesia, de tão envenenados que andam, sem sentido na Vida , porque a Vida perdeu o sentido, morrem aos poucos, sem lutar, sem comunicar, inventando mundos paralelos sem beleza; acabam frustrados pelo engano, pela ocultação pela mentira e, no entanto Deus deu-lhes uma Alma tão bela, sem que façam utilização dela/São estes que me envenenam/São estes que me corroiem/São no entanto estes que me dão motivo/Para ainda ser ingénua/Para ser fingidora/Sentir que é dor/ a dor que deveras sinto/Quando me mentes assim/E fazes brotar na dor/ toda a poesia que há em mim.


Excerto do Elogio da Ingenuidade ou as Desventuras da esperteza Saloia
"Aquele que recorrer ao dicionário para que lhe diga o que sabe sobre a palavra ingenuidade, talvez como eu, fique surpreendido com o que consta acerca do significado e história da palavra ingénuo.
Ao escrever Elogio da Ingenuidade ou as Desventuras da Esperteza Saloia, a intuição não me faltou, mas devo dizer-lhes que o meu intuito nestas palavras era premeditado. Para melhor esclarecimento dos que ouvem passarei a contar-lhes lealmente o que pensava antes de encontrar o significado da palavra ingénuo e o que aprendi depois de o ter encontrado.
A minha primeira ideia, intuitiva e premeditada ao desejar fazer o elogio da ingenuidade, era o de entrar acto contínuo no terreno e atmosfera onde a poesia, e por conseguinte os poetas não encontrarão nenhuma espécie de atritos para a sua voz e expressão.
Isto é, o elogio da ingenuidade, dirigia-se única e exclusivamente aos poetas e absolutamente a mais ninguém.
Sé depois de conhecer o significado e história da palavra ingénuo é que francamente eu desejaria que aqueles que não são poetas, mas de qualquer maneira tratam com eles, ouvissem estas palavras, para saberem em que altura vivem os poetas por cima do trato de quem quer que seja. Contudo, repito, o elogio da ingenuidade continua a referir-se única e exclusivamente aos poetas e absolutamente a mais ninguém diz respeito.
Haverá talvez alguém que creia que estas desventuras e esta esperteza saloia se referem às deles; não. Dizemo-lo claramente, não é à esperteza saloia deles e às suas desventuras que nos referimos, não, é à dos poetas.
Por conseguinte, a vós poetas única e exclusivamente me dirijo, e aos outros, que nos escutem ou que se vão embora.
Antes de mais nada é necessário dizê-lo bem alto para que bem o oiça cada qual isoladamente: Não é o bastante frequentar os poetas ou a poesia para se ficar poeta. Não. Nós sabemos onde hão-de ir buscar simulado prestígio aqueles que não o saibam encontrar nos seus lugares pessoais, ou que não se satisfaçam com o que tenham encontrado. Não, a poesia não concorre com ninguém nem com nenhuma outra expressão da vida. Não concorre porque vive. Ou vive ou morre, não lhe cabe nunca a vez de concorrer.
Dentro da Poesia, cada poeta que se realiza é tão representante da Poesia como aquele que ainda vai longe de se realizar. Isto é, dentro da Poesia, cabem todos os valores, realizados e a realizar, desde o momento em que sejam valores. A poesia nutre-se com os seus próprios valores, não se adianta nem atrasa com amigos ou inimigos da Poesia, nem com pseudo-concorrências entre valores, os quais se concorrem entre si é precisamente porque não representam valores, inconfundíveis e inteiros.
Não há creatura humana que neste mundo não tenha nas suas reservas pessoais as probabilidades de realizar em si o poeta; simplesmente, estas probabilidades são geralmente afogadas pelo próprio, único culpado da morte do seu poeta, morto por desgosto de o ver fazer coroas de louros que não são da sua propriedade legítima.
É tão fácil deixar morrer o poeta como substituí-lo por um filisteu.
Estas minhas palavras são para eu próprio provar aos que me ouvem que o assunto do Elogio da Ingenuidade ou as Desventuras da Esperteza Saloia não mete terceiros entre poetas.
(...)
Até aqui nada mais tenho feito do que chamar a atenção dos poetas para o momento em que é possível a poesia. Provavelmente terão reparado exactamente em que suponho o estado da ignorância mais propício para a poesia do que o estado do conhecimento. Mas não é assim perfeitamente exacto. O conhecimento só impede o estado de poesia durante o período de recepção que cada um faz para esse conhecimento. Uma vez ciente de um conhecimento, isto é, uma vez esquecido todo o estratagema intelectual indispensável à recepção ou entendimento de qualquer conhecimento, este pode ser remetido em sua essência para aquela força vital que em nós agia antes, no nosso estado de ignorância. O importante é não perdermos nunca de vista como sustê-lo constantemente por meio do conhecimento não em período de recepção, mas já dispensado de todo o processo técnico e intelectual indispensável para a recepção. É como quem diz: de facto, um conhecimento só nos serve depois de ter passado há bastante tempo por nós.
È este precisamente o fenómeno que se dá com a Poesia e a Arte. O que se deseja dizer é Poesia; a maneira que se emprega para dizer é a Arte.
A Arte é um processo intelectual; é um conhecimento em estado de recepção; mas só na Poesia é que se encontra o élan de cada qual.
Se o único modo da expressão da Poesia é de facto a Arte, não quer isto dizer nunca que a Arte alguma vez se sobreponha à Poesia. Quem fala são sempre as pessoas e nunca a voz que as pessoas têm. Mas a maior parte da gente facilmente se ilude julgando que progride, quando afinal nada mais fazem do que irem lentamente perdendo-se de vista a si próprios.. Melhor fora que assim o tivessem feito deliberadamente, porque o ímpeto da deliberação arrastaria afinal consigo o próprio que a tem.
A posição do poeta é a de rever-se consecutivamente. A sua ignorância é sua, a sua ingenuidade é sua, todas as condições em que foi gerado são suas, e após toda a experiência e conhecimento, a posição do poeta é ainda a de reaver-se, reaver a sua ignorância, reaver a sua ingenuidade, reaver todas as condições em que foi gerado.
Só assim, só por este autêntico egoísmo é que cada qual pode encontrar em si o poeta, isto é, aquele que perder para sempre todo o sentido imediato do imediato. Porque o poeta não tem nada a dizer que seja imediato. Não é imediato porque é para sempre, para qualquer momento em que o ouçam, para todo o instante em que o escutem. Ao perder para sempre todo o sentido do imediato ganhou título de príncipe para sempre. Mais do que os príncipes de sangue hereditário que fazem suceder o mesmo título através de várias gerações de vários indivíduos. O poeta guarda no seu nome pessoal o título de príncipe até ao fim do mundo.
O poeta não vive a realidade, ou melhor, aquela aparência a que os outros mortais chamam realidade. Para o poeta a realidade não está localizada em determinado segmento da linha do tempo. Exactamente como disse Santo Agostinho: a eternidade e um instante é a mesma coisa.
Por isto mesmo o poeta não está com determinada sociedade, ou com qualquer das idades da sociedade. O poeta está sempre só, ou seja, com a humanidade, com a humanidade inteira, desde o princípio até ao fim do mundo.
O poeta representa com o santo os únicos casos humanos onde a realidade não se sobrepõem.
Chegou finalmente a altura de irmos ao dicionário para ver o que quer dizer ingénuo.
Ingénuo – ( do latim ingenuus, nascida livre). O sentido corrente de ingénuo é o que deixa ver livremente os seus sentimentos, que é natural, que é simples, que é naif.
O seu sentido corrente já nós todos sabíamos,, quanto mais não fosse pelas ingénuas do teatro. Mas o que mais nos interessa é o seu primitivo significado em latim. A história da palavra ingénuo faz aparecer pela primeira vez esta palavra no direito romano para designar a condição de que não tenha sido nunca escravo. Foi buscar-se no latim a palavra que formasse o sentido exacto desta condição e nasceu então a palavra a palavra ingenuus que quer dizer nascido livre.
Claro está que estávamos então no tempo da escravidão. Terminada esta, a palavra ingénuo ainda se mantém no seu sentido original nos feudos da Idade Média mas adaptado às novas condições sociais. (...)
Antigamente quem nascia livre, livre morria, e quem nascia escravo podia ganhar ou merecer a sua liberdade.
Hoje todos nascemos ingénuos e morremos envenenados.
Vós todos que me ouvis sois testemunhas de que não faço o elogio dos ingénuos mas sim o da ingenuidade. É só a ingenuidade que representa em si o estado de pureza em que é possível a vida do poeta. Aquele que nasceu livre não ignora nem combate os preconceitos, não perde o seu tempo com estas realidades forçosas dos outros, e pelo contrário, esclarece a sua ingenuidade, torna-a simpatia ou repulsa, amor ou ódio, e, com ingenuidade, com simpatia e com amor e repulsa e com ódio, constrói realidade poética, essa a cuja luz nenhuma outra realidade resiste.
In “ensaios I” – OBRAS COMPLETAS, José de Almada Negreiros

06 março 2009

The Sheltering Sky


Vale a pena relembrar as palavras da cena final do filme «The Sheltering Sky» de Bernardo Bertolucci:Por não sabermos quando vamos morrer, vemos a vida como uma fonte inesgotável. E no entanto tudo acontece apenas um certo número de vezes, um número muito reduzido, aliás. Quantas vezes recordaremos uma certa tarde da nossa infância, uma tarde tão profundamente parte do nosso ser que nem concebemos a vida sem ela? Talvez mais umas quatro ou cinco vezes, talvez nem sequer tantas. Quantas vezes mais veremos despontar a lua-cheia? Talvez vinte. E porém, tudo parece ilimitado.

05 março 2009

Firmamento

Em toda a minha curta ou longa
existência, procurei-te
sem saber que estavas presente
em mim.
Quando olhava o oceano,
acreditava ver-te
esquecendo de olhar o céu.
Foste sempre tu que me norteaste
nas longas noites azuis
enviavas-me brilhos de
estrelas cadentes
que eu seguia com o olhar;
e pedia um desejo:
encontrar o firmamento
poder ser sol, lua e estrelas
adormecer em lençóis de veludo
azul.
Vais ver que um dia,
vou ser núvem, transformar-me
em pássaro e pousar
docemente
no teu coração a cantar.