"Pai perdoa-nos os nossos pecados assim como nós perdoamos a quem nos tem ofendido..."
Perdoaremos mesmo????? Seremos nós capazes de perdoar para nos sentirmos igualmente perdoados?
A Matança da Páscoa (1506)
A chamada “Matança da Páscoa” ocorreu em 1506. Entre duas e quatro mil pessoas terão sido mortas por serem judias. Segundo os relatos de diversos historiadores. O país e a cidade viviam um período de seca prolongada com surtos de peste quando, a 19 de Abril, alguém na igreja do Convento de S. Domingos, na baixa de Lisboa, afirmou ter visto o rosto de Cristo iluminado sobre um dos altares – sinal auspicioso da misericórdia divina e de futura bonança. Outro circunstante terá duvidado, considerando tratar-se de um simples reflexo do sol. Imediatamente identificado como cristão-novo, foi agredido pela multidão e espancado até à morte.
Um frade dominicano inflamou ainda mais os ânimos, prometendo 100 dias de indulgências a quem matasse os hereges. Durante três dias dessa Semana Santa, bandos de cidadãos percorreram Lisboa, pilhando, violando e matando judeus convertidos ao cristianismo na sequência do decreto real de 1497.
A corte estava fora da capital e as primeiras tentativas do rei D. Manuel para controlar a situação revelaram-se infrutíferas, até que a morte de um seu escudeiro, vítima dos tumultos, precipitou o envio de tropas reais, que puseram cobro aos desmandos. O rei mandou confiscar os bens dos responsáveis, o dominicano envolvido foi condenado à morte e o Convento terá sido fechado durante alguns anos.
- Embora alguns cronistas citem o Rossio e o cais, os testemunhos mais directos referem não só o Convento de S. Domingos como ponto de partida do massacre, mas também o Largo de S. Domingos como o local para onde convergiam todos os cadáveres, trazidos pelos malfeitores, onde eram empilhados e queimados; é por isso que ainda hoje esse é o lugar mais simbólico do massacre colocação de uma placa que lembre para a posteridade o sofrimento atroz dos judeus nesses dias;
Analisando alguns dos motivos que levaram ao massacre em que os judeus foram o bode expiatório de uma situação de seca, fome e peste ; alguns historiadores apontam o papel, odiado pelo povo, de colectores de impostos de que os cristãos-novos eram incumbidos pelo rei, tal como o eram quando judeus; o fanatismo religioso, mais uma vez o fanatismo é outra causa decisiva.
A questão da religião era absolutamente dominante, a força do absolutismo religioso, e a diabolização dos judeus um facto. No entanto, o Massacre de Lisboa, não deixa de ser um terrível exemplo de como se pode levar ao fanatismo - a intolerância e o ódio religioso, afinal tão distante, é infelizmente ainda tão actual.
Damião de Góis que na Crónica de D. Manuel conta que foram os filhos dos judeus a serem retirados aos pais para a conversão forçada e não os filhos dos mouros. Diz ele: “A razão pela qual el-Rei ordenou que levassem os filhos dos judeus e não os filhos dos Mouros era que os judeus, pelos seus pecados, não tinham reinos, nem domínios, nem cidades, nem aldeias, mas são – em todas as partes em que vivem – peregrinos e súbditos, desprovidos de poder e de autoridade para executar os seus desejos contra as ofensas e os males exercidos sobre eles ...”
Quando ligo a televisão, tudo o que sinto de repulsa pelo presente xadrez de ódios do Próximo e do Médio Oriente consegue estender-se até esse dia de há 500 anos atrás. Dir-se-á que estão distantes, e que são povos que nos são quase alheios; todavia para quem invoca, repetidamente, o lema do país dos brandos costumes, relembro que esses bárbaros de há meio milénio atrás, também foram nossos antepassados, ou, por palavras outras, para que conste, que todos nós, Portugueses de hoje, deles descendemos, e descendemos em linha directa de culpa.
Tantos massacres esquecidos.
Portugal começava a morrer nesse ano!
Desde África, citando apenas um exemplo da triste sorte do povo de Cabinda, até à sorte incerta dos nossos filhos, gerações vindouras sem futuro risonho neste “jardim à beira mar plantado” cada vez mais cheio de erva daninha.
Lamento…..amanhã dia 28 de Abril pelas 17 horas, estarei lá contra todas as formas de descriminação, religiosa e étnica.
Narração de Damião de Goes (ao tempo ainda criança quando isto sucedeu):
"... nestes dois capítulos, que são já derradeiros desta primeira parte tratarei de um tumulto, e levantamento, que aos dezanove dias de Abril, deste ano de mil quinhentos e seis, em Domingo de Pascoela fez em Lisboa contra os cristãos-novos, que foi pela maneira seguinte. No mosteiro de São Domingos da dita cidade estava uma capela a que chamava de Jesus, e nela um crucifixo, em que foi então visto um sinal, a que davam cor de milagre, com quanto os que na igreja se acharam julgavam ser o contrário dos quais um cristão-novo disse que lhe parecia uma candeia acesa que estava posta no lado da imagem de Jesus, o que ouvindo alguns homens baixos o tiraram pelos cabelos de arrasto para fora da igreja, e o mataram, e queimaram logo o corpo no Rossio. Ao qual alvoroço acudiu muito povo, a quem um frade fez uma pregação convocando-os contra os cristãos-novos, após o que saíram dois frades do mosteiro, com um crucifixo nas mãos bradando, heresia, heresia, o que imprimiu tanto em muita gente estrangeira, popular, marinheiros de naus, que então vieram da Holanda, Zelândia, e outras partes, ali homens da terra, da mesma condição, e pouca qualidade, que juntos mais de quinhentos, começaram a matar todos os cristãos-novos que achavam pelas ruas, e os corpos mortos, e os meio vivos lançavam e queimavam em fogueiras que tinham feitas na Ribeira e no Rossio a qual negócio lhes serviam escravos e moços que com muita diligência acarretavam lenha e outros materiais para acender o fogo, no qual Domingo de Pascoela mataram mais de quinhentas pessoas. A esta turma de maus homens, e dos frades, que sem temor de Deus andavam pelas ruas concitando o povo a esta tamanha crueldade, se ajuntaram mais de mil homens da terra, da qualidade dos outros, que todos juntos segunda-feira continuaram nesta maldade com maior crueza, e por já nas ruas não acharem cristãos-novos, foram cometer com vaivéns e escadas as casas em que viviam, ou onde sabiam que estavam, e tirando-os delas de arrasto pelas ruas, com seus filhos, mulheres, e filhas, os lançavam de mistura vivos e mortos nas fogueiras, sem nenhuma piedade, e era tamanha a crueza que até nos meninos, e nas crianças que estavam no berço a executavam, tomando-os pelas pernas fendendo-os em pedaços, e esborrachando-os de arremesso nas paredes. Nas quais cruezas não se esqueceram de meter a saque as casas, e roubar todo o ouro, prata, e enxovais que nelas acharam, vindo o negócio a tanta dissolução que das igrejas tiraram muitos homens, mulheres, moços, moças, destes inocentes, despegando-os dos Sacrários, e das imagens de nosso Senhor, e de nossa Senhora, e outros Santos, com que o medo da morte os tinha abraçado, e dali os tiraram, matando e queimando sem nenhum temor a Deus assim a elas como a eles. Neste dia pereceram mais de mil almas, sem que na cidade alguém ousasse de resistir, pela pouca gente de sorte que nela havia por estarem os mais dos honrados fora, por causa da peste. E se os alcaides, e outras justiças, queriam acudir a tamanho mal, achavam tanta resistência, que eram forçados a se recolher a parte onde estivessem seguros, de não acontecer o mesmo que aos cristãos-novos. (…) Passado este dia, que era o segundo desta perseguição, tornaram terça-feira este danados homens a prosseguir a sua crueza, mas não tanto quanto nos outros dias porque já não achavam quem matar, pois todos os cristãos-novos que escaparam desta tamanha fúria, serem postos a salvo por pessoas honradas, e piedosas que nisto trabalharam tudo o que neles foi.”
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