13 dezembro 2011


        

Moema,* 1866

Victor Meirelles (Brasil, SC 1832- RJ 1903)

Óleo sobre tela, 129 x 199 cm

MASP – Museu de Arte de São Paulo
"Dói muito o amor no Outono porque nos é agora evidente que andámos enganados, que temos que descobrir outra estrada e que, para isso, não é fácil arranjar companhia, nem sequer interlocutores: quase todos se acomodaram ao jeito daquilo que nos deram para a gente se vestir (...)" in O Riso de Deus de António Alçada Baptista, Ed. Presença.
 
Quando penso no assunto  sinto que estou a tornar-me  exímia nas minhas actuações embora saiba que é  um papel secundário. Ainda  não tinha nascido e já me estava destinado ser  personagem secundária nessa peça. E já não restam dúvidas que  a represento a preceito! Se na vida  há coisas que faço bem é, de facto,  representar este papel que me destinaram: coloco bem a voz,  tenho uma postura natural, entranho-me na pele da personagem, sempre  acompanhando com um sorriso  amável e  caloroso, tal como exige a personagem, e todos os dias vou laborando (no mesmo erro) o de fingir que eu não sou eu. Esta representação obriga a que, de cada vez que estou contigo – e tu és o meu público - não arrisco a revelar-te a imensidão dos conflitos internos – isso seria um autêntico falhanço. Há uma  epopeia em mim, uma luta gigante em que engulo palavras atrás de palavras e nunca chego a construir uma única frase com a minha real identidade.
        E tu a olhares-me como quem não me olha verdadeiramente, confortavelmente instalado nesse fauteuil. Eu, daqui, não te consigo enxergar, o brilho dos projectores cega-me por completo.  Tão pouco sei o que vês!  Verás tu  a personagem ou mulher que existe em mim? Talvez esta última  não exista. Mas quero que saibas que aquilo que eu dou é aquilo que acabo por ser, convencida da minha própria verdade ou da mentira - já não sei. E presenteio-te com esta esforçada actuação, feita com compostura e , sobretudo muita contenção – como todos os bons papéis exigem: nunca deixar emergir o nosso verdadeiro Eu.
Lá para o fim da encenação, e muitas vezes depois de já ter actuado,  ainda tenho algures a  esperança  - talvez vã - que  surja da parte dos espectadores uma daquelas estatuetas douradas ,  em forma de abraço (daqueles que em tempos existiram) – espécie de trofeu que consagre esta minha actuação. Uma estatueta com aquela que Rodin concebeu, não sobre "O Beijo" mas sobre , e acrescentou eu  sobre "O Abraço".
O tema desta personagem  que faço viver através de mim baseia-se no título  “Eu hei-de amar uma pedra” conhecida obra de Lobo Antunes. Pois é assim mesmo:  granito ou diamante,  não importa o grau de dureza , porque a personagem a quem eu dou vida  não consegue quebrar essa pedra -  encarcerada que está nas profundezas do Ser, uma obscura gruta que encerra uma jazida de diamantes – quanto trabalho até conseguir fazer dela uma peça única de joalharia. Para lá chegar não hesito em fazer da minha consciência um artífice: tornar-me ourives, sendo que essa mesma  consciência te busca e que dessa busca apenas encontra  dor, contudo sabendo-a certa e inevitável continua nessa procura frenética. Continuo deste modo a representar e tudo me parece  acabar bem….significando que um  dia nós dois seremos  pó cinza e nada! E todas as pedras do mundo se transformarão e servirão de berço para o nascimento de novas sementes .E porque só o nada poderá conter de novo o tudo.
Por agora vou retirar a maquilhagem e olhar-me no espelho – lá do outro lado outro alguém me perguntará : porque representas assim?



 *Entre as muitas histórias brasileiras, verdadeiras ou não, em que índios têm um papel importante, como guerreiros, aliados, conhecedores da mata, personagens de literatura, há grandes histórias de amor.  Dentre elas, uma em particular se firmou na  paisagem cultural brasileira: Moema. 

2 comentários:

Álvaro Lins disse...

"Sou a melhor actriz para o papel secundário que reservaste para mim"
No palco da vida todos nós somos actores! No entanto, só temos um papel secundário se assim o quisermos:)!
Bjo

Sérgio Pontes disse...

Olá,

Gostei bastante deste cantinho virtual =)

Beijinhos