06 janeiro 2008

DO OPUS DEI À MAÇONARIA - A INCRÍVEL HISTÓRIA DO BCP, por Miguel Sousa Tavares

DO OPUS DEI À MAÇONARIA - A INCRÍVEL HISTÓRIA DO BCP,
por Miguel Sousa Tavares

05/01/2008 artigo de 29 de Dezembro do "Expresso".

Em Portugal, como tudo vai acabar sem responsáveis e sem responsabilidades, convém recordar os principais momentos deste «case study», para que ao menos afalta de vergonha não passe impune.1. Até ao 25 de Abril, o negócio bancário em Portugal obedecia a regras simples:cada grande família, intimamente ligada ao regime, tinha o seu banco. Os bancos tinham um só dono ou uma só família como dono e sustentavam os demaisnegócios do respectivo grupo. Com o 15 de Abril e a nacionalização sumária de todaa banca, entrámos num período revolucionário' em que "a banca ao serviço do povo" se traduzia, aos olhos do povo, por uns camaradas mal vestidos e malencarados que nos atendiam aos balcões como se nos estivessem a fazer um grandefavor.
Jardim Gonçalves veio revolucionar isso, com a criação do BCP e, mais tarde, da Nova Rede, onde as pessoas passaram a ser tratadas como clientes e recebidas porprofissionais do ofício. Mas, mais: ele conseguiu criar um banco através de umMBO informal que, na prática, assentava na ideia de valorizar a competência sobre o capital. O BCP reuniu uma série de accionistas fundadores, mas quem de factomandava eram os administradores — que não tinham capital, mas tinham «knowhow».
Todos os fundadores aceitaram o contrato proposto pelo "engenheiro" — à excepção de Américo Amorim, que tratou de sair, com grandes lucros, assim queachou que os gestores não respeitavam o estatuto a que se achava com direito (edinheiro).2. Com essa imagem, aliás merecida, de profissionalismo e competência, o BCP foi crescendo, crescendo, até se tornar o maior banco privado português, apenas atrás doúnico banco público, a Caixa Geral de Depósitos. E, de cada vez que crescia, eranecessário um aumento de capital. E, em cada aumento de capital, era necessário evitar que algum accionista individual ganhasse tanta dimensão que pudessepassar a interferir na gestão do banco. Para tal, o BCP começou a fazer coisas poucorecomendáveis: aos pequenos depositantes, que lhe tinham confiado as suas poupanças para gestão, o BCP tratava de lhes comprar, sem os consultar, acções dopróprio banco nos aumentos de capital, deixando-os depois desamparados peranteas perdas em bolsa; aos grandes depositantes e amigos dos gestores, abria-lhes créditos de milhões em «off-shores» para comprarem acções do banco,cobrindo-lhes, em caso de necessidade, os prejuízos do investimento. Desta formaexemplar, o banco financiou o seu crescimento com o pêlo do próprio cão — aliás, com o dinheiro dos depositantes —e subtraiu ao Estado uma fortuna em lucrosnão declarados para impostos. Ano após ano, também o próprio BCP declaravalucros astronómicos, pêlos quais pagava menos de impostos do que os porteiros do banco pagavam de IRS em percentagem.
E, enquanto isso, aqueles que lhe tinham confiado as suas pequenas ou médiaspoupanças viam-nas sistematicamente estagnadas ou até diminuídas e, de seis em seis meses, recebiam uma carta-circular do engenheiro a explicar que os mercadosestavam muito mal.3. Depois, e seguindo a velha profecia marxista, o BCP quis crescer ainda mais eengolir o BPI. Não conseguiu, mas, no processo, o engenheiro trucidou o sucessor que ele próprio havia escolhido, mostrando que a tímida "renovação" anunciada nãopassava de uma farsa. E descobriu-se ainda uma outra coisa extraordinária e que sediria impossível: que o BCP e o BPI tinham participações cruzadas, ao ponto de hoje o BPI deter 8% do capital do BCP e, como maior accionista individual, ter-setornado determinante no processo de escolha da nova administração... doconcorrente! Como se fosse a coisa mais natural do mundo, o presidente do BPI dá uma conferência de imprensa a explicar quem deve integrar a nova administraçãodo banco que o quis opar e com o qual é suposto concorrer no mercado, todos osdias...4. Instalada entretanto a guerra interna, entra em cena o notável comendador Berardo — o homem que mais riqueza acumula e menos produz no país —protegido de Sócrates, que lhe deu um museu do Estado para ele armazenar a suacolecção de arte privada. Mas, verdade se diga, as brasas espalhadas por Berardo tiveram o mérito de revelar segredos ocultos e inconfessáveis daquela casa. Eassim ficámos a saber que o filho do engenheiro fora financiado em milhõespara um negócio de vão de escada, e perdoado em milhões quando o negócio inevitavelmente foi por água abaixo. E que havia também amigos do engenheiro e daadministração, gente que se prestara ao esquema das «off-shores», que igualmenteviam os seus créditos malparados serem perdoados e esquecidos por acto de favor pessoal.5. E foi quando, lá do fundo do sono dos justos onde dormia tranquilo, acorda inesperadamente o governador do Banco de Portugal e resolve dizer que já bastava:aquela gente não podia continuar a dirigir o banco, sob pena de acontecer alguma coisa de mais grave como, por exemplo, a própria falência, a prazo.6. Reúnem-se, então, as seguintes personalidades de eleição: o comendadorBerardo, o presidente de uma empresa pública com participação no BCP e ele próprio ex-ministro de um governo PSD e da confiança pessoal de Sócrates, mais, aoque consta, alguém em representação do doutor «honoris causa» Stanley Ho — aquem tantos socialistas tanto devem e viceversa.E, entre todos, congeminam um «take over» sobre a administração do BCP,com o «agrément» do dr. Fernando Ulrich, do BPI. E olhando para o panorama perturbante a que se tinha chegado, a juntar ao súbito despertar do dr. VítorConstando, acharam todos avisado entregar o BCP ao PS. Para que nãorestassem dúvidas das suas boas intenções, até concordaram em que a vice-presidência fosse entregue ao sr. Armando Vara (que também usa 'dr.')— esse expoente políticoe bancário que o país inteiro conhece e respeita.7. E eis como um banco, que era tão independente que fazia tremer os governos, desagua nos braços cândidos de um partido político — e logo o doGoverno. E eis como um banco, que era tão cristão, tão «opus dei», tão boasfamílias, acaba na esfera dessa curiosa seita do avental, a que chamam maçonaria. 8. E, revelada a trama em todo o seu esplendor, que faz o líder da oposição?Pede em troca, para o seu partido, a Caixa Geral de Depósitos, o banco público. Pedee vai receber, porque há 'matérias de regime' que mesmo um governo com maioria absoluta no parlamento não se atreve a pôr em causa. Um governointeligente, em Portugal, sabe que nunca pode abocanhar o bolo todo. Sob pena deos escândalos começarem a rolar na praça pública, não pode haver durante muito tempo um pequeno exército de desempregados da Grande Família doBloco Central.Se alguém me tivesse contado esta história, eu não teria acreditado. Mas vemos,ouvimos e lemos. E foi tal e qual.

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