30 novembro 2008

Carta ao meu Pai


Aniversário - Palabras, Patxi Andion


A lei natural da vida implica, regra geral, que os pais partam à frente dos filhos. Prefiro pensar que partiu para me preparar um novo caminho e, logo ali na curva da estrada, da via láctea, ou de uma qualquer galáxia distante o meu pai estará à minha espera.
Não sei se depois da morte existirá vida, mas sei que tenho Fé e que a mesma Fé é, para mim, uma espécie de intuição de que Deus existe, e que guardará a Alma dos que partiram. Mas o pai não acreditava em Deus e agora como vou eu saber onde o encontrar no tempo? Vive em mim? Enquanto eu o recordar, estará aqui, guardado no meu coração, na minha mente.
Lembro tantas coisas suas. Lembro que acreditava no Ser Humano!
Lembro o seu afecto e presença sempre constante.
Lembro entre tantas outras coisas, que mandou fazer um cavalete e comprava papel e aguarelas e para que eu desenhasse, o que fazia horas a fio: bailarinas, paisagens, cenários de contos de fadas. E aguarelávamos lado a lado, eu seguindo os seus conselhos!
Um dia eu seria a herdeira do dom, um dos muitos dons que tinha meu pai e que me coube em herança genética. Infelizmente ainda nada fiz para o continuar.Alguém disse que os artistas falhados são criaturas que cometeram o erro formidavel de educar primeiro o gosto e depois o senso.
Lembro do seu olhar ansioso, sempre à minha espera , depois de terminadas as aulas.
Lembro do olhar vigilante, na praia, quando as ondas eram altas demais, hoje compreendo o seu temor, porque fui mãe.
Lembro dos livros que me comprava, todos os anos, na Feira do Livro de Lisboa.Lembro de dividirmos o jornal ao meio, era eu miúda, e fazermos as palavras cruzadas a “meias”, - pensava eu que era a meias, mas o pai sabia sempre muito mais do que eu!
Lembro de me segurar pela mão, e como eu gostava das suas mãos, mãos que pintavam, que faziam casinhas de madeira para mim. Lembro tantas coisas pai, e tinha de partir tão cedo! E era Dezembro, era Natal. Nunca mais existiu Natal sem si. Passaram vinte anos.
Não sei onde está, mas se me ler, sei que sorrirá ao ler estas minhas palavras.
Quero deixar aqui uma espécie de homenagem, e dizer públicamente, que muito me orgulho do pai que tive; deixou-me como herança um código de honra: Lealdade, Honestidade e Integridade, cabe-me a mim no dia-a-dia, tentar seguir esses valores, já plantei as minhas sementes, mantendo a chama viva e continuada. Caminho assim, por si, por mim e por aqueles a quem dei a vida. Eis-me aqui, a caminhar desta forma, através da palavra, que herdei de si, meu pai!
Com saudade que só morrerá quando também eu morrer com ela, desde o dia em que o vi partir, frágil no corpo, mas forte em espírito. Era um dia frio, sem chuva, e no céu um estranho silêncio apenas quebrado pelo esvoaçar de algumas aves. Ninguém se apercebeu, mas olhei bem alto e senti o bater de asas. Era o inicio de uma outra viagem...
Espere por mim....aí onde está....

1 comentário:

Arnaldo dos Santos Norton disse...

O seu pai, de certeza que gostaria de ter lido isto.
Peço-lhe que veja a sua caixa do correio.
Um abraço