Para mim um escritor maldito é:
a) O que escreve mal. Logo e com mais propriedade lhe devíamos chamar escritor melescrito. Mas escrever mal tem vários sentidos. Pode ser, por exemplo, escrever em demais, isto é, com punhos de renda, prosa muito burilada, versos esotéricos, academismos de uma figa. O principal é que ele escreva como quer e seja parecido com o que escreve. Escrita exacta, única, original, a expressão duma personalidade, o panorama duma vida. É isto tão dificil entre nós, que poucamente e a medo, envergonhado das minhas faltas de informação, de perspectiva humana (só uma vez sai a fronteira e foi por quinze dias), me declaro como escriba.Durante anos e anos não publiquei nada meu, publicando outros, que considerava e considero ainda com muito mais talento do que eu (exemplo: o Cesariny, o Manuel de Lima). Se há coisa que me encha de cagança é essa minha actividade de Editor, a qual excede de longe a de um Autor e lanço daqui um desafio: não pode haver nenhuma bibliotecazinha decente que não tenha lá um livro editado por mim - poesia ou teatro, cinema, ficção, ensaio.
b) O escritor dos domingos. Somos os escritores ou escribas (no meu caso) profissionais em Portugal? Dois, três? Ferreira de Castro, Mário Domingues e... O conselho mais prudente é a segunda (que ideia! a primeira) profissão, a que rende. Depois, ao serão, nos fins- de- semana, com o tempo roubado ao repouso e ao sono, ir escrevinhando. O que acontece, numa sociedade em que tudo tende cada vez mais a especializar-se, tarefas concretas que exigem preparação intensa e uma informação atenta e uma actualização permanente. Piada...nunca ouvi ninguém aconselhar um médico a que se empregassenum escritório e praticasse clínica, estudasse só nas horas vagas... a mim mo têm dito de mil maneiras, com extremos de ternura ou agressivas indigna~ções. Posso falar? os livros que há para ler, o esforço de construção literária é tão empolgante que não se pode pensar em mais nada. Ler, escrever, cair de borco na cama, arrasado. Contactar com pessoas, terras. Fazer experiências do diacho, nem todas agradáveis. Emperrar a certa altura e não saber como resolver problemas de ordem técnica. Sentir a alegria fecunda de uma ideia, de uma frase a germinar, dum título a preceito. Encontrar de súbito dúvidas resolvidas com uma leitura casual (aconteceu-me a semana passada com o Nemésio). Ter a noção de uma herarquia de valores na qual nos inscrevemos e saber admirar, dom inapreciável porque assim se aprende. Ler muito e de tudo. Como é que querem par ao escritor ou o escriba um emprego? Ou caímos naquela do Simões: Tenho tanto que escrever e não tenho tempo para ler.
c) Os vendilhões. E estes são duas ou mais espécies: os jornalistas e os publicitários. A classe de jornalista é das mais nobres, todos o sabemos. Em Portugal se exerce também como se sabe. O que me mete horror e já por lá passei - Jesu! Jesu!Jesu!...é que o jornalista, na sua rotina, é obrigado a escrver patacoadas anóninas, a a empregar chavões, a exercitar as faculdades no que nada lhe interessa. Não que venda a consciência, mas sim (pelo menos) tempo ganhando em virtuosismo artesanl ( a muita apregoada facilidade de escrever dos jornalistas) o que perde em candura lidando com matéria difíl - as palavras, senhoras donas nossas - de que o uso imoderado corrompe a força e a frescura, a novidade. O publicitário, com a direita agitando o slogan idiota e com a canhota fazendo odes à Catarina Eufémia, deixem-me rir! E nem digo mais nada.
Eis , em breve exemplo, o que é para mim um escritor maldito. E a eles e aos que por simpatia ou querendo sangrar-me em vida, me chamam maldito nas barbas ou nas costas, daqui grito sem ira nenhuma ou rancor, como saudação amigável:
Raios os partam!
in "memorando, mirabolando", Luiz Pacheco, ed. Contraponto, 1995.
Sem comentários:
Enviar um comentário