23 setembro 2010

Aço

Sentindo o  aço frio da faca, da navalha, da adaga, escolho qual dos instrumentos quero.
Um deles será temperado de modo diferente,  cavando profundo sulco de agonia. Instante decisivo entre vida e morte. Pergunto-me porque é a vida tão frágil, que depende assim de uma lâmina pequena e afiada. Fronteira ténue entre o grito e o gesto. A  mão é uma arma, constato. ( também a palavra, dizem outros). Em tempo contado, certo mesmo, acrescento,  nasci humana, e  uma vez mais, o fino estilete me libertou da morte e para a vida! Seria possível nascer eu, apenas se me abocanhasses que nem animal ferido? Rasgar-me-ias nesse instante. Talvez mais valesse tal modo? Pergunto-me! Estrangular-me-ias?
Desde aí passei a gritar, oscilando entre o silêncio e o murmúrio das vagas alteradas; há quem lhe chame muitas coisas, mas o seu nome acaba por nunca ser um nome, nem tão pouco lhe chamo de ninguém.
Só eu continuo aqui a sentir-me dia a dia mais surda aos apelos, aos chamamentos ignóbeis dos outros que desejam lacerar sem o convencional frio do aço. Matem-me! Mas façam isso rápido, como quem corta o cordão umbilical; façam-me soltar o grito novo, que me insufle  uma alma inteira. A vida , essa já a conheço. Façam com que renasça na morte! É pedir muito?
Fino bisturi este que me modela o corpo, passeia-se docemente neste invólucro tépido.
Eras tu que ousavas, pobre louco, desfazer a minha vida em ti?
Muitos são os que em jeito de desgraça iminente, ousam sonhar com as certezas – lembra-te agora que os rios continuam a correr indiferentes à agonia da terra.
Assim eu vejo-te como um rio, estreita linha de água, aço destemperado sob a minha realidade que se escoa.
Vai, segue, desagua na linfa e faz-me espraiar numa imensidão de vermelhos rubis a mancharem a tua vã consciência.   

1 comentário:

PM disse...

"Difícil é andar sobre o fio da navalha".
Isto para dizer que li e gostei.
Petrarca.