Ninguém pode fazer história se não quiser arriscar a própria pele,
levando até o fim a experiência da própria vida, e deixar bem claro que sua
vida não é uma continuação do passado, mas um novo começo. Continuar é uma
tarefa que até os animais são capazes de fazer, mas começar, inovar, é única
prerrogativa do homem que o coloca acima dos animais.
Com
efeito ela assim pensava e lutava para se manter à tona da dura realidade que
enfrentava há já alguns anos.
Vitima
de violência doméstica com requintes de tortura psicológica tinham-na levado ao seu limite máximo de resistência. Ele tinha sido militar e fez questão de aplicar nela
as práticas destinadas ao inimigo:
agredia sem deixar marcas físicas.
Um dia ela fugiu.
Fugiu dele e de si própria. Deixou de o amar e pensava muitas vezes
que, provavelmente nunca o teria amado – saiu de uma relação de tantos anos a
pensar que não tinha sobrado nada. Esqueceu tudo o que ficou para trás.
Recomeçou.
Procurou
refugio e companhia e deixou-se novamente encantar, pensando que com isso se
libertaria realmente. Entregou-se , de novo, de corpo e alma. Havia uma rosa a florir e um responsável por esse
florescimento. Tinha levado tanto tempo aquele jogo de sedução.
De
novo o destino lhe bateu no corpo e na alma. Recusou-se a acreditar que fosse
possível tal sorte. Lembrava Jung e concordava com ele: (...) O homem que não
atravessa o inferno de suas paixões, também não as supera”.
Revestiu-se de paciência, procurou refúgio em Deus, tentou perceber o
que era o Amor e percebeu que finalmente amava, contra tudo e contra todos.
Sucede que “O homem sobrevive a
terremotos, epidemias, aos horrores das doenças e a todas as torturas da alma,
mas a tragédia mais atormentadora de todos os tempos tem sido, é e será a
tragédia da cama”. Leon Tolstói
Ela
não compreendia porque é que ele fugia dela, não percebia se a ausência de
desejo dele era somente por ela ou se seria por todas as mulheres em geral.
Tentou perceber o pensamento e o sentir masculinos. Em vão. Sofria horrores por
não conseguir sair da situação. Tornou-se obsessiva, dava tudo de si e recebia
tão pouco.
Deu
por ela a envelhecer antes do tempo. Deu por ela a viver a vida que era dele em
que nunca conseguiu desenvolver as suas potencialidades e afectos, A tentar ser
perfeita, demonstrando que tudo estava bem quando afinal não estava: os seus olhos
tinham perdido o brilho, à libido tinha-a amordaçado, deixou de cuidar de si e
do seu corpo, a cada dia que passava deixava de ser feminina.
Se as pessoas tivessem enchido antes a taça da vida até transbordar, e
a tivessem esvaziado até a última gota, certamente seus sentimentos agora
seriam outros. Tudo aquilo a que quereria
pegar fogo estava consumido, e apesar da quietude da velhice ser bem
vinda para muitos, ela no seu íntimo revoltava-se porque não conseguia esquecer
que só poucas pessoas são artistas da vida, e que a arte de viver é a mais
sublime e a mais rara das artes.”
Ele tinha-a renegado.
Para além disso doía-lhe os olhares dele para outras mulheres- as da faixa etária dos 30. Não compreendia,
decididamente a psique masculina. Não era só ele que sofria, ela também –e
calada.
Ultimamente andava numa fase de
indecisão: envelhecer calmamente ou voltar a ser quem era, cuidar de si e do
seu corpo e partir de novo para a vida. Um novo começo que significava
desligar-se dele e tentar esquecer o que significava amar.
3 comentários:
Aprendi que não ha momentos únicos...Que não ha o fim ou tão pouco o recomeço...
Há sim o virar ao lado percorrendo a estrada que antes foi rasgada no bravio da rocha...
Aprendemos que quando caimos precisamos somente de encontrar o "ponto de apoio" e apartir daí ganhar balanço. Aprendi que quem deseja um dia alcança...quando muito :encontra-se de novo...
Não se pode esquecer aquilo que nos é intrínseco:)!
Bjo
A vida é feita de encontros e desencontros do nosso proprio "eu". Há paginas que devem ser viradas e simplesmente esquecidas. Muito embora o chão seja apetecível em certas horas, junto ao céu e elevando o pensamento e o espirito, consegue-se força para vencer obstaculos que parecem intransponíveis, nunca esquecendo o que significa -amar-
Magnifico texto!
beijinho
cvb
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