16 abril 2010

O Agente Secreto

Há certos pessoas que me fazem parar e observá-las mais atentamente: - o sr. Manuel Luís, homem encarregue da segurança de certa instituição no Porto, possuí um biótipo brevilíneo, braços curtos, pernas curtas e o tronco bastante mais avantajado, barriga um tudo ou nada proeminente contribuindo para alguma volumetria - relembro o que o meu pai dizia em tom irónico: - “Isto não é barriga, é peito descaído!”.
Havia um pormenor que me chamava a atenção: - o bigode já grisalho, farto e sempre em movimento, conforme o sr Manuel Luís estava mais ou menos afadigado! O bigode mexia e remexia, fazia lembrar os bigodes de um ratito às voltas com um belo naco de queijo. Eu ficava como que hipnotizada a olhá-lo.

O sr. Manuel Luís era funcionário de uma firma de segurança, a Gest-Segurança, Ldª,. Em abono da verdade diga-se que gostava das funções que exercia, mas o seu sonho maior era ter sido um agente secreto ao serviço da Policia Judiciáriaou , quem sabe uma outra polícia qualquer, daquelas mesmo importantes.

Quase diariamente era atacado por fúrias e raivites agudas. Enervavam-no e tiravam-no do sério, ele que até era um homem pacato, mas só até ao momento em que o “seu” Sporting perdia com o Benfica - aí ficava possesso! Excepção a tais situações, era quase sempre bonacheirão e simpático, sempre solicito na ajuda.

Muitas vezes fazia de “homem-sombra” quando algum visitante menos correcto entrava no palácio e o ignorava, colava-se a ele, seguia-o teimosamente, transformando-se todo o seu semblante e passando metaforicamente de rato a cão quase feroz, inquiria-o agitando freneticamente o bigode , olhar fixo e vozeirão : “O que é que o senhor deseja?” – Isto depois da “presa” estar já confusa e desorientada.
Recentemente vi-o numa demanda conjuntamente com efectivos da PJ, montar um posto de observação a partir das janelas de uma dependência da instituição; o objectivo prioritário era identificar e desmantelar uma rede de falsificação de passaportes, operação essa que foi levada a bom porto e em que o sr Manuel Luís colaborou com muito gosto. Soube identificar a preceito quem eram os traficantes – fruto de muita e maturada observação.
No dia-a-dia o sr Manuel Luís combate tal como D. Quixote não contra moinhos de vento - , mas os seus moinhos, perdão os seus alvos, são outros; condutores teimosos e irreverentes que estacionam à moda de Lagardere, dentro do espaço destinado ao parqueamento de viaturas. Todos os que ali chegavam arrumavam os veículos como entendiam e o assunto era seríssimo! Não podiam chegar e estacionar como entendiam. O sr Manuel Luís luta diariamente, quase que em desespero de causa, para manter o espaço em boas condições. Desde o Ministro ao estafeta, todos tinham o mesmo direito e como tal a democracia é para ser exercida- doesse a quem doesse! Ordens são ordens, e são para se cumprir- dizia alto e bom som!
-Não tenho ordens da Direcção para abrir excepções, como tal o senhor, ( dirigia-se , desta feita, ao motorista do ministro Y) tire já daqui o carro para fora!
O motorista olhava-o com ar insolente e respingava! Perdiam-se em diálogos infinitos multiplicados e divididos por outros tantos motoristas, de ministros ou não.
Quando chega o fim do turno O sr. Manuel Luís fala amorosamente dos netos e sente-se na voz a ansiedade de rumar a casa, para junto da família. Aí pelas 8 da noite finalmente os movimentos do bigode aquietam-se, cessam subitamente e apenas se ouve uma melodia no ar – o seu assobio, pleno de vibração; dias e dias de tarefas cumpridas com a satisfação do dever cumprido.

1 comentário:

Petrarca disse...

Uma cunha para o sr. Manuel Luis me deixar estacionar o carro uma vez por outra, é o que me dava jeito.
Eu podia oferecer-lhe um pente para o irrequieto bigode, ou uma bugiganga para um dos netos...

Dois posts (este e o anterior) "fora da linha editorial do blog" (digo eu a sorrir) e que são duas belas histórias sobre dois respeitáveis cavalheiros de que há cópias (dos cavalheiros, não dos posts) espalhadas por este mundo.
Fico à espera de mais.
:-)