08 abril 2009

Sombra


Oléo de El Greco:A Santíssima Trindade (1577–1579)
Museu do Prado, Madrid, Espanha)

Quando Cristo sentiu a sua hora
Enfim era chegada, grave e calmo,
Sereno se acercou dos que o buscavam.
A turba vinha em armas. Mas, de tantos,
Nem um só se atreveu a dar um passo,
Ao por a mão no Filho do Homem. – Todos
De olhos no chão, as armas encobriam
Ante Jesus inerte.
Então aquele
Que o tinha de entregar, aproximando-se,
O tomou nos seus braços, murmurando:
Que Deus te salve, Mestre! E, sobre a face
O beijou, como fora contratado:
Então os mais, chegando-se, o prenderam.
Mas Jesus, sem os ver, lhes perdoava:
De olhos no céu, seguia-os sereno.
Era duro o caminho. Sobre um monte
Iam e, dos dous lados, lá em baixo,
Cobria a treva a terra toda.

Quando
Porém, sobre o mais alto desse monte
Foram enfim chegados, de repente
Viu-se-lhe uma das faces alumiar-se
De uma luz doce e branda, mas imensa!
E quanta terra, desde o monte ao oceano,
Lhe ficava do lado aonde virada
Lhe estava aquela face, reflectindo-a,
Tudo se esclarecia – vale e serra
E a metade do céu – aparecendo
Como em puro luar, ou qual fosse
Vir nascendo uma aurora desse lado.
E essa face radiante era a de Judas
Não chegara a tocar.


Porém a outra,
Que ele beijara, conservou-se escura
Como se o crime dele ali guardasse...
Nem dava luz; e o espaço, dessa banda
Onde a virava, era uma noite imensa,
Coberto o horizonte de nevoeiro...
Partindo o mundo em dois, essa metade
Era a que ficara envolta em sombras.
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Foi dessas sombras que se fez a Igreja!
( Quental, Antero, 1865 – Odes Modernas, pg. 133)

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