15 julho 2010

Preâmbulo

Acordei e percebi de imediato, aliás soube, e nem sei de que forma, que estava um corpo morto debaixo do sofá do salão. O sofá era baixo e o corpo imenso – mas cabia por lá e, não sei explicar como foi ali parar.
Ignorei-o e sai, fechando a porta atrás de mim.
Havia uma barcaça que me levou até junto de ti, era comprida e estreita com tábuas pintadas de vermelho; os meus pés eram os remos que a faziam avançar, enquanto olhava a água esverdeada com limos no fundo. Lembro-me que havia um estranho aparelho metálico a brilhar por entre o marmoreado das ondas.
Cheguei à ilha vi-te perdido entre risos e gargalhadas, no entanto,  começo já  a ver a tua imagem a ficar cada vez mais difusa. Já nem sei se é miopia aquilo que não consigo ver.
Horas antes, tínhamos estado juntos e a sensação com que fiquei foi estranha, porque me lembro de dois fios de cristal que saiam de mim como se fossem gotas de chuva - finas varetas - congeladas num beiral. Por ti deslizaram os meus dedos e havia na ponta deles um pequeno lago seco que me fez lembrar uma pequena anémona morta na beira do mar.
Antes de sair de casa, coloquei o saca-rolhas no saco – estas tuas manias de queres desfrutar momentos fora de tempo, sempre me tiraram do sério! È por tua causa que os meus pés são remos, é por tua causa que aquele corpo jaz debaixo do sofá, escondido. Começo agora a intrigar-me...quem será que o matou?
O barulho da cachoeira está cada vez mais perto de mim, estou confusa; o inconsciente lança-me sinais que não consigo entender.
Afinal onde estás tu? Ando há uma eternidade à tua procura e só te encontrei no sonho – fazia tempo que não te tinha assim, mesmo sendo tu um pedaço de anémona.
O motor de rega deslocou-se do centro do relvado e bate inútil na parede. Mais desperdício, sempre o desperdício a rondar à minha volta.
Tão pouco posso ir fechar a água, como consequência serei inundada, arrastada pelo vale abaixo...lá onde não estás....

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