18 janeiro 2011

O Desejo

Abel-Dominique Boyé - 1864
Há uma outra em ti que te viveu,
Que te consome ainda,
Que te ocupa cada espaço,
Cada pedaço de existência
Que te deixou nostalgia, amarga
recordação,
Que secou no teu peito
O bater do coração.
Que ciúmes sinto eu, dessa outra
com quem viveste as noites quentes
de verão, o riso do sol a bater na vidraça
A luz do luar a bater no chão.
Esse chão onde se amaram em momentos infinitos
Sempre e até à exaustão.
Agora resta-me esta garra de águia presa na garganta
A sufocar-me , a calar-me, e a dizer-me não!
Já não há sorrisos no olhar,
A cidade já não canta
E o teu perfume está distante
Já nem o posso cheirar, proibida como estou
De assim te poder amar.

Faz-me tanta impressão olhar para aquele retrato
E ver-te aprisionado às memórias do que foste
Aprisionado de facto.
Que será feito de ti? Onde te escondes agora?
Atrás desse vidro frio que guarda vigilante
As memórias de outrora?
Deixa-me tocar-te um pouco, apaziguar o desejo
Quebrar essa moldura, rasgá-la em mil pedaços
Mandá-la prá sepultura,
É lá que ela deve estar, onde estão as coisas mortas.
Sai da fotografia e vive, antes que seja tarde,
e a morte nos abra a porta.
Há em mim ainda um leve restolhar de natureza
Uma espécie de terra molhada e ardente
Coberta de folhas de Outono
À espera da Primavera para fecundar a semente
Um chão sagrado pela dor
Um campo imenso a perder de vista,
Lá longe no horizonte estás tu e ela...
Sempre ela a chamar por ti
E tu a peregrinares, sozinho pela terra imensa
À procura do que foste, corcel em trote
à desfilada, na procura, do corpo dela
Dedos de veludo ânsia de doce desvario,
E eu adivinho, quase que pressinto
Nas tuas mãos que me acenam de longe,
Um triste fim de silêncio e frio.

1 comentário:

Bluemoon disse...

Gostei muito do poema, está lindo! Também adoro escrever poesia...
O meu blog: http://equandoanoitece.blogspot.com/