13 julho 2011
Memória Olfactiva
Invertendo o sentido e tentando emprestar alguma utilidade prática à realidade com que era obrigada a coabitar e já depois de devidamente licenciada em solidão, estando num período de secura poética, decidiu aventurar-se a escrever algo específico sobre os mecanismos da memória olfactiva.
Em pleno processo de pesquisa, espalhou por cima da mesa vários frascos de água de colónia, perfumes e essências que guardava religiosamente.
Devagar, um a um, foi abrindo e sentindo. Tantas memórias que por ali estavam há anos aprisionadas: a colónia de criança, a água de perfume de adolescente, o perfume de mulher e...o seu perfume. O perfume dele, aquele que ela cheirava às escondidas quando entrava numa qualquer perfumaria e, um dia comprou, só para usar , em momentos de maior solidão, pensava ela que inevitavelmente sabendo que iria fazer um Mestrado em Solidão.
Rápida e certeira a reacção olfactiva assim intimamente ligada à memória dos cheiros trouxe-lhe o despertar da saudade de tempos passados e que foram fonte de enorme prazer.
Sorriu para si mesma quando lembrou que, às escondidas, lhe tinha roubado um cachecol e durante um tempo indeterminado adormecia abraçada a ele. Curioso como restava intacto aquele banco de memórias olfactivas que dava às suas emoções, impressões de prazer e de desprazer.
Lembrou do cheiro da colónia misturada no corpo dele. Sem querer, vislumbrou-o com aquele estranho sorriso que tão bem lhe conhecia e usava em ocasiões especiais a dizer-lhe: Hoje é o último dia em que somos um....amanhã seremos apenas tu e eu, o nós deixará de existir.
Sorriu contristada ao recordar a contragosto e decidiu-se por um café Blue Mountain, afinal as memórias não acabavam ali, e o cheirinho bom do café animou-a a prosseguir; já basta o que basta e uma semana de internamento com os odores do éter e todo aquele ambiente hospitalar levaram-na a dar outro valor à vida. Só faz falta quem quer viver. Quantos aromas de flores depositadas em redor de corpos cuja alma há muito já se foi.
E vida há só mesma uma: a minha que não a tua, que não a nossa.
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10 comentários:
A última frase dá um desfecho fascinante ao texto. Um abraço, Yayá.
Quantos perfumes impregnados na alma estão em nós, aromas de uma vida que identificam momentos e pessoas.
Delicioso texto ao abrigo de uma linda musica.
um abraço
oa.s
Ao Sábado de manhã é tão especial esse " cheirinho bom do café "...
Tanto como passar distraidamente pelo seu blogue !
Abraço.
A inspiração voltou e de que forma!
Bjo
Artes e escritas, obrigada pela sua visita :) Quando comecei a escrever este texto não sabia como o iria acabar. É sempre assim , nunca sabemos para onde vamos ...
Um beijinho com amizade e grata pelo incentivo.
OceanoAzul.Sonhos, grata pela sua visita. Verdade é que existem aromas, perfumes que não nos largam pela vida fora. É a condição de estar vivo...
Um beijinho com amizade e volte sempre :)
ferreiralopes , ao sábado de manhã, ao domingo pela tardinha, nada como o aroma do café para nos despertar a mente e fazer-nos sentir vivos :)
Hoje passou distraidamente, ante-ontem foi desinteressadamente ( risos)...
Volte sempre :)
Com amizade e estima :))
Álvaro Lins ( ou Ivan) ( risos) acha mesmo?? Olhe que não... é mesmo um estio que por aqui vai. Securas poéticas. Fazer poesia é bem mais difícil do que escrever prosa; a prosa burila-se, corta daqui, inventa dali, agora a poesia.. ou sai ou não sai! E quando sai tem de ser ao meu jeito, caso contrário se a burilar, não é espontânea.
Um beijinho grande para si.
Que cantinho maravilhoso com certeza viremos mais vezes aqui,adoramos esta música e não conhecíamos esta versão, parabéns pelo texto também, escrito com o coração... vamos linkar seu blog no nosso... beijos e um ótimo domingo... Muryel & Sheila
Que belo texto, cheirinho de mirra! Adorei ler e conhecer teu canto, voltarei com mais frequência! Sucesso e muita inspiração! Amplexos!
André Anlub
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