10 março 2011

Dukka Dois



Céu de Baltimore- W.Turner
Hoje fizeste-me sorrir quando te vislumbrei através da bruma azulada.
Existem momentos em que te imagino corcel branco de pelo macio, outros momentos  em que és corcel de pelo negro luzidio; apetece-me subir em ti  e cavalgar até ao infinito, a partir da orla da praia, acompanhar em paralelo  as falésias  que descem  abruptas sobre o Atlântico em miríades  de azul . Uma corrida desenfreada , espécie de fim em delírio que acaba apenas  com o rendilhado delicado de uma onda mais atrevida que connosco vem ter.
Tem ainda outros momentos em que te imagino pantera de olhar verde esmeralda, gema gigantesca ,preciosa, animalesca, fugidio animal que acaba deitado  e enroscado  à minha beira, brincando como um gato, falsamente submisso.
Ontem imaginei-te  um deserto de areia macia, dunas suaves ondulando como véus ao sabor do vento brincalhão. Um oásis  fez-me  recordar  as tâmaras maduras e o vasos  de barro  negro ,  água fresca que nos mata aquela  sede imensa que  gretava a pele fina dos teus lábios.
Isto quando eras um tuaregue a viajar no deserto.
Também te imagino melodia, arrancada dos finos dedos  de um violinista, daqueles que nasceram com o dom de nos fazer sentir a magia das cordas tocadas com mestria. Podes ser arco, corda, caixa de ressonância, toco-te com delicadeza , ressoas e vibras do jeito que eu gosto. Correspondes por inteiro, como se também fosses o teclado de um piano, eis-me a tocar-te a sentir, muito para além do fino marfim com que és feito.
E as noites parisienses , do Gary Moore, também aí consigo imaginar que és tu a vaguear entre a pauta e a nota que cai nela com a precisão que a força do destino ditou ser assim. Lembras que a determinado momento ressoa, ecoa e sobre em crescendo atingindo um clímax? Essa é a nossa forma de prazer também; a pintura, a música, a escultura – mesmo que seja o frio mármore que retrata a Pietá ou a Vénus, é dentro do Belo que te imagino, é na Poesia que te gero e dou-te à luz quando colho a primeira flor da primavera, mesmo singela e branca, a nascer sobre o relvado, revejo-te nela.
Se olho para cima , na copa das árvores que em breve irá florescer, vejo os primeiros botões a abrirem-se docemente, sorrio porque é neles que te quero ver.
Se olho o imenso oceano, até ao limite onde consigo  imaginar o seu fim, vejo o ondular das ondas, e lá estás tu a cavalgar uma delas, uma silhueta esguia e negra ao vento, num sobe e desce conforme o momento.
Estou na praia à tua espera, lembra-te sempre ... foi lá que me deixaste perdida.
Com mais um pequeno esforço , pondo as mãos em concha sobre os olhos consigo ver um tridente feito de prata lá ao longe, perdido no areal. Continuarei a caminhar para lá a vida inteira, um dia vou conseguir desenterrá-lo, tal como a espada de um certo rei de eras passadas.
E na pequenina onda que fez um sshhhhhh, um barulho refrescante ,  subiu e desceu os seixos da praia e deixou  um rasto borbulhante, ondulou, rodou a poça de água, sorriu aos caranguejos, ouriços do mar e disse-lhes que ia voltar. Também a aí te consigo imaginar.
Vejo-te nas nuvens brancas, de algodão hidrófilo, e nas outras, as de cor plúmbea que costumam carregar o céu.
Em tantos outros lugares, cores, formas animais, fecho os meus olhos e vejo-te sempre mais e mais.
E tu como me vês a mim? Dizes-me? Pode ser baixinho assim……………

2 comentários:

Petrarca disse...

De vez em quando sinto necessidade de deixar aqui rasto da minha passagem, não só para fazer prova de vida, mas também e sobretudo para dizer que continuo a seguir este blog onde me faltam sempre as palavras para dizer alguma coisa com sentido.
Aproveitei o naco suculento deste post em prosa para me manifestar.
"Pedaço de prosa" que acaba por ser um poema, como alguns dos poemas bem podiam ser prosa.
Esta opinião tenta ser um elogio.

A.S. disse...

Deliciaste-me com palavras emotivas, onde a ternura das silabas deslizava na pele como doces caricias...
Como te vejo a ti... fecho os olhos e deixo o pensamento liberto, imaginando todos os desejos, todas as fantasias!


Beijos,
AL