Moema,* 1866
Victor Meirelles (Brasil, SC 1832- RJ 1903)
Óleo sobre tela, 129 x 199 cm
MASP – Museu de Arte de São Paulo
"Dói muito o amor no Outono porque nos é agora evidente que andámos enganados, que temos que descobrir outra estrada e que, para isso, não é fácil arranjar companhia, nem sequer interlocutores: quase todos se acomodaram ao jeito daquilo que nos deram para a gente se vestir (...)" in O Riso de Deus de António Alçada Baptista, Ed. Presença.
Quando penso no assunto
sinto que estou a tornar-me exímia nas
minhas actuações embora saiba que é um papel secundário. Ainda não tinha nascido e já me estava
destinado ser personagem secundária nessa peça. E já não restam dúvidas que a
represento a preceito! Se na vida há
coisas que faço bem é, de facto,
representar este papel que me destinaram: coloco bem a voz, tenho uma postura natural,
entranho-me na pele da personagem, sempre
acompanhando com um sorriso amável
e caloroso, tal como exige a personagem,
e todos os dias vou laborando (no mesmo erro) o de fingir que eu não sou eu.
Esta representação obriga a que, de cada vez que estou contigo – e tu és o meu
público - não arrisco a revelar-te a imensidão dos conflitos internos – isso
seria um autêntico falhanço. Há uma epopeia em mim, uma luta gigante
em que engulo palavras atrás de palavras e nunca chego a construir uma única
frase com a minha real identidade.
E tu a olhares-me
como quem não me olha verdadeiramente, confortavelmente instalado nesse
fauteuil. Eu, daqui, não te consigo enxergar, o brilho dos projectores cega-me
por completo. Tão pouco sei o que
vês! Verás tu a personagem ou mulher
que existe em mim? Talvez esta última não exista. Mas quero que saibas
que aquilo que eu dou é aquilo que acabo por ser, convencida da minha própria
verdade ou da mentira - já não sei. E presenteio-te com esta esforçada
actuação, feita com compostura e , sobretudo muita contenção – como todos os
bons papéis exigem: nunca deixar emergir o nosso verdadeiro Eu.
Lá para o fim da encenação, e muitas vezes depois de já
ter actuado, ainda tenho algures a esperança - talvez vã -
que surja da parte dos espectadores uma daquelas estatuetas douradas , em forma de abraço (daqueles que em tempos existiram) – espécie de
trofeu que consagre esta minha actuação. Uma estatueta com aquela que Rodin concebeu, não sobre "O Beijo" mas sobre , e acrescentou eu sobre "O Abraço".
O tema desta personagem que faço viver através de mim baseia-se no título “Eu hei-de amar uma pedra” conhecida obra de Lobo Antunes. Pois é
assim mesmo: granito ou
diamante, não importa o grau de dureza
, porque a personagem a quem eu dou vida
não consegue quebrar essa pedra -
encarcerada que está nas profundezas do Ser, uma obscura gruta que
encerra uma jazida de diamantes – quanto trabalho até conseguir fazer dela uma
peça única de joalharia. Para lá chegar não hesito em fazer da minha consciência
um artífice: tornar-me ourives, sendo que essa mesma consciência te busca e que dessa busca apenas encontra dor, contudo sabendo-a certa e inevitável continua nessa procura frenética. Continuo deste modo a representar e tudo me parece acabar bem….significando que um dia
nós dois seremos pó cinza e nada! E todas as pedras do mundo se transformarão e servirão de berço para o nascimento de novas sementes .E porque só o nada poderá conter de novo o tudo.
Por agora vou retirar a maquilhagem e olhar-me no espelho –
lá do outro lado outro alguém me perguntará : porque representas assim?
*Entre
as muitas histórias brasileiras, verdadeiras ou não, em que índios têm
um papel importante, como guerreiros, aliados, conhecedores da mata,
personagens de literatura, há grandes histórias de amor. Dentre elas,
uma em particular se firmou na paisagem cultural brasileira: Moema.
2 comentários:
"Sou a melhor actriz para o papel secundário que reservaste para mim"
No palco da vida todos nós somos actores! No entanto, só temos um papel secundário se assim o quisermos:)!
Bjo
Olá,
Gostei bastante deste cantinho virtual =)
Beijinhos
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